ED no(a) REl - 0600473-13.2020.6.21.0140 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/10/2022 às 14:00

VOTO

Os embargos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Quanto ao cabimento, os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC.

Adianto que não assiste razão aos embargantes, pois a matéria trazida em sede de aclaratórios já foi suficientemente enfrentada no acórdão.

Senão vejamos.

Os embargantes entendem que a decisão padece de omissão pertinente à prova testemunhal, o que evidencia a parcialidade do comandante da Brigada Militar da localidade.

Ocorre que a matéria ora trazida em sede de embargos já foi analisada por este juízo quando da prolação do acórdão:

(...)

Quanto à abordagem policial, sustentam os recorrentes a ilicitude do ato pois o então comandante da Brigada Militar local, NARCISO ANGELI, era não só apoiador da campanha adversária, como, no dia do pleito, às 22h53min, portanto após conhecer o resultado da eleição, enviou mensagem de comemoração e agradecimentos aos seus colegas de farda pelo livramento que o município de Redentora teve por não estar “nas mãos de pessoas que não têm respeito ao próximo e não agem com honestidade”.

Dizem que, na ocasião da abordagem policial, dos inúmeros veículos que estavam estacionados ou em circulação nas adjacências do local do fato, apenas dois foram abordados, um conduzido por MARSAL, acompanhado por seu pai, o então candidato CORDEIRO, e o outro conduzido por sua irmã, CAMILA CORDEIRO DE CARLI, filha de LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO. Afirmam que se tratou, na verdade, de flagrante preparado, prática ilícita e que visava contrabalancear os fatos até então existentes no Município de Redentora, qual seja, a apreensão de vultosa quantia em dinheiro e vales-combustível com o então prefeito e candidato à reeleição no dia anterior, após denúncias de compra de votos, tudo sendo comandado pelo chefe da Brigada Militar no município e apoiador da candidatura adversária dos recorrentes. Argumentam que a ação policial foi “premeditada”, à semelhança de flagrante preparado, tendo sido escolhidos para revista apenas os veículos de familiares de LUIZ CARLOS MACHADO, tudo com o fim de causar danos à sua campanha eleitoral.

Não houve ilicitude na apreensão.

O resultado da abordagem policial realizada pela Brigada Militar, ocorrida no sábado anterior ao pleito de 2020, dia 14/11, por volta das 19h, foi no seguinte sentido: “apreendido com o então candidato a Prefeito LUIZ CARLO CORDEIRO MACHADO a quantia de R$ 1.550,00 e com seu filho MARSAL CORDEIRO MACHADO 12 vales-combustível de 10 litros cada, 02 vales - gasolina de 5 litros cada, ambos do Posto do Chico de Miraguaí, 11 vales-cerveja do Posto Gemelli de Miraguaí, além de um aparelho celular (IPhone) e uma faca (boletim de ocorrência da s fls. 5-9 do PPE)”.

Primeiramente, conforme bem ponderado pelo juízo a quo, a mensagem do então comandante da Brigada Militar local, NARCISO ANGELI, não dá suporte à suspeita levantada pelo investigado contra os policiais militares, tampouco respalda a ilicitude alegada. A propósito, a mensagem sugere uma reverência aos colegas pelo intenso trabalho desenvolvido durante o pleito, sem qualquer menção a eventual posicionamento político partidário dos integrantes da Brigada Militar, e menos ainda à existência de ações direcionadas a favorecer ou prejudicar candidatos participantes do prélio.

A sentença, quanto ao ponto, assim se manifestou (ID 44884918):

[...]

Assevero que a afirmação de que os investigados tinham pleno conhecimento acerca do posicionamento político-partidário defendido pelo comandante da Brigada Militar de Redentora, o qual, mesmo afastado de suas atribuições, dava ordens aos demais servidores da segurança pública, não restou comprovada. Asseguro, inclusive, que todo cidadão é livre para escolher seus representantes, o que inclui os servidores públicos civis e militares, observada a postura que o cargo requer, inexistindo, até então, qualquer registro em sentido contrário ou impontualidade anotada em relação ao policial nominado pelos investigados. Aliás, conforme afirmado na peça contestatória, dito policial estava afastado de suas atribuições, não sendo crível cogitar a hipótese de que continuava a dar ordens aos colegas, seja porque não respaldada em nenhum fato concreto, seja porque a instituição militar segue rigorosos padrões de hierarquia, ordem, disciplina e escalas, de modo que, no caso de afastamento ou falta de um comandante, outro é investido na função, com todas as prerrogativas e responsabilidades que lhe são afetas, sem qualquer subordinação deste ou do efetivo ao titular afastado, ainda que temporariamente.

Cumpre referir, para melhor contextualização dos fatos ensejadores da atuação policial que “descontentou” os investigados e seus apoiadores, o depoimento da testemunha Dyeike Francieli de Bona (ID. 95202239). Dita testemunha, indicada pela defesa como Coordenadora da campanha de Luiz Carlos Cordeiro Machado, afirmou que, na data dos fatos, organizou um movimento de apoiadores da candidatura do investigado, no Posto de Combustível Gemelli, chamando o pessoal para tomar umas cervejas. Afirmou que tal movimento iniciara por volta das 14h30min, sendo que quando começou a escurecer, chegou o carro da polícia e foram feitas revistas pessoais em muitos dos presentes. Referiu que, em dado momento, o então candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado passou pelo local, momento em que se deu a abordagem e apreensão dos bens com os investigados.

Em que pese as afirmações feitas pela testemunha Dyeike no sentido de que não estava acontecendo “nada errado” no local, que, na época, vigiam normas sanitárias de distanciamento social, decorrentes da pandemia da covid-19, que restringiam movimentos ou eventos que pudessem acarretar aglomerações. Em tais circunstâncias, não vislumbro irregularidades na ação policial, tampouco há elementos para atribuir cunho eleitoreiro à abordagem, uma vez que, conforme referiu o investigante, na data imediatamente anterior ao fato, também fora abordado e revistado o então candidato Nilson Paulo Costa (fato notório), principal adversário político do investigado.

Pondero, a despeito da irresignação defensiva acerca da ausência de provocação pelo Ministério Público Eleitoral e de autorização judicial para a abordagem, realizada pela Brigada Militar, que resultou na apreensão de dinheiro, vales e outros objetos encontrados com os investigados, que a polícia militar, enquanto responsável pelo policiamento ostensivo, voltado à preservação da ordem, prevenção e repressão de crimes, está autorizada a realizar abordagens e revistas pessoais e em veículos, independentemente de requerimento pelo Ministério Público Eleitoral ou autorização judicial específica, sob pena de se esvaziar o poder de polícia conferido ao policial militar para o exercício de suas funções, sendo que eventuais excessos são suscetíveis de apuração em alçada própria, autônoma e independente do desfecho dado ao presente feito.

Com isso, resta afastada a hipótese de ilicitude suscitada pelos investigados em relação à abordagem e apreensão de valores, vales e do celular de Marsal Cordeiro Machado, porque decorreu de ação legítima e pertinente – em circunstâncias semelhantes às verificadas no dia anterior, que envolveu o candidato adversário, conforme alhures referido. Pondero, conforme afirmado pelas testemunhas que se encontravam no local da abordagem, que, na oportunidade, foram revistadas várias pessoas, sendo que com os investigados foram encontrados bens, que, na ocasião, indicavam possível prática de ilícitos eleitorais.

Nesse contexto, a extração de dados do aparelho telefônico apreendido era medida inarredável e necessária, haja vista a probabilidade de se encontrarem no aparelho provas capazes de contribuir para a elucidação dos fatos apurados. Acrescento que o celular deixou de ser um aparelho para simples comunicação de voz, permitindo o acesso a múltiplas funções como aplicativos de mensagens instantâneas, redes sociais, verificação de e-mails e informações de dados que ficam armazenadas no dispositivo móvel. Daí porque a medida foi precedida de autorização judicial (ID. 62761967, p. 21/32), não subsistindo máculas sobre a prova obtida, porquanto observados os preceitos legais afetos à proteção de inviolabilidades de ordem constitucional.

 

E o cenário daquele dia era o seguinte: a) véspera da eleição, 14.11.2020; b) evento de campanha com inúmeros presentes no Posto de Combustível Gemelli, organizado pelos apoiadores do candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado para “tomar umas cervejas”, em plena pandemia da Covid-19.

Por oportuno, transcrevo ementa de recente julgado desta Corte, no qual houve ampla discussão sobre a licitude de abordagem policial, prevalecendo a divergência do Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, em relação à matéria preliminar:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PARCIALMENTE PROCEDENTE. DESTAQUE. PRELIMINAR. NULIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. REJEITADA. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. MANTIDA A CONDENAÇÃO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, declarou a prática de captação ilícita de sufrágio, cassou o diploma de vereador do representado e declarou a nulidade de seus votos, mantendo-os íntegros para a legenda.

2. Rejeitada a preliminar de nulidade do conjunto probatório. Mérito. Restou incontroverso nos autos que, durante a abordagem feita pela Polícia Militar, foram encontrados no interior do veículo dinheiro em espécie, bloco de notas com anotações – escritas de próprio punho pelo candidato demandado – e santinhos. A planilha carreada ao feito demonstra de forma inequívoca que se cuida de registro físico de pagamento a eleitores em troca do voto. Inexiste nos autos explicação do motivo pelo qual tenham sido elaboradas as colunas pertinentes aos valores prometidos, antes e depois do pleito, constituindo prova cabal da conduta direta e pessoal de compra de votos pelo candidato recorrente. Multa aplicada adequada em relação às balizas estipuladas no art. 109 da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a prática envolveu extenso rol de eleitores, conspurcando a higidez de parcela do pleito proporcional, de modo que a sanção não se revela desproporcional.

3. Inexistência de ofensa ao princípio da anterioridade. A Resolução TSE n. 23.611/19, ao estabelecer, em seu art. 198, a anulação para todos os efeitos dos votos dados a candidato cujo registro venha a ser cassado após a eleição, em ação autônoma, prestigiou as regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, em detrimento do art. 175, §§ 3º e 4º, do mesmo Estatuto. Logo, o art. 198 da Resolução em testilha tem por fundamento dispositivos do próprio Código Eleitoral interpretados de forma sistemática pela Corte Superior, não se tratando de norma independente e autônoma. Tal entendimento já vinha sendo aplicado às eleições de 2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Dessa forma, declarados nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao candidato, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

4. Litigância de má-fé por “alteração da verdade dos fatos” não acolhida. No caso, houve típico exercício do direto de defesa e do contraditório, não havendo no comportamento dos recorrentes elementos indicativos do dolo processual de alteração da verdade dos fatos a justificarem a imposição de sancionamento.

5. Mantida a sentença na íntegra. Multa. Cassação do diploma de vereador. Desprovimento dos recursos. (grifo nosso)

(Rel 0600661-31.2020.6.21.0067, Relator Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado em 19.9.2022.) (Grifo nosso)

 

Assim, não há que se falar em omissão da decisão ao tratar do tema trazido, pois foi expressamente afastada a ilicitude suscitada.

Já a alegação de erro material diz respeito à afirmação no acórdão de que “(...) São diálogos com eleitores oriundos das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre (…)”, pois a expressão “com eleitores” estaria em contradição com os termos do acórdão e com a prova constante nos autos, visto que não houve conversas com eleitores e sim entre os interlocutores Marsal, Thiago e Airton.

Para melhor análise, transcrevo o trecho da decisão:

São diálogos com eleitores oriundos das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre, que precisariam de uma ajuda com o deslocamento, por meio de carona ou do custeio de passagens de ônibus de, pelo menos, um dos trechos (ida e/ou volta) para o Município de Redentora, na data do pleito de 2020.

 

De fato, para melhor elucidar a questão e para que não restem dúvidas, acolho no ponto os aclaratórios, por erro material, para que seja substituída a preposição com por sobre, passando a constar no acórdão a seguinte redação:

São diálogos sobre eleitores oriundos das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre, que precisariam de uma ajuda com o deslocamento, por meio de carona ou do custeio de passagens de ônibus de, pelo menos, um dos trechos (ida e/ou volta) para o Município de Redentora, na data do pleito de 2020.

 

O terceiro ponto refere-se à obscuridade quanto ao elemento de prova que a Corte se embasou para concluir que o transporte de eleitores teria ocorrido em troca de votos.

Pois bem.

As provas que fundamentaram a conclusão de ter havido transporte de eleitores em troca de votos foram colhidas de áudios e conversas de texto entabuladas por meio do aplicativo WhatsApp extraídos (com autorização judicial) do celular de Marsal Cordeiro Machado.

Colaciono trechos do voto que evidenciam não haver obscuridade na decisão, uma vez que essa questão foi exaustivamente enfrentada na decisão embargada:

(...)

Como muito bem apreendido pelo eminente Procurador Regional Eleitoral, os fatos restaram demonstrados pelas mensagens e áudios de WhatsApp, extraídos, com autorização judicial, do telefone celular de Marsal Cordeiro Machado, filho do então candidato a prefeito Luiz Carlos Cordeiro Machado.

Em relação ao primeiro fato (emprego de R$ 600,00 para o custeio do deslocamento de eleitores de outras cidades para Redentora), as conversas entre Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho (vulgo “Tchuko”), e entre o primeiro e AIRTON RIBEIRO (vulgo “Macaco”), então candidato a vereador (suplente), referentes ao transporte de eleitores de outras cidades para Redentora, próximo à data do pleito, constaram especificadas na petição inicial, ID 44884828, fls. 18 a 25 do arquivo digital.

O fornecimento de transporte pode ser verificado das mensagens de texto e de voz, em que os interlocutores negociam abertamente o deslocamento de eleitores que pretendiam votar no candidato a prefeito LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, pai do interlocutor Marsal Cordeiro Machado. São diálogos com eleitores oriundos das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre, que precisariam de uma ajuda com o deslocamento, por meio de carona ou do custeio de passagens de ônibus de, pelo menos, um dos trechos (ida e/ou volta) para o Município de Redentora, na data do pleito de 2020.

Os diálogos entre Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho (suposto apoiador ou cabo eleitoral de Luiz Carlos Cordeiro Machado) extraídos do celular de Marsal, a partir de auto de constatação e verificação lavrado pela Polícia Civil, demonstram o fato relatado.

(…) (grifo nosso)

 

No caso dos autos, acolho o suscitado erro material para que seja substituída a preposição “com” por “sobre”, conforme acima relatado.

 Porém, com relação às alegações de omissão e obscuridade, mostra-se evidente a ausência dos requisitos para a oposição dos embargos. O que pretendem os embargantes é rever a justiça da decisão, entendendo possuir argumentos suficientes para alterar o resultado do julgamento. Ocorre que os embargos de declaração não servem para rediscutir o mérito do julgado, sendo “incabível a inovação de teses recursais no âmbito dos embargos de declaração” (TSE-EDAgR-AI nº 69-63/RS – j. 08.5.2014 – Dje 09.6.2014.).

Dessarte, as omissões e contradições apontadas não estão presentes na decisão embargada, pois não expressa dissonância flagrante entre a vontade do julgador e a sua exteriorização.

Diante do exposto, VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração opostos por LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO e AIRTON RIBEIRO apenas para, considerando erro material, substituir no acórdão a preposição “com” pela preposição “sobre”, nos termos da fundamentação.