REC no(a) Rp - 0603519-71.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/10/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e estando presentes os demais pressupostos de admissibilidade dele conheço.

Em preliminar, o recorrente alega inépcia da petição inicial, em razão de ausência de causa de pedir, bem como por considerar que da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão. Argui que “não houve nos autos do processo qualquer prova quanto ao alegado”.

A alegação não prospera.

A petição inicial está acompanhada de documentação produzida nos autos da Notícia de Fato n. 1.04.100.000261/2022-11 (ID 45134831), na qual a Procuradoria Regional Eleitoral realizou relatórios de constatação, consultas ao DivulgaCand, como também juntou prints das páginas (IDs 4535133 a 4535138).

Assim, rejeito a prefacial.

Inicialmente, informo que na data de 18.10.2022 foi julgado recurso na Rp. 0603497-13.2022.6.21.000, com as mesmas partes, da relatoria da Juíza Auxiliar Elaine Maria Canto da Fonseca, em que coincide a URL https://www.instagram.com/mauriciomarcon/ na qual foi imposta ao representado multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Assim, consigno que, por ocasião da decisão monocrática, afastei o exame da URL https://www.instagram.com/mauriciomarcon/ e tratei apenas da URL https://www.instagram.com/p/Chdc6wUrXHE/.

Pois bem, conforme Relatório n. 536/22, elaborado pela Assessoria de Pesquisa e Análise Descentralizada da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45134831 – fls. 22-24), verifica-se que o candidato:

(1) utiliza-se de perfil de rede social para fins de propaganda eleitoral que não foi registrado junto à Justiça Eleitoral (URL: https://www.instagram.com/p/Chdc6wUrXHE/); e

(2) tem realizado publicações sem menção ao partido pelo qual concorre, via de regra, identificando-se por "nome + número + cargo", bem como tem realizado campanha para o candidato à Presidência de República Jair Bolsonaro, embora seu partido componha a coligação pela qual concorre a candidata Simone Tebet, trazendo inequívoca confusão ao eleitor quanto à sua legenda partidária.

O recorrente alega que “em momento algum, a legislação exige a comunicação prévia das redes sociais à Justiça Eleitoral, ou seja, esta pode ser feita a qualquer momento”. E que, no presente caso, a informação foi prestada posteriormente ao registro, não havendo irregularidade, motivo pelo qual a multa deve ser afastada. Segue argumentando que “a ausência de tais informações no RRC não se deu por má-fé ou por vontade deliberada de escondê-las, mas tão só por um lapso, de forma que se revela ofensiva ao princípio da razoabilidade a aplicação da multa de R$ 5.000,00”.

Adianto, não assiste razão ao recorrente.

A matéria com relação à possibilidade de realização de propaganda eleitoral na internet e de multa em caso de descumprimento está prevista no art. 57-B da Lei n. 9.504/97:

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas:

I - em sítio do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

II - em sítio do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no País;

III - por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação;

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por:

a) candidatos, partidos ou coligações; ou

b) qualquer pessoa natural, desde que não contrate impulsionamento de conteúdos.

§ 1º Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral.

§ 2º Não é admitida a veiculação de conteúdos de cunho eleitoral mediante cadastro de usuário de aplicação de internet com a intenção de falsear identidade.

§ 3º É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros.

§ 4º O provedor de aplicação de internet que possibilite o impulsionamento pago de conteúdos deverá contar com canal de comunicação com seus usuários e somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes do conteúdo impulsionado se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente pela Justiça Eleitoral.

§ 5º A violação do disposto neste artigo sujeita o usuário responsável pelo conteúdo e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa. (Grifei.)

 

No que diz respeito à necessidade de comunicação prévia à Justiça Eleitoral dos endereços eletrônicos nos quais serão veiculados os materiais de propaganda eleitoral do candidato, estabelece o art. 28, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, I a IV):

I - em sítio da candidata ou do candidato, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de aplicação de internet estabelecido no país;

(…).

IV - por meio de blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas, dentre as quais aplicativos de mensagens instantâneas, cujo conteúdo seja gerado ou editado por: (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

a) candidatas, candidatos, partidos políticos, federações ou coligações, desde que não contratem disparos em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta Resolução ( Lei nº 9.504/1997, art. 57-J ); ou (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

b) qualquer pessoa natural, vedada a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo nos termos do art. 34 desta resolução Lei nº 9.504/1997, art. 57-J ). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º Os endereços eletrônicos das aplicações de que trata este artigo, salvo aqueles de iniciativa de pessoa natural, deverão ser comunicados à Justiça Eleitoral no requerimento de registro de candidatura ou no demonstrativo de regularidade de dados partidários, podendo ser mantidos durante todo o pleito eleitoral os mesmos endereços eletrônicos em uso antes do início da propaganda eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 57-B, § 1º)

 

Pelo exposto, ao contrário do alegado pelo recorrente, a legislação eleitoral é explícita ao disciplinar que os endereços eletrônicos deverão ser comunicados, estabelecendo, ainda, de forma bastante clara, que o momento da comunicação é o da apresentação do Requerimento de Registro da Candidatura - RRC ou do Demonstrativo de Regularidade de Dados Partidários – DRAP.

No caso telado, restou comprovado que o recorrente não informou nenhuma mídia social para registro na oportunidade da apresentação do seu RRC nem no DRAP de seu partido, tendo peticionado, posteriormente, solicitando a regularização da situação.

Ocorre que a infração se consuma no momento em que o candidato não informa no RRC ou DRAP o rol de suas mídias sociais e as usa em benefício de sua campanha, conforme disciplina o art. 57-B, § 1º, da LE.

De modo que não há que se falar em regularização posterior ao requerimento de registro de candidatura bem como em afastamento da reprimenda pecuniária com base em alegada ausência de prejuízo ao processo eleitoral.

No ponto, conforme explanei na decisão monocrática, fui voto vencido em outros julgamentos desta Corte, deixando de aplicar a sanção pecuniária. Entretanto, em homenagem aos precedentes e por força dos princípios da segurança jurídica e da colegialidade, curvo-me ao entendimento quanto à natureza objetiva da norma, nos termos da Rp. 0601954-72.2022.6.21.000, cujo acórdão foi de relatoria do Des. Gerson Fischmann (16.9.2022).

Colaciono ainda jurisprudência do TSE em que, por unanimidade, o Colegiado concluiu que os candidatos devem comunicar à Justiça Eleitoral os endereços de todas as aplicações de que trata o dispositivo legal, inclusive as formas tratadas no inc. IV (blogs, redes sociais, sites de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas):

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. CANDIDATO A VEREADOR. INOBSERVÂNCIA. OBRIGATORIEDADE. COMUNICAÇÃO. JUSTIÇA ELEITORAL. ENDEREÇOS ELETRÔNICOS. REDES SOCIAIS. APLICAÇÃO DE MULTA PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. ART. 57–B, §§ 1º E 5º, DA LEI Nº 9.504/1997. REGULARIZAÇÃO POSTERIOR AO REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPOSSIBILIDADE. FINALIDADE DA NORMA. CONTROLE PRÉVIO. EVENTUAIS IRREGULARIDADES. ÂMBITO VIRTUAL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. MULTA APLICADA NO VALOR MÍNIMO LEGAL. PRECEDENTES. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1. (…).

3. Com o acréscimo do § 1º ao art. 57–B da Lei das Eleicões por meio da Lei nº 13.488/2017, todos os endereços eletrônicos constantes dos incisos do referido dispositivo legal, desde que não pertençam a pessoas naturais (sítios eletrônicos de candidato e de partido, blogues, redes sociais, perfis de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas), devem ser, obrigatoriamente, comunicados à Justiça Eleitoral no requerimento de registro de candidatura ou no demonstrativo de regularidade de atos partidários.

4. Impossibilidade, no caso concreto, de regularização posterior ao requerimento de registro de candidatura, bem como de afastamento da reprimenda pecuniária com base em alegada ausência de prejuízo ao processo eleitoral, tendo em vista a finalidade da norma do § 1º do art. 57–B da Lei nº 9.504/1997, de propiciar maior eficácia no controle de eventuais irregularidades ocorridas no âmbito virtual.

5. O acórdão regional se encontra em conformidade com a jurisprudência dominante desta Corte Superior, no sentido de que não se aplicam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade com o fim de reduzir a multa para valor inferior ao patamar mínimo legal.

6. Negado provimento ao recurso especial.

(TSE; REspEl n. 0601004–57/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 11.6.2021) (Grifo nosso)

 

A narrativa de que a informação posterior não causou dano ao pleito ou de que a justiça não possui fiscalização automática é descabida. Por óbvio que há prejuízo ao pleito quando se impede ou dificulta a fiscalização da Justiça Eleitoral. Para além disso, no mínimo, se está promovendo a quebra de paridade de armas ao utilizar de divulgação de propaganda em endereços e perfis não declarados.

De outro giro, inviável o acolhimento da alegação de inexistência de má-fé, aliás, com relação a esta infração não se perquire boa ou má-fé do candidato ao descumprir a legislação.

Ademais, a aplicação da multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) não ofende o princípio da razoabilidade, ao contrário, privilegia sua aplicação uma vez que a multa poderia ser balizada entre os valores de “R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa”, encontrando-se imposta, portanto, no mínimo legal estipulado..

Nesse sentido, a jurisprudência do TSE é firme ao estabelecer que “não se aplica o princípio da proporcionalidade com o fim de reduzir a multa para valor inferior ao patamar mínimo legal” (AgR-AI 93.69, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 13/2/2020), bem como que “a multa fixada dentro dos limites legais não ofende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (AgRREspe 542-23, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 9/11/2015).

Igualmente, refuto o argumento de que a aplicação da multa “poderá, em eleições vindouras, afastar potenciais candidatos, principalmente aqueles de menor poder aquisitivo, que terão medo de vir a ser condenado ao pagamento de uma multa que poderá superar seus rendimentos durante meses”, eis que a multa somente será aplicada caso ocorra o descumprimento da norma legal, o que não se espera. No caso, a multa é consequência direta da omissão e postura do então candidato. Ademais, o recorrente foi eleito como parlamentar (atualmente é vereador da cidade de Caxias do Sul/RS), sendo despiciendo falar em concorrentes de menor poder aquisitivo, além da função pedagógica da sanção para quem postula e obtém representação popular.

Por fim, relativamente à manifestação contida na petição (ID 45136131) insinuando suspeição desse relator,  cumpre anotar que a apreciação dos julgadores desta Corte Eleitoral obedece aos preceitos de independência e imparcialidade judicial. É consagrado pela Carta Federal o princípio da imparcialidade do juiz que, a despeito de não estar previsto de forma expressa no texto original, traz em seus artigos garantias às partes e prerrogativas aos juízes, de modo a garantir sua neutralidade e o tratamento isonômico a ser dispensado aos interessados para que, ao final, seja alcançada justiça em sua mais plena acepção.

A independência do juiz para interpretar a lei está nos limites do ordenamento jurídico associado aos fatos e às provas de cada processo. Ademais, a legitimidade do juiz decorre de sua investidura no cargo, e as decisões devem refletir os valores embutidos na norma jurídica sob o influxo da compreensão de quem a profere.

É o caso sob análise, onde as decisões foram tomadas pelo convencimento e aplicação da lei a partir das provas produzidas nos autos. As discordâncias e insurgências devem ser objeto de recurso, o que se aprecia nesta apelação, onde o relator coloca-se entre as partes e acima delas, como condição para exercer sua função jurisdicional, confirmando a imparcialidade do magistrado como pressuposto de validade do processo. Se a parte entendeu sofrer algum prejuízo pessoal, deveria apresentar pedido de suspeição nos termos da legislação e não lançar insinuações e aleivosias soltas nos autos. Aliás, conforme registrado no início do voto, o recorrente teve caso similar (Rp. 0603497-13.2022.6.21.000) e com as mesmas partes, o qual foi apreciado pela colega e Juíza Auxiliar Elaine Maria Canto da Fonseca, tendo idêntico desfecho sancionatório, o que reforça a ausência de parcialidade, mas sim irregularidades eleitorais cometidas pelo candidato.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.