REl - 0600387-39.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/10/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, devendo ser conhecido.

 

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas em razão da extrapolação do limite de arrecadação pela candidata via autofinanciamento, com fixação de multa no percentual de 100% da quantia em excesso, ou seja, em R$ 1.953,36.

Na hipótese, ficou consignado no parecer técnico que o limite de gastos para o cargo de vereador, no Município de Santiago-RS, foi de R$ 31.966,35, sendo que o teto permitido para aporte de recursos próprios corresponderia a R$ 3.196,64.

A recorrente declarou a arrecadação de recursos próprios no valor de R$ 5.150,00 (ID 44984825): R$ 3.600,00 referem-se a doações estimáveis em dinheiro e R$ 1.550,00 são oriundos de posses financeiras (ID 44984791). Os recursos não financeiros correspondem à cessão do veículo VW Nova Saveiro CS, de propriedade da candidata, estimada em R$ 3.600,00, “equivalente ao valor médio praticado no mercado para o aluguel do bem” (Termo de cessão de bem móvel - ID 44984802).

A matéria objeto de análise encontra-se regulamentada na Lei das Eleições e na Resolução TSE n. 23.607/19, sendo pertinente o exame dos seguintes dispositivos:

Lei n. 9.504/97

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

I - (revogado);

II - (revogado).

§ 1º-A (Revogado pela lei nº 13.488, de 2017)

§ 1º-B - (VETADO) (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

§ 2º As doações estimáveis em dinheiro a candidato específico, comitê ou partido deverão ser feitas mediante recibo, assinado pelo doador, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 28.

§ 2º-A. O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

[…]

 

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: [...]

§ 3º Não são consideradas gastos eleitorais nem se sujeitam a prestação de contas as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

[...]

 

Art. 28. A prestação de contas será feita:

[...]

§ 6º Ficam também dispensadas de comprovação na prestação de contas:

I - a cessão de bens móveis, limitada ao valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) por pessoa cedente;

II - doações estimáveis em dinheiro entre candidatos ou partidos, decorrentes do uso comum tanto de sedes quanto de materiais de propaganda eleitoral, cujo gasto deverá ser registrado na prestação de contas do responsável pelo pagamento da despesa.

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

 

Resolução TSE n. 23.607/19

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pela candidata ou pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:

I - o total dos gastos de campanha contratados pelas candidatas ou pelos candidatos;

II - as transferências financeiras efetuadas para outros partidos políticos ou outras candidatas ou outros candidatos; e

III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.

[…]

 

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[...]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

[…]

 

Anoto que, em seu recurso, a recorrente referiu que em outros processos de prestação de contas da mesma zona as doações estimáveis não foram computadas para aferição da extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha, o que violaria a isonomia entre os candidatos.

No ponto, colho da sentença (ID 44984835):

Com efeito, em que pesem os argumentos expendidos pela prestadora das contas em sua manifestação de ID 103232150, diante da pacificação pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul do entendimento de cômputo dos recursos estimáveis referentes à utilização de veículo do próprio candidato para a aferição da observância do limite de autofinanciamento de campanha, tenho por bem rever o entendimento anteriormente adotado, para alinhamento ao posicionamento da referida corte, conforme preconizado pelo art. 927, V, do CPC, que determina aos juízes e tribunais que observem a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

 

A magistrada a quo afirma que reviu o posicionamento que vinha adotando nos processos de prestação de contas, o que justifica que os primeiros candidatos que tiveram a contabilidade examinada (os eleitos) não tivessem sido submetidos aos mesmos parâmetros de julgamento da recorrente.

O Juízo Eleitoral mudou seu posicionamento para se alinhar a este Tribunal Regional, que tem compreendido que a cessão do veículo do próprio candidato deve ser contabilizada na aferição do limite de gastos de autofinanciamento, nos termos do art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19. Nesse sentido:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. EXCEDIDO LIMITE DE AUTOFINANCIAMENTO DE CAMPANHA. BEM ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. CESSÃO DE AUTOMÓVEL. VALOR REDUZIDO DO EXCESSO. MANTIDO O JUÍZO DE APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas de candidato, tendo como fundamento a extrapolação do limite legal de doações com recursos próprios. Não foi fixada multa correspondente a 30% da quantia em excesso, disciplinada no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Excedido o limite de autofinanciamento de campanha, em discordância ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece que o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer. Regra é objetiva. O limite previsto para gastos nas campanhas dos diversos cargos é deduzido do disposto no art. 18-C da Lei das Eleições.

3. Embora a receita tipificada como bem estimável em dinheiro seja de natureza gratuita, ela possui valor econômico e, assim sendo, o valor estimado deve refletir o valor de mercado. A cessão de automóvel de propriedade do candidato para seu uso durante a campanha eleitoral deve ser registrada na prestação de contas justamente para viabilizar a observância do limite para o autofinanciamento, segundo disciplina o art. 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. O valor do excesso é reduzido, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), devendo ser mantido o juízo de aprovação com ressalvas.

5. Não havendo cominação de multa no âmbito da decisão de origem, não há como rediscutir este ponto em grau de recurso, seja por falta de interesse recursal do recorrente, seja em respeito ao princípio do non reformatio in pejus.

6. Provimento negado.

(REl n. 060048146, Relator Des. Federal ROGERIO FAVRETO, julgado em 02/05/2022, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 76, Data: 04/05/2022, Página 4.)

 

Na mesma linha, menciono também, ilustrativamente: REl n. 060055460, Relator Des. Eleitoral FRANCISCO JOSÉ MOESCH, julgado 05.4.2022; REl n. 060035975, Relator Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado em 24.01.2022; REl n. 060070591, Relator Des. Eleitoral OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, julgado em 07.12.2021.

Pois bem, ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral firmou posicionamento em sentido contrário ao adotado por este Regional, conforme anunciado pela recorrente. A partir do julgamento do REspEl 0600265–19/PI, de relatoria do Min. Sérgio Banhos, na sessão de 26.5.2022, o TSE fixou que o uso de veículo automotor do próprio candidato em campanha não configura gasto eleitoral e, ademais, não há óbice a que a ressalva do § 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/97 – que exclui os bens estimáveis em dinheiro relativos à utilização de bens móveis ou imóveis do limite de 10% de doação de pessoas físicas a candidatos – seja também aplicada por analogia à hipótese de autofinanciamento de campanha.

Constou na ementa desse julgado:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR. APLICAÇÃO DE MULTA. AUTOFINANCIAMENTO. CAMPANHA ELEITORAL. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE. EXCLUSÃO DO CÔMPUTO. CESSÃO DE VEÍCULO DO PRÓPRIO CANDIDATO. PROVIMENTO DO APELO. APROVAÇÃO DAS CONTAS.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial eleitoral interposto em face do acórdão exarado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí , no qual foi mantida a sentença proferida pelo Juízo da 41ª Zona Eleitoral daquele Estado, que desaprovou as contas de campanha do recorrente, referentes às Eleições de 2020, nas quais concorreu ao cargo de vereador, e aplicou–lhe multa no valor de R$ 1.836,70, por extrapolação do limite de autofinanciamento de campanha.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL

2. O limite previsto no art. 23, § 2º–A autoriza o candidato a usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer, considerando como recursos próprios (autofinanciamento) aqueles definidos como dinheiro em espécie, bem como bens ou serviços estimáveis em dinheiro, desde que haja a transferência de propriedade e o proveito econômico definitivo do candidato.

3. A cessão de bens móveis e imóveis contabiliza limite próprio, no qual autorizado o uso de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para uso pessoal durante a campanha, independente do valor (art. 28, § 6º, III, da Lei 9.504/97).

3. A despeito do limite de autofinanciamento de campanha, o uso de veículo próprio (de natureza pessoal do candidato) nem sequer constitui gasto eleitoral, ressaltando que também não se enquadram nesse conceito as respectivas despesas acessórias como combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha (art. 26, § 3º, "a" da Lei 9.504/1997), dada, inclusive, a facultatividade de emissão do recibo eleitoral na "cessão de automóvel de propriedade da candidata ou do candidato, de cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha" (art. 7º, § 6º, III da Res.–TSE 23.607/2019).

CONCLUSÃO

Recurso especial eleitoral provido a fim de aprovar as contas do candidato a vereador recorrente, afastando–se a multa por não observância de limite de autofinanciamento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060026519, Acórdão, Relator(a) Min. Sérgio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 152, Data: 10/08/2022)

 

A decisão do TSE foi tomada de forma unânime, com o relator reajustando seu voto após manifestação de divergência, o que demonstra que os julgadores debateram e ponderaram sobre as circunstâncias que envolvem a cessão de bens do próprio candidato na campanha eleitoral.

Com a formação do precedente, decisão deste TRE-RS sobre extrapolação do limite de autofinanciamento foi recentemente reformada monocraticamente no TSE sob o mesmo fundamento do julgamento paradigma acima citado (REspEl: 06004800620206210075, NOVA PRATA - RS, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 06/06/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 107), o que tende a se repetir em casos semelhantes.

Tendo esses elementos em conta, penso que também seja o caso de a Corte, em prestígio ao precedente do Tribunal Superior Eleitoral e em homenagem à igualdade de tratamento na resposta judicial e à segurança jurídica, rever seu posicionamento sobre os recursos considerados para fins de apuração de excesso de autofinanciamento.

Em outras ocasiões, também em matéria de prestação de contas, já me manifestei no sentido de manter o posicionamento que a Corte vinha adotando durante toda a eleição para que os candidatos recebessem o mesmo tratamento. Penso que cabe distinguir que, naqueles casos, se examinavam questões de prova ou comprovação, sob as quais este Tribunal tem, de regra, a palavra final, em razão das barreiras processuais de acesso às Cortes Superiores.

Diverso é o caso dos autos. Ao examinar outro recurso sobre a questão do autofinanciamento e os recursos estimáveis, o Min. Benedito Gonçalves consignou em sua decisão que a “hipótese não demanda reexame do conjunto fático–probatório (vedado pela Súmula 24/TSE), mas apenas o reenquadramento jurídico dos fatos” (TSE - REspEl: 06006364920206060030, ACARAÚ - CE, decisão de 09/09/2022), a demonstrar que, acaso mantida a posição anterior da Corte, os candidatos prejudicados obteriam via recursal a superação da irregularidade.

É recomendável então, conferindo racionalidade ao trabalho dos tribunais, adotar imediatamente o entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Assim, conforme fixado pelo TSE nos autos do REspEl 0600265-19/PI, de relatoria do Min. Sérgio Silveira Banhos, proponho que o Plenário deste Tribunal Regional modifique seu posicionamento para declarar que os recursos estimáveis que representem cessão de veículo do próprio candidato para uso em sua campanha eleitoral não devem ser computados para fins de verificação de observância dos limites de gastos do prestador de contas.

Nesse trilhar, excluída a doação estimável no valor de R$ 3.600,00 (cessão de veículo da candidata para uso em sua campanha) do cômputo dos valores para fins de apuração do limite de gastos, tem-se que a recorrente aportou, a título de recursos próprios, o montante de R$ 1.150,00, o qual não supera o limite estipulado para o cargo de vereador no Município de Santiago-RS, equivalente a R$ 3.196,64, devendo ser afastada a multa aplicada na decisão recorrida em razão de extrapolação decorrente de autofinanciamento.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por dar provimento ao recurso para aprovar as contas de JESSICA PIVOTO PAVANELO relativas às eleições 2020, afastando a multa fixada na sentença.