REl - 0600325-87.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 18/10/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, registro que com o recurso foi requerido o parcelamento da quantia de R$ 2.000,00, determinada para recolhimento pelo juízo a quo em 15 parcelas de R$ 133,33.

Conforme já decidido por esta Corte, nos autos do REl n. 0600336-19.2020.6.21.0047, de relatoria do Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, o pedido deve ser efetuado após o julgamento do presente processo, em pleito de parcelamento cuja competência para análise é do Exmo. Des. Presidente deste Tribunal Regional Eleitoral.

Desse modo, não conheço do requerimento.

No mérito, observa-se nas razões da sentença proferida que foi constatada uma irregularidade nas contas da recorrente, relativa à doação no valor de R$ 2.000,00 a candidatos, quantia oriunda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e destinada, originariamente, à candidatura feminina, sem prova de que o numerário tenha sido empregado com benefício à recorrente (ID 44983905), conforme segue:

(…)

Pois bem, compulsando os autos, verifica-se irregularidade gravíssima, a macular as contas ora apresentadas pela candidata.

Em exame das contas, foi constatado doação de verbas oriundas do FEFC, destinadas originariamente à candidata em questão e que foram por ela doadas aos candidatos José Airton de França Junior e Jairo Afonso Silveira Ferreira, pertencentes ao mesmo partido da prestadora, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada.

(...)

Constatado o repasse de verba do FEFC pela candidata, procedeu-se a sua intimação a fim de que fosse oportunizada a comprovação de benefício próprio na doação dos valores.

Em defesa, a prestadora invocou a ressalva constante no § 7º, a qual acredita-se que seja a "outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero", indicando que, e aí transcrevo:

"(...) os valores poderiam ser repassados desde que houvesse benefício as campanhas femininas. Acontece que, este benefício de fato ocorreu, tendo em vista que, no momento em que a senhora Arlete transferiu os valores, ela estava apoiando o seu companheiro de partido almejando que este atingisse um público alvo e assim, aumentasse seu número de eleitores, e ambos possuíssem condições de ser elegerem no pleito eleitoral de 2020. Nessa perspectiva, Arlete, José Airton e Jairo Afonso, estão amparados pelo §7º do artigo 17, tendo em vista que, os requisitos elencados em lei foram cumpridos em sua integralidade. Dessa forma, é imprescindível dizer, que é injustiça determinar que o requerente devolva tais valores para o Tesouro Nacional, pois, ele em todo mundo esteve baseado no que a lei determinava.."

Como sabido, a finalidade insculpida no art. 17 e §§ é garantir maior participação e chances reais na eleição de candidaturas femininas, o que transpassa, inevitavelmente, em recebimento de recursos a fim de financiar a campanha eleitoral de candidatos do gênero feminino.

É de se dizer que, além da reserva de gênero quando dos registros de candidatura, nos termos do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº5.617/2018, de relatoria do Exmo. Ministro Edson Fachin e da Consulta Pública TSE nº 0600252- 18.2018, de relatoria da Exma. Ministra Rosa Maria Pires Weber, há a determinação de reserva de percentual de recursos públicos (FP e FEFC) a serem destinados à candidaturas femininas, pois é certo que garantir a igualdade entre homens e mulheres no cenário político e maior participação feminina nos espaços em que são, de fato, criadas as políticas públicas que visem à diminuição das diversas desigualdades existentes em nosso país, implica em empoderar as mulheres para que seja permitido o alcance da igualdade de resultados.

Devo dizer, contudo, que não há ilicitude na transferência dos valores entre os candidatos, vez que a candidata está autorizada a realizar doações dos recursos recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidatos do gênero masculino, desde que sejam utilizados para as despesas comuns e seja resguardado o objetivo da norma de incentivo à campanha feminina.

O que ocorre nos autos, contudo, é nítido desvio de finalidade, concretizado na transferência de valor a fim de custear, sem qualquer vantagem ou contrapartida à doadora, campanha eleitoral dos candidatos José Airton e Jairo Afonso, quando, em verdade, tais valores deveriam ser geridos exclusivamente pela candidata doadora, buscando alavancar sua própria candidatura.

Não há a alegada ambiguidade na norma, conforme alegado pela prestadora. Em qualquer hipótese de transferência ou doação de valores destinados à campanhas femininas, deve haver benefício à candidata em questão. Garantir que seu adversário angarie mais votos não beneficia ninguém, a não ser o beneficiário da doação.

 

Nas razões recursais, a candidata alega que as quantias doadas foram empregadas em benefício comum, dela própria e dos candidatos recebedores da doação, na forma autorizada pelo art. 17, § 7º, da Resolução TSE n. 23.607/19, pois a recorrente, com a doação, estava apoiando seus correligionários, na condição de participantes da mesma grei, para que atingisse um público-alvo e, com isso, aumentasse o seu número de eleitores, com o intuito de que ambos tivessem condições de se elegerem no pleito de 2020.

Porém, não há nos autos prova alguma de que a candidata tenha obtido proveito pessoal para a campanha feminina com a doação, mostrando-se a irregularidade bastante desabonatória, uma vez que houve malferimento à política de cotas destinada às candidaturas femininas.

O apoiamento de candidato sem prova de benefício para a candidata não autoriza a doação e o uso de recursos do FEFC, conforme o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na linha dos seguintes julgados:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. NÃO CONHECIDA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA DE FORMA EXTEMPORÂNEA. MÉRITO. IRREGULARIDADES NA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DESTINADOS A CANDIDATURAS FEMININAS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). PERCENTUAL EXPRESSIVO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Não conhecidos os documentos apresentados intempestivamente. O candidato já teve conhecimento e oportunidade para sanar ou esclarecer a irregularidade apontada, e não o fez de forma tempestiva, restando precluso o prazo para o cumprimento das diligências tendentes à complementação dos dados ou para saneamento das falhas, na forma determinada pelo § 1º do art. 72 da Resolução TSE n. 23.553/17.


2. Irregularidade atinente à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) destinados às campanhas femininas, repassados por candidata ao cargo de senadora. A ausência de documentos comprobatórios da aplicação de valores do FEFC recebidos para o incentivo das campanhas femininas, implica em ofensa ao art. 19, §§ 5º e 7º, da Resolução TSE n. 23.553/17.


3. Não há ilicitude na transferência dos valores entre os candidatos, vez que a candidata está autorizada a realizar doações dos recursos recebidos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidatos do gênero masculino, desde que sejam utilizados para as despesas comuns e seja resguardado o objetivo da norma de incentivo à campanha feminina. Circunstância não comprovada na hipótese, uma vez que o candidato deixou de apresentar cópias de notas fiscais e impressos publicitários capazes de atestar que os valores foram empregados para aquisição de material comum de campanha e assim afastar a irregularidade. Falha que enseja o dever de recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, conforme dispõe o art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17.


4. Desaprovação.


(TRE-RS, PC n. 0602683-40.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral André Luiz Planella Villarinho, julgado em 18.12.2020.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESAS ELEITORAIS. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) DESTINADOS ÀS CAMPANHAS FEMININAS. DÍVIDAS DE CAMPANHA NÃO ASSUMIDAS PELA AGREMIAÇÃO. IRREGULARIDADES GRAVES. VALOR SIGNIFICATIVO. AFASTADA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DESAPROVAÇÃO.

1. Apurada falta de correspondência entre os registros contábeis declarados pelo prestador de contas e os resultados encontrados nos procedimentos técnicos de exame, representando falha grave que malfere a transparência que deve revestir o balanço contábil. No caso, o valor da receita correspondente ao gasto omitido é considerado como recurso de origem não identificada, ensejando o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 34, da Resolução TSE n. 23.553/17.


2. Constatado que o prestador recebeu recursos do FEFC, provenientes do repasse da conta bancária de candidata ao Senado, no mesmo pleito. A candidata pode realizar doações dos recursos recebidos do FEFC para candidatos homens, desde que sejam utilizados para despesas comuns e seja assegurada a aplicação no interesse da campanha feminina, conforme previsto no art. 19, §§ 5º e 6º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Não comprovado o cumprimento da forma exigida pela legislação. Determinada a devolução dos valores ao Tesouro Nacional.


3. As despesas de campanha dos candidatos, não adimplidas até o prazo de apresentação das contas, exigem a assunção da dívida pelo partido, nos termos do art. 35 da Resolução TSE n. 23.553/17. No ponto, a norma regente prevê tão somente a rejeição das contas como consequência jurídica da presente falha, sem referência a outras espécies de cominações. Inviável aplicação extensiva da legislação aplicável à espécie.


4. As irregularidades são graves e envolvem aproximadamente 69% do total de receitas captadas na campanha, sendo inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


5. Desaprovação.


(TRE-RS, PRESTAÇÃO DE CONTAS n. 0602376-86.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, julgado em 24.6.2019.) (Grifei.)

 

Para afastar a irregularidade, cumpriria à doadora apresentar documentos que justificassem o repasse nos termos legais, tais como notas fiscais e exemplares de material de propaganda eleitoral capazes de demonstrar que os valores foram empregados em proveito comum de ambas as campanhas, especialmente da candidatura feminina, ônus do qual não se desincumbiu.

Note-se que não se discute a boa-fé ou a má-fé da recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas. Na hipótese, houve descumprimento das regras contábeis aplicáveis a todos os candidatos.

Desse modo, as razões recursais são insuficientes para o afastamento da falha verificada nas contas.

Nesses termos, o recurso não comporta provimento em virtude de a irregularidade perfazer o total de R$ 2.000,00, referente à doação de recursos do FEFC para campanha feminina, quantia que representa 51,42% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 3.889,00, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considerado módico.

Com essas considerações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

Ante o exposto, VOTO pelo não conhecimento do pedido de parcelamento e pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.