REl - 0600458-21.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/10/2022 às 14:00

VOTO

Preliminarmente, conheço da documentação apresentada com o recurso, seguindo a orientação firmada nesta Corte:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. IRREGULARIDADE SANADA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Afastada a nulidade da sentença. Ausente qualquer prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade.

2. Constatado, pelo órgão técnico, o recebimento de recursos de origem não identificada. Documentos juntados pelo prestador em sede recursal, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral. Irregularidade sanada. 3. Provimento do recurso para aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 2593 SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 03/12/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 231, Data: 11/12/2019, Página 2-4) (Grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data: 29/04/2019, Página 7) (Grifo nosso)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

[…]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 4589 ALVORADA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21/03/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data: 22/03/2019, Página 4) (Grifo nosso)

 

Assim, não procede a preliminar suscitada pelos recorridos Nilton Debastiani e Reinaldo Antonio Nicola sobre a nulidade da prova juntada em sede recursal, visto que, conforme jurisprudência deste egrégio Tribunal Regional Eleitoral, é possível a juntada de novos documentos com o recurso, nos termos do disposto nos arts. 266 do Código Eleitoral e 435 do Código de Processo Civil.

Ademais, o teor foi submetido ao contraditório quando do oferecimento das contrarrazões ao recurso eleitoral, bem como o exame da documentação apresentada independe de análise técnica. Portanto, foi oportunizado o contraditório aos investigados, merecendo ser ressaltado que, segundo o TSE, “o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar-se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais” (RESPE n. 45867, Rel. Min Luiz Fux, DJE 30/08/2016).

Nesses termos, não verifico nulidade ou violação às normas invocadas, razão pela qual afasto a preliminar.

No mérito, o presente recurso decorre de Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600458-21.2020.6.21.008, a qual imputa envolvimento do crime organizado (facção criminosa “os Manos”) em prol do partido PDT de Sarandi, representado por Nilton Debastiani e Reinaldo Nicola, integrantes da chapa majoritária, a fim de auferir vantagem mediante coação e constrangimento de eleitores. O envolvimento com o crime organizado teria se dado pela atuação de Gilberto e Guilhermo, os quais fazem parte da facção criminosa.

A sentença concluiu que os elementos de provas colhidos durante a instrução processual não são firmes a demonstrar que os recorridos Gilberto Ribeiro Bueno, Nilton Debastiani, Reinaldo Antonio Nicola e Guilhermo Beck da Silva tenham atemorizando a população do Município de Sarandi/RS, inclusive com a prática de atos que configuram captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva prevista no 41-A, § 2°, da Lei n. 9.504/97.

Transcrevo o dispositivo considerado violado:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Colaciono a percuciente análise realizada pela magistrada a quo, que bem demonstra a escassez probatória em relação a todos os fatos que envolvem a demanda (ID 44883565):

(...)

Esta é, então, a prova oral carreada aos autos. E, da análise dos depoimentos colhidos em juízo, em conjunto com as transcrições das conversas ocorridas entre Gilberto e Guilhermo, entretidas por meio do celular de Gilberto, é seguro concluir pela ausência de elementos suficientes e convincentes de que a facção Os Manos, por si, ou por seus integrantes, na qualidade de faccionados, tivessem atuado na campanha eleitoral com base no poder investido pelo crime organizado. O que se viu na verdade foi a atuação de pessoas, de forma individual e voluntária, na campanha eleitoral, ainda que alguns dos cabos eleitorais possam ter vínculo com o crime organizado, sejam eles faccionados ou não.

E, como já referido pelo Ministério Público nas alegações finais, “não se poder afirmar, cabalmente, acerca do conhecimento dos atos ilícitos pelos demandados Reinaldo Nicola e Nilton Debastiani, apesar de haver algumas contundentes menções ao primeiro em conversas travadas por pessoas ligadas à facção, justificada em sinuosa versão por uma das testemunhas”.

Ademais, quanto à tese de abuso de poder econômico, em razão da distribuição de “vales”, restou esclarecido nos autos, em especial pelo depoimento do proprietário do Mercado Romio, Sr. Ben Hur Romio, que ele próprio fez a troca do valor de um mil reais, a pedido de Guilhermo, por 20 vales de R$ 50,00, cujo valor seria usado para compras no mercado, as quais eram destinadas para alimentação do pessoal que trabalhava na campanha, sendo que 5 ou 6 vales apenas foram resgatados.

Insta ressaltar que a utilização dos vales era para a alimentação dos próprios cabos eleitorais. Ademais, o valor total não chega a um salário mínimo, de modo que é custoso acreditar que tal montante pudesse interferir no pleito a ponto de gerar benefício eleitoral aos candidatos.

Portanto, a acusação por abuso de poder econômico, carece de prova inequívoca do benefício desproporcional em favor das candidaturas lançadas no pleito majoritário, com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a normalidade da disputa eleitoral, o que não se constata no caso em tela.

Por fim, quanto aos documentos juntados após oficio à Brigada Militar e Ministério Público de Palmeira das Missões, como já referido pelo Ministério Público, nas alegações finais, não guardam nenhuma relação com o objeto dos autos e as alegações ali constantes em nada influenciam no deslinde deste feito, razão pela qual os desconsidero.

Ao cabo, resta dizer que, embora tenha o Ministério Público suscitado a vinculação de Gilberto e Guilhermo com a facção dos Manos, cujo fato é objeto de processo-crime em andamento na Comarca de Sarandi, mister salientar que não há nos autos prova séria e robusta de que tal facção estivesse vinculada e prestando apoio à campanha dos candidados Debastiani e Nicola, muito menos que por meio desta facção houvesse sido injetado “valores pecuniários”, e por consequência, abuso de poder econômico, para influenciar no pleito eleitoral. Ou seja, o fato de eventuais cabos eleitorais estarem vinculados a facção criminosa, a meu sentir, não significa dizer que a própria facção pudesse estar prestando apoio ou influindo na eleição por qualquer meio, muito menos com ajuda financeira. Efetivamente, não há nos autos nenhuma prova a amparar conclusão diversa.

(...)


 

Percebe-se nos autos que houve o “apoio”, seja voluntário ou pago, de dois indivíduos, Gilberto e Guilhermo, à candidatura de Nicola (candidato pelo partido PDT). Entretanto, o fato de esses militantes do partido PDT serem possivelmente vinculados ao tráfico de drogas ou não possuírem um passado ilibado não conduz à conclusão de que a própria facção criminosa tenha agido em prol da aludida candidatura ou do partido PDT, por meio de quaisquer atos que possam influir no resultado das eleições.

Não há prova robusta nos autos de que tal facção estivesse vinculada e prestando apoio à campanha dos candidatos Debastiani e Nicola, muito menos que por meio da referida facção houvesse sido injetado “valores pecuniários” e, por consequência, restasse configurado abuso de poder econômico.

Não desconheço a existência de uma fotografia na qual se vê droga destinada à comercialização disposta sobre a bandeira do PDT, contudo, a partir dessa foto, não se pode concluir que o partido tenha auferido benefícios dos resultados do negócio.

Quanto à tese de abuso de poder econômico, em razão da distribuição de “vales”, restou esclarecido nos autos que a utilização era destinada à alimentação dos cabos eleitorais. O depoimento do proprietário do Mercado Romio, sr. Ben Hur Romio, dá conta de que, a pedido de Guilhermo, fez a troca do valor de um mil reais por 20 vales de R$ 50,00, os quais seriam destinados a compras para alimentação do pessoal que trabalhava na campanha.

Ademais, como mencionado pela douta magistrada, “(…) o valor total não chega a um salário mínimo, de modo que é custoso acreditar que tal montante pudesse interferir no pleito a ponto de gerar benefício eleitoral aos candidatos”.

Frise-se que, para configuração do ilícito eleitoral, necessário se faz estabelecer uma conexão segura entre os atos dos investigados e o ilícito eleitoral imputado no art. 22, inc. XIV, da Lei Complementar n. 64/90, ou seja, interferência do poder econômico ou desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação.

Ocorre que não há nos autos prova inequívoca e suficiente de participação da organização criminosa por meio de valores pecuniários ou com mensuração econômica para a campanha eleitoral dos candidatos majoritários do Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Sarandi/RS, com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a normalidade da disputa eleitoral.

Além disso, considerando os documentos juntados e os diversos depoimentos colhidos em audiência, bem como transcrições dos diálogos constantes no celular apreendido, i.e., o caderno probatório trazido aos autos, não foi possível se comprovar de forma robusta e inconteste a prática de atos de abuso de poder econômico aptos a comprometer a normalidade e legitimidade das eleições 2020 em Sarandi.

Dessarte, deve ser mantida integralmente a sentença de improcedência da ação.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.