REl - 0600387-39.2020.6.21.0044 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 24/10/2022 às 14:00

VOTO-VISTA

Trago em mesa voto-vista nos autos do recurso interposto por JESSICA PIVOTO PAVANELO contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e fixou pena de multa em razão do excesso do limite de autofinanciamento de R$ 1.953,36.

A decisão pela desaprovação considerou que o teto permitido para ingresso de recursos próprios era de R$ 3.196,64 e que a candidata declarou autofinanciamento no total de R$ 5.150,00, sendo R$ 3.600,00 consistente na doação estimável relativa à cessão de veículo de sua propriedade (VW Nova Saveiro CS) e R$ 1.550,00 quanto a recursos financeiros.

Na sentença, a Juíza Eleitoral de Santiago/RS consignou que em outros processos de contas de campanha as doações estimáveis não foram computadas para aferição da extrapolação do limite de autofinanciamento, mas que neste feito adotaria o entendimento deste Tribunal no sentido do cômputo dos recursos estimáveis referentes à utilização de veículo do próprio candidato para a aferição da observância do limite legal.

Em seu recurso, a candidata invoca a violação ao princípio da isonomia entre os candidatos e aponta que, de fato, a magistrada não considerou a cessão de veículo próprio no cálculo do limite de autofinanciamento ao julgar as contas de candidatos eleitos a vereador no Município de Santiago, indicando as sentenças prolatadas nos processos de prestação de contas 0600443-72.2020.6.21.0044, 0600386-54.2020.6.21.0044 e 0600346-72.2020.6.21.0044.

Na sessão de 18.10.2022, a ilustre Relatora propôs uma viragem da jurisprudência deste Tribunal que, ao interpretar a regra disposta no art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 nos exames das contas do pleito de 2020, se posicionou no sentido de que a cessão de veículo próprio deve ser contabilizada na aferição do limite de gastos de autofinanciamento, em razão de acórdão do TSE julgado em 26.5.2022 (REspEl 0600265–19.2020.6.18.0041), e de decisão monocrática de 06.6.2022 (RespEl 0600480-06.2020.6.21.0075), concluindo que o uso de veículo automotor do próprio candidato em campanha não configura gasto eleitoral.

Com esse fundamento, o voto condutor exclui do limite a doação estimável do valor de R$ 3.600,00, referente à cessão de veículo da candidata para uso em sua campanha, e dá provimento ao recurso para aprovar as contas, afastando a pena de multa, uma vez que a doação pessoal de R$ 1.150,00 não supera os recursos próprios que poderiam ser aplicados na jornada eleitoral.

A partir dessa proposição, acompanhada na sessão anterior pelo Des. José Vinicius Andrade Jappur, o ponto nodal que conduziu ao meu pedido de vista se restringe à alteração da jurisprudência consolidada neste Tribunal para o julgamento de todas as contas da campanha da eleição de 2020, em atenção aos princípios da segurança jurídica, da proteção à confiança e da isonomia e, especialmente, ao postulado da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal, princípio este que o STF, no julgamento do RE n. 637.485, da relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJe de 21.5.2013), assentou que deve ser observado quanto à alteração da jurisprudência.

Essa diretriz foi incorporada aos arts. 926 e 927 do CPC, a fim de que os tribunais uniformizem sua jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, estabelecendo-se que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos “pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica” (§ 3o, art. 927).

Posteriormente, com as alterações introduzidas pela Lei n. 13.655/18 ao texto da LINDB, essa orientação passou a constar do seu art. 23, segundo o qual “a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”.

O próprio Tribunal Superior Eleitoral tem realizado expressa referência em seus acórdãos de que a jurisprudência em matéria de prestação de contas deve ser uniforme para cada eleição ou exercício financeiro, e que eventual mudança de entendimento somente deve ser adotada para pleitos ou exercícios financeiros futuros:

Direito Eleitoral. Prestação de contas. Eleições de 2014. Diretório nacional. Partido Social Liberal (PSL). Aprovação com ressalvas.

(…)

3. O TSE firmou para as Eleições 2014 o entendimento de que eventuais omissões de despesas ou receitas nas contas parciais que sejam regularizadas na prestação de contas final devem ser consideradas vícios meramente formais, insuficientes para acarretar a desaprovação das contas nos termos do art. 30, § 2º-A, da Lei nº 9.504/97. Precedentes. III. Conclusão 4. No caso, a única inconsistência verificada nas contas do partido configura falha meramente formal. 5. Prestação de contas aprovada com ressalvas, nos termos do art. 30, II da Lei nº 9.504/1997 e do art. 54, II, da Res.-TSE nº 23.406/2014.

(TSE - PC: 00009926420146000000 BRASÍLIA - DF, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 27/06/2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 16/08/2019) - (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VERBETE SUMULAR 26 DO TSE. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DESAPROVADAS NA ORIGEM. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS PARCIAL E ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. ART. 50 DA RES.-TSE 23.553. INOBSERVÂNCIA DO ART. 32, I, DA RES.-TSE 23.553. REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NO REFERIDO PLEITO GERAL. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE DA FALHA REMANESCENTE.

(...)

6. No julgamento do AgR-AI 0600055-29, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.2.2020 (entre outras prestações de contas de eleição geral também oriundas do Tribunal Regional Eleitoral catarinense), esta Corte Superior decidiu manter a orientação jurisprudencial de pleitos pretéritos para as Eleições de 2018, em observância à proteção da confiança e à segurança jurídica.

(...)

9. A convergência dos votos também se orientou, com sinalização a pleitos futuros, no sentido de que o descumprimento dos comandos normativos quanto às informações sobre receitas e despesas durante a campanha (relatórios financeiros e prestação parcial) não será justificado pelo simples argumento de que tais dados foram contemplados na prestação de contas final, mas serão ponderadas circunstâncias outras a justificar ou não a aprovação com ressalvas das contas, sob pena de tornar inócuas tais exigências legais.

(...)

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 06068410320186260000 SÃO PAULO - SP, Relator: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 26/03/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 78, Data: 24/04/2020) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2012. PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT). APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, nas despesas com hospedagem, devem ser admitidos todos os meios de prova para a comprovação da prestação do serviço, inclusive faturas das quais conste a identificação do nome do hóspede, a data e o período da estadia, elementos que estão presentes nos autos. 2. A orientação desta Corte, em relação ao exercício financeiro de 2012, firmou-se no sentido de que é desnecessária a juntada de documentação complementar quando o partido apresentou notas fiscais idôneas, legíveis e que contenham descrição específica de produto ou serviço, compatível com o objeto social do fornecedor.

(….)

(Prestação de Contas nº 21091, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 90, Data: 08/05/2018, Página 22-23) (Grifei.)

 

Na hipótese em tela, conforme consigna a nobre Relatora, a cessão de veículo próprio foi considerada no cálculo do limite de autofinanciamento em diversos julgados: REl n. 060048146, Relator Des. Federal ROGERIO FAVRETO, julgado em 02.5.2022, REl n. 060055460, Relator Des. Eleitoral FRANCISCO JOSÉ MOESCH, julgado 05.4.2022; REl n. 060035975, de minha relatoria, julgado em 24.01.2022; REl n. 060070591, Relator Des. Eleitoral OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, julgado em 07.12.2021.

Ocorre que o caso concreto guarda a peculiaridade de que a recorrente foi prejudicada no exame das contas ocorrido no município relativamente aos demais candidatos, inclusive os que foram eleitos ao cargo de vereador, uma vez que a própria sentença reconhece ter aplicado tratamento desigual quanto à cessão de veículo próprio e o cômputo do seu valor estimável em dinheiro no limite de autofinanciamento de campanha.

E é preciso considerar que os processos de prestação de contas, conforme refere o Min. Luiz Fux no acórdão da PC n. 93029, se conectam ao princípio da igualdade de chances entre candidatos e partidos políticos (PC n. 93029, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 12.8.2016).

Além dessa manifesta quebra do princípio da igualdade no julgamento das contas, verifico que a decisão monocrática do TSE referida pela ilustre Relatora, RespEl 0600265-19/PI, da relatoria do Min. Sérgio Banhos, reformou acórdão deste Tribunal, de minha relatoria, evidenciando que deve ser prestigiada, também por esse motivo, a posição adotada pela Corte Superior Eleitoral.

Assim, entendo que deve ser adotado o entendimento do voto condutor pelas razões muito bem lançadas.

Por fim, apenas faço o registro de que o posicionamento aqui adotado leva em conta a peculiaridade deste feito na paridade do julgamento de outras prestações de contas do mesmo município e não por eventual anuência com modificação jurisprudencial do TSE, pois mantenho o entendimento, e fica aqui a ressalva, do respeito ao princípio geral da anualidade e da isonomia.

POR ESSES FUNDAMENTOS, e consignada a ressalva de meu entendimento pessoal como acima explicitado, no caso concreto acompanho a ilustre Relatora.