REl - 0600538-79.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Inicialmente, destaco que o recorrente acostou documentação em fase recursal, circunstância que na classe processual sob exame não apresenta prejuízo à tramitação do processo, mormente quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. A medida visa salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual, conforme precedentes desta Corte.

JOSÉ CARLOS DOS SANTOS recorre da sentença do Juízo da 84ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereador nas eleições 2020, em razão (1) de não apresentação da mídia eletrônica gerada pelo SPCE e (2) de recebimento de doação por pessoa inscrita no programa social do Governo Federal “Auxílio Emergencial”. A decisão hostilizada determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 700,00.

À análise.

1. Omissão. Mídia eletrônica gerada pelo SPCE.

Na origem, ainda que tenha havido a omissão na entrega da mídia eletrônica gerada pelo SPCE, o juízo de origem entendeu haver elementos documentais suficientes para o exame do mérito da prestação de contas simplificada. De todo modo, apontou a desobediência do candidato aos termos do art. 53, § 1º, e art. 55, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…]

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do caput deste artigo devem ser digitalizados e apresentados exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observando os seguintes parâmetros, sob pena de reapresentação:

[…]

Art. 55. [...]

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do art. 53 desta Resolução devem ser apresentados aos tribunais eleitorais e a zonas eleitorais competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observado o disposto no art. 101, até o prazo fixado no art. 49. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 7º, inciso XI, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 2º O recibo de entrega da prestação de contas somente será emitido após o recebimento da mídia eletrônica com os documentos a que se refere o art. 53, II, desta Resolução, observado o disposto no art. 100.

Relativamente ao tópico, o recorrente alega ter cumprido estritamente a legislação eleitoral e não haver necessidade de outros documentos, além dos já entregues, fundamentalmente porque se está a tratar de prestação de contas simplificada.

Sem razão.

Em primeiro plano, mesmo que a prestação de contas seja entregue sob a modalidade simplificada e dispense a apresentação de algumas informações, a circunstância não afasta a obrigatoriedade de exibir a mídia eletrônica à Justiça Eleitoral, nos termos do art. 64 e parágrafos da legislação em comento:

Art. 64. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas alíneas a, b, d e f do inciso II do art. 53.

§ 1º A adoção da prestação de contas simplificada não dispensa sua apresentação por meio do SPCE, disponibilizado na página da Justiça Eleitoral na internet.

§ 2º O recebimento e/ou processamento da prestação de contas simplificada, assim como de eventual impugnação oferecida, observará o disposto nos arts. 54 a 56.

Ademais, há um segundo aspecto, contido na previsão expressa do art. 64, § 3º, no sentido de que, “concluída a análise técnica, caso tenha sido oferecida impugnação ou detectada qualquer irregularidade pelo órgão técnico, a prestadora ou o prestador de contas será intimada(o) para se manifestar no prazo de 3 (três) dias, podendo juntar documentos”.

Ora, da própria redação do texto legal ressai nítida a possibilidade de apresentação, em caráter complementar, de documentos inicialmente dispensados, o que aliás favorece o prestador de contas e dá concretude à garantia constitucional da ampla defesa, oportunizando que sejam esclarecidos, perante a Justiça Eleitoral e a própria sociedade, a origem e o destino dos gastos financeiros de campanha daquele que se propôs a ocupar cargo público eletivo.

Permanece a primeira falha indicada na sentença, portanto. 

No que se refere ao recebimento de doação de R$ 700,00 por Silvia Cristina Rebelo Tesch, cidadã inscrita no programa “Auxílio Emergencial” do Governo Federal, verifico a ausência de comprovante da capacidade econômica da doadora.

Mas não é só.

Chama bastante atenção a relevância da doação de R$ 700,00 reais, feita por Silvia a JOSÉ CARLOS, pois ela representa a totalidade de valores em espécie manejados na campanha. O total de receitas foi de R$ 1.000,00, e além da doação sob exame houve apenas um doação estimada em R$ 300,00. Salta aos olhos, ademais, o valor doado de R$ 700,00, equivalente a quase dois meses do benefício em que a doadora se encontrava inscrita na época da doação. 

E, aqui, sublinho o principal elemento dos autos, que é a demonstração de que a doadora se trata de pessoa das relações do candidato, até mesmo porque consta nos autos a cópia do depósito eletrônico que ela, Silvia Cristina, recebera na agência bancária ao depositar o envelope. A circunstância demonstra proximidade pessoal entre doadora e candidato, pois o documento comprobatório do depósito só pode ter sido entregue pessoalmente.

Dito de outro modo, o prestador tem contato próximo com a doadora, de forma que não poderia escapar de seu círculo de ciência a situação de hipossuficiência econômica da doadora. 

Esta Corte tem precedente exemplar no relativo a casos de doação realizada por pessoa que não possua capacidade econômica comprovada para tanto, sobretudo quando beneficiária de programa assistencial governamental, em forte indício de situação de hipossuficiência econômica e com o conhecimento de tal situação de parte do candidato, como é exatamente o caso dos presentes autos:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. 2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas. 3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial. 4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional. 5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20. 6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 7. Provimento negado. 

(Recurso Eleitoral n. 0600474-43, julgado em 7.10.2021, relator Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo de Moraes. Unânime.) (Grifei.)

Na mesma linha, apenas a título de exemplo, os recursos eleitorais n. 0600456-22, Relator o Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julgado em 24.5.2021, e REl n. 0600599-11, Relator o Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 22.7.2021.

Assim, permanece a caracterização da irregularidade, devendo a quantia de R$ 700,00 ser recolhida ao Tesouro Nacional, conforme determinado na sentença.

Destaco que as falhas comportam natureza grave e, não obstante a irregularidade relativa à doação esteja nominalmente abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), a ausência de entrega das mídias impede, por si só, a aprovação com ressalvas, devendo ser mantida a desaprovação.

Diante do exposto, VOTO  para negar provimento ao recurso.