REC no(a) Rp - 0603522-26.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/10/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente. Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, está a merecer conhecimento.

Principio a análise da irresignação pelas prefaciais apontadas pelo recorrente.

 

1. Preliminar de inépcia da inicial, por ausência de conclusão lógica.

Descabe acolher a alegação de ausência de conclusão lógica, pois a inicial aponta causa de pedir remota – publicação com conteúdo eleitoral impulsionado – e requer a aplicação da multa prevista para o caso de veiculação de propaganda negativa impulsionada, com base na causa de pedir próxima, a legislação de regência.

E ainda que impropriamente o representado tenha referido “direito de resposta”, pela leitura da peça inicial, resta clara a propositura da representação, na qual o requerimento recai sobre a pretensão acima apontada, até mesmo porque há a ressalva, no corpo da inicial, “que aqui não se examinam os requisitos para o direito de resposta, mas a simples ocorrência de propaganda eleitoral negativa”.

 

2. Preliminar de inépcia da inicial, por ausência do vídeo impugnado.

A segunda prefacial apontada refere-se à ausência de requisito obrigatório – juntada de arquivo objeto da propaganda impugnada, conforme o art. 17, inc. III, da Resolução TSE n. 23.608/19, ao argumento de que “a postagem compreende a um vídeo e a uma legenda. Assim, o conteúdo da propaganda impugnada não se resume apenas à legenda da postagem, já que o vídeo é o objeto principal da propaganda, sem que se possa dissociar a legenda do vídeo que a acompanha antes de se fazer qualquer análise do conteúdo”.

Igualmente, sem razão o representado.

Saliento que o comando invocado, o qual regula manifestação em ambiente de internet, dispõe que a inicial deve ser instruída “com a identificação do endereço da postagem, no âmbito e nos limites técnicos de cada serviço (URL ou, caso inexistente esta, URI ou URN) e a prova de que a pessoa indicada para figurar como representada ou representado é a sua autora ou o seu autor, sem prejuízo da juntada, aos autos, de arquivo contendo o áudio, a imagem e/ou o vídeo da propaganda impugnada.”.

E o representante incluiu na inicial o endereço eletrônico, “https://www.facebook.com/douglassandri/videos/5290233117738580 /”, bem como as imagens da postagem marcada como “Patrocinado. Propaganda Eleitoral. ELEIÇÃO 2022 DOUGLAS SANDRI”, além de outras duas capturas de tela do Facebook com o texto integral, igual ao da postagem patrocinada.

Assim, ainda que ausente o vídeo, estando presente a imagem da postagem com o texto, objeto da impugnação, entendo, no caso, atendido o requisito da Resolução.

Portanto, afasto as preliminares.

 

3. Mérito

No relativo à questão de fundo da causa, EMANUEL HASSEN DE JESUS fundamenta sua pretensão, com base na vedação de impulsionamento (patrocínio) de conteúdo de propaganda negativa, nos termos do art. 57, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e art. 29, §§ 1º, 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19:

 

Lei n. 9.504/97

Art. 57, §3º: O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.

 

Resolução TSE n. 23.610/2019:

Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput).(Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet em sítios (Lei nº 9.504/1997, art. 57- C, § 1º, I e II):

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

II - oficiais ou hospedados por órgãos ou por entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa.

§ 3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa.

 

Com efeito, é expressamente vedada a veiculação de propaganda eleitoral paga na internet, sendo ressalvado o impulsionamento de conteúdo, o qual deve se destinar apenas a promover ou beneficiar candidaturas ou suas agremiações, estando afastada a permissão para realização de propaganda negativa.

No caso dos autos, é incontroverso que o representado DOUGLAS SANDRI promoveu o impulsionamento de vídeo em seu perfil no Facebook, na URL “https://www.facebook.com/douglassandri/videos/5290233117738580 /”.

Resta a análise do conteúdo da postagem impugnada:

“MANECO, QUEM NÃO TE CONHECE QUE TE COMPRE! Taquari e o Vale te conhecem. Sabem que as tuas convicções mudam conforme o vento. Na pandemia lutou por menos autonomia para os prefeitos decidirem. Defendeu o fecha tudo e foi contra a volta às aulas, prejudicando milhares de crianças, especialmente as mais pobres. Antes disso, durante os governos petistas, calou para a criação da EGR, esse monstrengo estatal que nada serve. Silenciou sobre o atraso nos repasses estaduais aos hospitais e prefeituras da região, iniciado no fim do governo do companheiro Tarso Genro. O Vale do Taquari, que trabalha e produz, não quer ser representado pela esquerda. Ainda mais a esquerda que muda o discurso conforme a conveniência. Precisamos de representantes com coerência, que defendem menos Estado, menos impostos e mais liberdade para quem produz.” (ID 45135974)

 

Não vislumbro razões para alterar o convencimento que firmei em relação à matéria, no sentido de que a postagem configura propaganda impulsionada com conteúdo negativo, conforme reproduzo:

Conforme depreende-se dos autos, o impulsionamento de propaganda negativa (aquela de cunho crítico) é proibido. Dito de outro modo, a legislação somente admite o impulsionamento de conteúdos propositivos, “com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações”.

E da simples leitura da postagem, constata-se claramente o impulsionamento com conteúdo negativo, pois a propaganda foi inequivocamente paga, e mais da metade do texto questiona e recrimina a atuação e as posições políticas do representante.

Deixo claro: a crítica no debate eleitoral não é proibida; ao contrário, é intrínseca ao processo de escolha dos que se oferecem a desempenhar cargos eletivos. A vedação é tópica, no que diz respeito ao pagamento, na internet, para propagar crítica a adversários, no pleito eleitoral.

Nos dizeres do doutrinador Edson Resende de Castro: “esse impulso só poderá repercutir anúncios, postagens, comentários, etc, para ‘promover ou beneficiar candidatos ou partidos’ e coligações, nunca para difundir críticas ou conteúdos que prejudiquem a imagem ou o desempenho eleitoral de adversários” (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018. p. 336) e, na mesma senda, Flávio Cheim Jorge destaca que a legislação eleitoral “impede a utilização de impulsionamento para a realização de propaganda negativa, isto é, de ataque ou críticas a adversários”, concluindo que “o impulsionamento, é, assim, exceção que reafirma a regra do sistema, qual seja, a proibição de propaganda paga na internet” (Curso de Direito Eleitoral. 3. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, p. 384-385).

E o mesmo posicionamento nota-se na jurisprudência, pois o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral é permitido, apenas para a finalidade de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo de rigor a aplicação de multa, se a propaganda tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO SEM INDICAÇÃO DO CPF/CNPJ. ARTS. 57-C DA LEI 9.504/1997 E 29, § 5º, DA RES.-TSE 23.610/2019. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA. MENSAGEM DIVULGADA COM TEOR NEGATIVO EM RELAÇÃO A CANDIDATOS ADVERSÁRIOS. DESCONFORMIDADE COM O ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997. ILÍCITO CONFIGURADO. MULTA. VALOR. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Recorrente que realizou impulsionamento de 3 (três) postagens na rede social facebook, entendendo a Corte Regional configurada propaganda eleitoral irregular, com a consequente imposição de multa, em razão i) da ausência de indicação, de forma clara, do CNPJ do contratante e ii) do conteúdo negativo das publicações em relação a outros candidatos. (...) 3. As exigências previstas na Resolução editada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL no exercício de sua competência regulamentar não representam inovação na ordem jurídica nem violam o princípio da legalidade, tendo em vista que a imposição de multa pelo descumprimento do art. 29, § 5º, da Res.-TSE 23.610/2019 decorre do próprio art. 57-C, § 2º, da Lei 9.504/97. Precedentes. 4. O contexto fático delimitado nos pronunciamentos das instâncias ordinárias demonstra que as postagens impulsionadas veiculam conteúdo negativo em relação a outros candidatos. A jurisprudência do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL firmou-se no sentido de que "o art. 57-C, § 3º, da Lei das Eleições permite o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral apenas para a finalidade de “promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações’” (Rp. 0601861-36, Rel. Min. EDSON FACHIN, DJe de 7/10/2021). 5. Conduta praticada pelo Recorrente que não se insere na autorização legal para a realização do impulsionamento e, dessa forma, caracteriza propaganda eleitoral irregular, ensejando a aplicação de multa, nos termos do § 2º do art. 57-C da Lei 9.504/1997. 6. O valor da multa foi estabelecido de forma fundamentada, a partir das circunstâncias concretas do caso, revelando-se inviável sua redução. 7. Recurso Especial desprovido. (AREspE n. 0600161-80.2020.6.06.0002/CE n. 060016180, Acórdão, Relator Min. Carlos Horbach, Relator designado Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 145, Data 02.8.2022.) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. REDE SOCIAL. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO NEGATIVO. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 57–C, § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. MULTA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA Nº 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 57–C, § 3º, da Lei nº 9.504/97, é vedado o impulsionamento de conteúdo negativo na internet. Precedentes. 2. A Corte de origem assentou que críticas e comentários negativos foram feitos acerca da administração pública municipal à época, notadamente à gestão do então prefeito e candidato a reeleição. 3. De acordo com a jurisprudência do TSE, “é de rigor a multa prevista no § 2º do art. 57–C da Lei nº 9.504/97 se a propaganda eleitoral por meio de impulsionamento de conteúdo na internet tiver o objetivo de criticar candidatos a cargo eletivo” (AgR–AI nº 0608882–40/SP, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 18.6.2019). 4. As limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido. (AgR-AREspE n. 0600384-93.2020.6.16.0183/PR, Acórdão, Relator Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 85, Data 11.5.2022). Portanto, impõe-se o reconhecimento da propaganda negativa da publicidade eleitoral impulsionada na plataforma Facebook

https://www.facebook.com/douglassandri/videos/5290233117738580/

com a consequente imposição da multa prevista no art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/95.

Considerando as circunstâncias do caso concreto, as quais denotam a ocorrência de apenas um ato de patrocínio, com alcance de público de 5.100 usuários, julgo proporcional e razoável que o quantum da multa seja estabelecido no patamar mínimo legal, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Diante do exposto, afasto as preliminares e, no mérito, JULGO procedente a representação, para condenar DOUGLAS SANDRI ao pagamento de multa, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 29, § 2º, da Resolução TSE n. 23.610/2019.

 

Nas razões de recurso, a título de reforço argumentativo, sustenta o recorrente que “não houve qualquer ofensa que pudesse ser interpretada como propaganda negativa”.

Observo, contudo: ainda que o conteúdo divulgado possa ser verdadeiro e despido de ofensa pessoal a DOUGLAS SANDRI, é nítido o caráter de crítica política e o conteúdo de propaganda negativa.

Transcrevo, exemplificativamente, as seguintes afirmações:

"Sabem que as tuas convicções mudam conforme o vento”, “Defendeu o fecha tudo e foi contra a volta às aulas, prejudicando milhares de crianças, especialmente as mais pobres” e “calou para a criação da EGR, esse monstrengo estatal que nada serve."

 

Conforme dito na decisão hostilizada, a crítica no debate eleitoral não é proibida; ao contrário, é intrínseca ao processo de escolha dos que se oferecem a desempenhar cargos eletivos. A vedação é tópica, no que diz respeito ao pagamento, na internet, para propagar crítica aos adversários, no pleito eleitoral, de forma que é defeso o impulsionamento na internet de mensagem com conteúdo crítico a concorrentes.

Na mesma linha, recente decisão deste Tribunal, processo 0601034-98.2022.6.21.0000, de relatoria do Desembargador Luiz Mello Guimarães, julgado em 5.9.2022:

 

RECURSOS. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PARCIALMENTE PROCEDENTE. IMPULSIONAMENTO. REDES SOCIAIS. FACEBOOK E INSTAGRAM. AFASTADA A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA. IMPULSIONAMENTO DE CONTEÚDO NÃO PERMITIDO. MULTA ESTABELECIDA EM PATAMAR ADEQUADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA FEDERAÇÃO DEMANDADA. NEGADO PROVIMENTO.

1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente representação por divulgação de propaganda eleitoral negativa mediante impulsionamento, nas redes sociais Facebook e Instagram, em desobediência ao disposto no art. 3º-A, da Resolução TSE n. 23.610/19, incluído pela Resolução TSE n. 23.671/21. Aplicada a sanção de multa.

2. Afastada a preliminar de ilegitimidade ativa. Matéria expressamente tratada no art. 4º, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.609/19, dispositivos alterados recentemente pela Resolução TSE n. 23.675/21. Omissão na argumentação recursal sobre a recente novidade regulamentar, deixando inclusive de exercer a necessária dialética recursal com a fundamentação da decisão que pretendem reformar.

3. Prática de impulsionamento de conteúdo diverso do autorizado pela legislação de regência, nas redes sociais Facebook e Instagram. Aos candidatos somente é permitido o impulsionamento de conteúdo que tenha como finalidade promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, conforme disposto no art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97. Na hipótese, trata-se de veiculação de crítica ácida, emanada de um candidato a outro, circunstância que afasta o conteúdo das hipóteses permissivas de impulsionamento.

4. Adequado o valor da multa fixado sobre duas propagações ilícitas. Ademais, a redução considerou a conduta do representado, de pronta retirada das publicações, bem como o impacto causado pela publicidade e pelo tempo de veiculação. Responsabilidade solidária da federação demandada de acordo com a redação expressa do art. 241 do Código Eleitoral, combinado com o art. 11-A da Lei n. 9.096/97.

5. Provimento negado a ambos os recursos.

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.