AgR no(a) AJDesCargEle - 0600256-31.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 24/10/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, DIRETÓRIO MUNICIPAL DE CANGUÇU, interpõe agravo de decisão da lavra do então titular da presente cadeira, o Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, nos seguintes termos:

O Partido Socialista Brasileiro – PSB DE CANGUÇU ajuíza ação de decretação da perda de cargo eletivo, com pedido de concessão de antecipação de tutela, em decorrência da desfiliação de AUGUSTO MOREIRA PINZ.

Aduz que o demandado logrou posição de primeira suplência do partido ao cargo de vereador da Câmara de Vereadores de Canguçu nas eleições do ano de 2020, tendo posteriormente se desfiliado do PSB em caráter irrevogável no ano seguinte, 2021. Relata que está em curso afastamento do vereador Oraci Teixeira de Souza, por motivos de saúde e pelo prazo de 15 (quinze) dias, e que em 04.7.2022 AUGUSTO, mesmo desfiliado do PSB, iniciou a substituição do titular afastado. Sustenta que, tendo se desfiliado por vontade própria, o requerido não se encontra acobertado por justa causa, e que com a posse como substituto surgiu o interesse processual e a legitimidade ativa do partido para ajuizar a presente demanda. Junta documentos e apresenta jurisprudência que entende se amoldar como paradigmática ao caso.

Requer, em resumo, (1) a concessão da antecipação de tutela para determinar o afastamento de AUGUSTO do cargo, oficiando-se à Câmara de Canguçu para que proceda à posse do suplente subsequentemente desimpedido, com (2) o final juízo de procedência e a decretação da extinção do mandato do demandando.

Vieram diretamente conclusos os autos, sem remessa à Procuradoria Regional Eleitoral, em razão do pedido de concessão de tutela antecipada.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, sublinho que as ações de (1) de perda de cargo eletivo e (2) de justificação de desfiliação partidária estão disciplinadas na Resolução TSE n. 22.610/07, e consubstanciam contendas “espelhadas”, modificando-se apenas o posicionamento das partes nos polos ativo e passivo, pois enquanto a ação de justificação é movida pelo candidato eleito que pretende evadir do partido com a manutenção do cargo, a demanda que veicula pedido de perda do cargo (como o ora analisado) é movida pela agremiação contra o eleito que desertou.

E a Resolução TSE n. 22.610/07 bem representa tal esquema processual, pois trata das situações no art. 1º, § 3º, e no art. 4º:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. (...) § 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

(...)

Art. 4º O mandatário que se desfiliou e o eventual partido em que esteja inscrito serão citados para responder no prazo de 5 (cinco) dias, contados do ato da citação.

 

Ou seja, a resolução estabelece a legitimidade passiva do mandatário, situação clara quando o mandato está a ser exercido pelo titular. Contudo, o mundo dos fatos tem exigido a análise de situações não precisamente regradas, como por exemplo a determinação do momento em que o suplente passar a ser considerado “mandatário” e, assim, deter legitimidade passiva, peculiaridade essa apresentada pelo caso em exame, no qual o demandado exerce o cargo em razão de afastamento do titular por 15 (quinze) dias, e em decorrência desta posse é que o partido ajuíza a ação para ser declarada a perda do cargo.

Com efeito, na Consulta n. 1.714/DF, de 24.09.09, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que a disciplina prevista pela Res. - TSE n. 22.610/07 se aplica aos casos em que o suplente, no exercício de mandato eletivo, mudar de partido sem justa causa:

CONSULTA. DEPUTADO FEDERAL. SUPLENTE NO EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO-TSE Nº 22.610/2007.

1. Aplica-se a disciplina prevista na Resolução-TSE nº 22.610/2007 aos casos em que suplente, no exercício de mandato eletivo, proporcional ou majoritário, mudar de partido sem justa causa.

2. A possibilidade de o suplente, no exercício de mandato eletivo, ao mudar de partido, vir a sofrer sanções diversas das previstas na Resolução-TSE nº 22.610/2007, às quais poderiam levar à sua inelegibilidade, depende da análise de cada caso concreto.

3. Consulta conhecida e respondida afirmativamente na primeira parte, e não conhecida na segunda parte. (Consulta n. 1714/DF, Relator Ministro FELIX FISCHER, Diário da Justiça Eletrônico de 16.10.2009, p. 26)

Ressalto que a classe processual da consulta possui natureza administrativa e é desprovida de caráter vinculante, e sublinho que no corpo da resposta do TSE há a referência do prazo mínimo de 120 (cento e vinte dias) para que incida a regra da infidelidade, acaso ele venha a se desfiliar do partido.

Em manifestações jurisdicionais, este Tribunal já aplicou tal posicionamento e reconheceu a falta de interesse processual do requerente, como no julgamento da PET n. 26-24.2011.6.21.0000, julgado em 28.06.2011, de relatoria do então Des. Eleitoral Artur dos Santos e Almeida:

Pedido de decretação de perda de cargo eletivo. Exercício de mandato de vereador, a título provisório, em virtude de licença-saúde do titular. Prévia desfiliação partidária do candidato ungido à vereança, classificado como segundo suplente nas eleições de 2008, sem quaisquer das justas causas previstas na Resolução TSE n. 22.610/07.

Necessidade de a substituição ser superior a 120 dias para incidência da regra da infidelidade partidária. Caracterizada a ausência de interesse processual diante da transitoriedade na assunção ao cargo, retomado pelo mandatário ao término da licença, mantendo assegurada a vaga conquistada pela agremiação demandante. Extinção do feito. (grifei)

O mesmo lapso temporal de 120 dias foi adotado no ano de 2014, desta feita para entender pela ilegitimidade passiva do requerido em caso que a substituição do suplente durou 10 (dez) dias, prazo pouco menor que do período sob exame:

Agravo regimental. Irresignação contra decisão monocrática que extinguiu, sem julgamento do mérito, ação de perda de mandato eletivo. Ilegitimidade passiva do requerido e ausência de interesse processual do requerente. Primeiro e segundo suplentes de vereador. Resolução TSE n. 22.610/07. Eleições 2012. Conhecimento do recurso diante do caráter terminativo da decisão proferida, em conformidade com o disposto no art. 118, § 1º, do Regimento Interno deste Tribunal. Somente pode figurar no polo passivo da ação quem é detentor de cargo eletivo. Decisão do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o exercício do mandato pelo suplente, no caso de licença do titular, deve ser superior a 120 dias para que incida a regra da infidelidade partidária. No caso dos autos, a assunção ao cargo, a título precário, deu-se por dez dias. A legitimidade ativa restringe-se aos partidos políticos e, subsidiariamente, a quem tenha interesse jurídico ou ao Ministério Público. Somente em caso de inércia da agremiação, no prazo de trinta dias da desfiliação, poderá outro interessado exercer a pretensão. A eventual mudança de sigla política daquele que não exerce mandato eletivo constitui matéria intrapartidária, estranha ao julgamento da Justiça Eleitoral. Provimento negado (TRE-RS – AgReg PET 28-86.2016.6.21.0000. Relatora: DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 29/04/2014). (Grifei.)

Mais recentemente, em 2019, restou consignado que este Tribunal admite que o suplente seja demandado caso tenha assumido o lugar do titular que se licenciou por prazo superior a 120 dias, e entendeu a situação como excepcional:

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA. RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/07. SEGUNDO SUPLENTE DE VEREADOR. LIMINAR INDEFERIDA. PRELIMINARES ACOLHIDAS. ILEGITIMIDADES ATIVA E PASSIVA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. O peticionante, suplente de vereador, alega que o requerido, o qual ocupa a posição de segundo suplente, desfiliou-se, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito no pleito municipal e ingressou em outra agremiação. Indeferido pedido de tutela antecipada. 2. Preliminares acolhidas. 2.1. Ilegitimidade passiva. O art. 4º da Resolução TSE n. 22.610/07 estabelece a legitimidade passiva para a ação de decretação da perda de cargo eletivo, em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, devendo figurar no polo passivo de ações da espécie aquele que detém cargo eletivo, possuindo a condição de mandatário. Nesse sentido, o TSE já assentou que a disciplina da Resolução TSE n. 22.610/07 não é aplicável aos suplentes que se desligam do partido pelo qual foram eleitos, pois estes não exercem mandato eletivo. Excepcionalmente, esta Corte admite que o suplente seja demandado, caso tenha assumido o lugar do titular que se licenciou por prazo superior a 120 dias. No caso dos autos, não está presente a condição de mandatário que conferiria legitimidade passiva ao requerido, uma vez que a assunção do mandato por poucos dias também é insuficiente para caracterizar a exceção mencionada. 2.2. Ilegitimidade ativa. O autor não comprovou ser o primeiro suplente do partido apto a assumir o mandato, devendo, portanto, ser reconhecida sua ilegitimidade para pleitear a perda do cargo eletivo por desfiliação partidária sem justa causa. 3. Extinção do feito sem resolução do mérito. (trE-RS - PET n. 0600360-28.2019.6.21.0000. Relator DES. ELEITORAL ROBERTO CARVALHO FRAGA. Julgamento em 12.11.2019). (Grifei.)

Na hipótese dos presentes autos, a própria petição inicial estampa a incontroversa ilegitimidade passiva, pois informa que o suplente foi empossado em substituição ao vereador Oraci em razão de licença cujo período é de 15 (quinze) dias, recém iniciados.

Ou seja, o caráter precário do exercício do cargo não permite o seguimento da demanda, e julgo não estar presente a condição de “mandatário” que conferiria legitimidade passiva ao requerido, uma vez que a assunção do mandato por poucos dias é insuficiente para caracterizar a exceção acima mencionada, de forma que não há pertinência subjetiva na lide.

Diante do exposto, diante da impossibilidade prevista no art. 317 do Código de Processo Civil, reconheço a ilegitimidade passiva de AUGUSTO MOREIRA PINZ e julgo extinto o feito sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, também do Código de Processo Civil.

 

Nesses termos, Colegas, muito mais do que corroborar as razões expostas por ocasião da fundamentação da decisão colegiada, tenho que o presente voto deve submeter ao crivo deste e. Plenário as razões de recurso.

Dito de outro modo, entendo que os motivos para a extinção do feito sem resolução de mérito ocorreram mediante o apontamento de condição objetiva, criada pela jurisprudência exatamente para retirar a precariedade da situação daqueles suplentes que tenham se evadido de agremiação partidária e eventualmente venham a ocupar, em regime de substituição, cargo de mandato eletivo. O prazo de 120 (cento e vinte) dias, contra o qual o recorrente se insurge, parece-me bastante razoável - tal interregno é, aproximadamente, o do curso da presente ação de perda de cargo por desfiliação, aliás bastante célere. No ponto, vale consignar que a presente demanda não veio a julgamento anteriormente em razão do aumento considerável de processos relativos ao período eleitoral, notadamente requerimentos de registro de candidatura e representações por propaganda eleitoral irregular. 

De toda sorte, não há nas razões recursais, repito, argumento capaz de mover minha convicção para outro caminho que não aquele já desenhado por ocasião da decisão monocrática. Mesmo o questionamento sobre a decadência para ajuizamento da ação. Transcrevo:

Chama atenção para o debate a seguinte indagação: Se o prazo para o suplente ser considerado mandatário como vereador é de 120 dias no mínimo, como o partido poderia então solicitar a decretação da infidelidade, já que o prazo decadencial para o partido requerer a decretação é de 30 dias, conforme dispõe a Resolução TSE 22.610/07.

Ocorre que o prazo decadencial de 30 (trinta) dias se inicia após a posse definitiva do suplente na cadeira do titular, conforme o seguinte precedente do Tribunal Superior Eleitoral deixa claro, aliás em julgamento de caso com origem neste TRE-RS:

DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. NÃO CARACTERIZADA A DECADÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE JUSTA CAUSA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. AGRAVO PREJUDICADO.  1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral.  2. Hipótese em que o TRE/RS julgou procedente o pedido formulado em ação de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa, proposta contra vereador eleito no município de Porto Alegre/RS, nas eleições de 2016.  3. O Tribunal Regional, ao analisar as provas produzidas nos autos, entendeu pela procedência do pedido de perda de mandato eletivo por ausência de justa causa para desfiliação partidária. Isso porque o agravante não teria comprovado: (i) a decadência do direito de ação do partido de reivindicar o mandato eletivo; (ii) a existência de justa causa para desfiliação por desvio do programa partidário, discriminação pessoal, ou mesmo divergência de opiniões e posicionamentos entre ele e a sua antiga agremiação partidária; e (iii) a autorização do partido para desfiliação partidária.  4. O acórdão regional está em consonância com a jurisprudência do TSE no sentido de que "conta–se da data da posse do suplente no cargo eletivo o prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação por infidelidade partidária" (RO nº 2.275/RJ, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. em 25.05.2010).  5. Ademais, o exercício do mandato de vereador em substituição ao titular por período de um a dois dias não é apto a inaugurar a contagem do prazo decadencial de propositura da ação de perda de mandato eletivo, uma vez que, sem a assunção definitiva do cargo, inexiste interesse jurídico da agremiação em requerê–lo judicialmente.  6. Tendo em vista que a decisão recorrida está em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal Superior, não se conhece do recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial (Súmula nº 30/TSE).  7. O TRE/RS considerou inócuo, para fins de comprovação do assentimento partidário com a desfiliação, documento assinado pelo vice–presidente do partido, tendo em conta a inexistência de elementos para caracterizá-lo como ato partidário. Para chegar às conclusões pretendidas pelos agravantes, no sentido de que o documento, por si só, é apto a comprovar a justa causa para a desfiliação, seria necessário o revolvimento do acervo fático–probatório dos autos. Referido procedimento é vedado nesta instância especial, nos termos da Súmula nº 24/TSE, segundo a qual "não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático–probatório". 8. Contudo, no caso em análise, verifico que a questão de fundo perdeu objeto, tendo em conta o término do mandato de vereador do agravante, eleito no pleito de 2016.  9. Agravo interno julgado prejudicado. (AI - Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 0600106-55.2019.6.21.0000 - PORTO ALEGRE - RS, Acórdão de 06/05/2021, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 105, Data: 10/06/2021.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO  para negar provimento ao recurso.