REl - 0600318-82.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 25/10/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, uma vez que respeitado o prazo de três dias previsto no art. 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97. A sentença foi publicada no DEJERS em 25.01.2022 (ID 44935378), terça-feira, e o recurso foi interposto no dia 27 do mesmo mês (ID 44935382), quinta-feira.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

 

Mérito

Eminentes Colegas, no mérito, a prestação de contas de FRANCISCO NILTON NUNES, candidato à vereança do Município de Encruzilhada do Sul nas eleições 2020, foi desaprovada devido à constatação de três irregularidades: a) realização de despesas, no valor de R$ 800,00 (sendo R$ 300,00 oriundos de recursos do Fundo Partidário), com combustíveis sem a observância dos critérios legais para tanto; b) ausência de comprovação, no extrato bancário, de serviços prestados na campanha eleitoral, na quantia de R$ 170,00; e c) recebimento e utilização de R$ 800,00 (oitocentos reais) de origem não identificada, em razão de quatro pagamentos efetuados sem o devido trânsito pela conta bancária da campanha eleitoral.

A sentença impôs o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 1.100,00 (mil e cem reais), sendo R$ 300,00 (trezentos reais) pela aquisição de combustível com verbas do Fundo Partidário sem a devida comprovação e R$ 800,00 (oitocentos reais) a título de recurso de origem não identificada.

A) Em relação ao primeiro ponto, a disciplina normativa sobre o uso de veículo na campanha e o limite de gastos com combustível encontra-se no art. 26, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 e no art. 35, §§ 6º e 11, art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Lei n. 9.504/97:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:

[…]

§ 1º São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total do gasto da campanha:

[…]

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

…………………………………...

Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução:

[…]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal da candidata ou do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pela candidata ou pelo candidato na campanha;

[…]

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas;

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim;

[…]

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

[…]

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

Como se depreende das disposições, as despesas do candidato com combustível, se reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 35, § 11, inc. II, do aludido diploma normativo, que contempla os veículos utilizados a serviço da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, da aludida Resolução TSE n. 23.607/19.

No caso concreto, tem-se a realização de despesas, no valor de R$ 800,00, para aquisição de combustível, alegadamente para eventos de carreatas de campanha, sendo utilizado R$ 500,00 (quinhentos reais) proveniente de outros recursos e R$ 300,00 (trezentos reais), do Fundo Partidário, sem a observância dos critérios legais para tanto. O recorrente afirma que, embora tenha apresentado documento fiscal da despesa constando o CNPJ da campanha, desconhecia a norma do inc. I do § 11 do art. 35 da Resolução n. 23.607/19 e, em razão disso, não logrou realizar a indicação da quantidade de carros e nem apontou quanto de combustível foi utilizado por evento.

Por certo, a mera declaração de desconhecimento da regra não basta para o saneamento da falha. O próprio prestador reconhece que faltou apontar, no comprovante de documento fiscal com CNPJ da campanha, a quantidade de carros e de combustível utilizado por evento.

Para além das alegações, nenhuma prova foi produzida nos autos sobre a destinação do combustível. Considerando que o recorrente não apresentou elementos que possibilitassem a superação da falha, permanece caracterizado o uso de combustível como sendo despesa de natureza pessoal, a qual não poderia ter sido paga com recursos da campanha.

No ponto, desatendida a previsão do inc. I do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, que especifica as circunstâncias em que a despesa com combustível pode ser considerada gasto eleitoral em carreata, entendo que deve ser mantida a sentença que glosou o dispêndio e determinou o recolhimento dos valores do Fundo Partidário (R$ 300,00) destinados ao pagamento de combustível.

B) O segundo apontamento relaciona-se à ausência de comprovação, no extrato bancário, de serviços prestados na campanha eleitoral, no valor de R$ 170,00.

O parecer técnico identificou que, no extrato da conta n. 60570410-2, o cheque n. 003 teve seu valor sacado em dinheiro, circunstância que revela que a ordem de pagamento emitida não obedeceu aos parâmetros exigidos pelo inc. I do art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 (cheque nominal e cruzado), não restando comprovada a destinação final do recurso de campanha.

Em sua defesa, o candidato afirma que o cheque, sacado em espécie, foi destinado “à empresa Fernando Lemos ME (CNPJ 09.472.919/0001-52), no valor de R$ 170,00 (cento e setenta reais) (documento em anexo), pela aquisição de panfletos, identificando assim, o destinatário do pagamento, declarado na prestação”.

Não foi juntado aos autos documento que comprove a alegação. Na manifestação do contador do candidato, consta “03-02 - Cheque n: 003 da Conta Corrente n: 60570410-2 sacado em dinheiro, diversas vezes os candidatos foram avisados para não o fazerem” (ID 44935372).

Não se comprovou a observância, portanto, do disposto no inc. I do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

(...)

 

Assim, na esteira do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, cabe destacar os seguintes aspectos, que colocam luz sobre a importância do atendimento das regras constantes na resolução de regência:

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FEFC.

Ademais, a obrigação para que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei 7.357/85), assegura, outrossim, que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ter sido cruzado o cheque, sendo sacado na boca do caixa, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, vez que impediu fosse alimentado o sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário do cheque, impedindo o controle por parte da sociedade.

Resta, portanto, mantida a referida irregularidade.

 

Neste sentido posicionou-se este Tribunal, em acórdão do qual se extrai a seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. VEREADOR. PAGAMENTO DE DESPESAS ELEITORAIS COM CHEQUES NÃO CRUZADOS. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA NÃO ESCLARECIDA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FALHAS DE ELEVADOS PERCENTUAL E VALOR NOMINAL. DESAPROVAÇÃO. SANEAMENTO DA IRREGULARIDADE DE APENAS UMA CÁRTULA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou a prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020, sem determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em virtude da falta de emissão de cheques cruzados para pagamento de despesas com pessoal de campanha, serviço de contabilidade e impressos de propaganda eleitoral.

2. Pagamento de despesas de campanha, mediante emissão de cheques, para os quais não foi identificada a contraparte nos extratos bancários, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. O pagamento do contador associado não foi realizado diretamente pela candidata e não restou devidamente elucidado nos autos. Os pagamentos ao contador e à empresa deveriam ter sido efetuados separadamente, com cheques distintos, nominais e cruzados, e ambos os fornecedores deveriam estar escriturados nas contas. Assim, além de o pagamento terceirizado não estar previsto nas normas eleitorais, a movimentação financeira não foi devidamente esclarecida, pois, apesar de terem sido apresentados o contrato e a nota fiscal, não há recibo de quitação de honorários expedido pelo contador, não podendo ser relevada a irregularidade. De igual modo, não foram sanadas as demais impropriedades relativas ao registro de despesas de contabilidade que teriam sido contratadas pela candidata.

3. Cheques emitidos para pagamento de militância. Da análise do extrato bancário, verifica-se que ambos os cheques foram descontados e não compensados, não constando a contraparte. Recibos e contratos são redigidos unilateralmente, permanecendo a falha, a qual impediu que a Justiça Eleitoral efetuasse o rastreamento do valor, confirmando se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o valor pago com cheques. Tratando-se de exigência legal comum a todos os concorrentes ao pleito, não poderia o candidato contratar produtos e serviços e realizar pagamentos fora das modalidades estabelecidas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. As irregularidades não sanadas representam 79,3% da movimentação financeira declarada. Considerando o percentual de impacto das falhas sobre as contas e o valor absoluto envolvido, a manutenção da sentença de desaprovação é medida impositiva, não se mostrando razoável ou proporcional a aprovação com ressalvas, observando-se não ter havido determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

5. Provimento parcial do recurso, tão somente para considerar sanada a falha relativa a um cheque.

(TRE-RS, RE n. 350-18, Relator Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado na Sessão de 21.10.2021) (Grifei.)

 

Portanto, o procedimento realizado pelo recorrente não é idôneo para que se evidencie a regularidade e confiabilidade das informações.

C) Por derradeiro, o terceiro apontamento diz respeito ao recebimento e à utilização de R$ 800,00 (oitocentos reais) de origem não identificada, em razão de quatro pagamentos efetuados sem o devido trânsito pela conta bancária da campanha eleitoral.

Melhor explicitando: foi constatada a emissão de quatro notas fiscais eletrônicas, todas emitidas pela empresa COMERCIO DE COMBUSTÍVEIS NEVOEIRO LTDA (CNPJ 95.425.369/0020-15) contra o CNPJ da candidatura, sem que esses gastos tivessem sido declarados na prestação e transitado pela conta bancária de campanha, revelando omissão de despesas eleitorais.

Sobre o ponto, o recorrente afirma que “os valores não foram prestados na devida ordem, mas sim na totalidade. Em vista disso, sobreveio um equívoco e confusão na análise das notas fiscais, causando o entendimento de que houve omissão na declaração da despesa".

As notas fiscais em questão, emitidas pela empresa COMERCIO DE COMBUSTÍVEIS NEVOEIRO LTDA (CNPJ 95.425.369/0020-15), foram identificadas no procedimento de circularização. Correspondem aos documentos fiscais de n. 214668, 215683, 216290 e 217141, nos valores de R$ 200,00, em 29.10.20; R$ 100,00, em 03.11.20; R$ 200,00, em 06.11.20; e R$ 300,00, em 11.11.20 (ID 44935362).

Na prestação de contas, foram declaradas, em relação à mesma empresa, a nota fiscal n. 4441, no valor de R$ 500,00, com data de 06.11.20, e n. 4458, de 11.11.20, no valor de R$ 300,00 (ID 44935221). Esta última despesa foi comprovada pela juntada de DANFE (ID 44935372).

O DANFE n. 4458 corresponde ao documento fiscal eletrônico n. 217141.

Pois bem, necessário explicitar que a primeira e a terceira irregularidades dizem respeito aos mesmos gastos: aquisição de combustível, no total de R$ 800,00, fornecido pela empresa COMERCIO DE COMBUSTÍVEIS NEVOEIRO LTDA (CNPJ 95.425.369/0020-15). A primeira irregularidade refere-se à comprovação da utilização do combustível para carreata, enquanto a terceira está relacionada, como se pode apurar, aos registros das despesas.

A singeleza da prestação de contas, tanto em razão do modesto uso de valores quanto da pequena quantidade de transações, permite que tais conclusões possam ser extraídas dos documentos juntados pelo prestador, pelo examinador de contas e pelos extratos constantes no Divulgacand. O extrato bancário, em especial, demonstra o pagamento devidamente identificado à empresa fornecedora do valor de R$ 500,00, proveniente da conta “Outros recursos”, e de R$ 300,00, da conta em que depositadas as verbas do Fundo Partidário.

Não há, portanto, recursos de origem não identificada, pois os valores que custearam o combustível transitaram pelas contas bancárias.

Porém, não há como deixar de reconhecer a irregularidade em parte dos lançamentos contábeis, seja porque os comprovantes das despesas, em sua maioria, não foram juntados aos autos, seja porque os documentos fiscais registrados não encontram perfeita equivalência com aqueles obtidos na circularização.

O valor global das despesas é o mesmo, o período de aquisição do produto é próximo e o fornecedor é COMERCIO DE COMBUSTÍVEIS NEVOEIRO, porém se chegou à conclusão de que foram escriturados na prestação de contas os DANFEs (documentos auxiliares da nota fiscal eletrônica), enquanto a circularização localizou os próprios documentos fiscais eletrônicos. Nessa opção, justificam-se as divergências entre o número de comprovantes fiscais (2 DANFEs e 4 DFe), cabendo consignar que “o DANFE não é, não substitui, e não se confunde com uma Nota Fiscal Eletrônica” (https://atendimento.receita.rs.gov.br/o-que-e-e-para-o-que-serve-o-danfe).

Porém, tenho que as falhas na escrituração, as quais reconheço em relação ao montante de R$ 500,00 (visto que verificada a equivalência dos documentos fiscais em relação ao gasto de R$ 300,00), que não estão comprovados por documentos fiscais, consideradas as peculiaridades do caso em análise, não devem refletir em obrigação de recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional, visto que é possível, pela análise dos dados da prestação de contas, apurar a origem dos valores utilizados para o pagamento das despesas e verificar seu trânsito pelas contas bancárias de campanha.

Em conclusão, retomo que o somatório das máculas atinge R$ 1.470,00 (R$ 800,00 + R$ 170,00 + R$ 500,00), que representa 97, 35% do total das receitas declaradas (R$ 1.510,00), restando inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas.

No entanto, reconhecida a origem dos recursos utilizados para o pagamento de combustíveis, embora subsista a irregularidade da escrituração contábil, a sentença deve ser mantida tão somente em relação à determinação do recolhimento, ao Tesouro Nacional, do montante de R$ 300,00 (trezentos reais) pela aquisição de combustível com verbas do Fundo Partidário sem a devida comprovação de utilização em carreata.

Anoto que a sentença não determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 170,00 relativo ao pagamento de despesa sem a observância do meio cheque nominal e cruzado e que não houve recurso quanto ao ponto.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar parcial provimento ao recurso, mantendo a desaprovação das contas de FRANCISCO NILTON NUNES, relativas às eleições municipais de 2020, reduzindo para R$ 300,00 (trezentos reais) o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.