REl - 0600573-31.2020.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/10/2022 às 16:00

VOTO

Da admissibilidade

Os recorridos, em contrarrazões, alegam a intempestividade do recurso.

O recorrente interpôs o recurso dentro do tríduo legal, nos termos do art. 258 do Código Eleitoral, uma vez que, conforme se constata pela aba “expedientes processuais” no PJE, a expedição eletrônica para intimação da sentença ocorreu em 22.11.2021, tendo registrada ciência via sistema no dia 02.12.2021.

A data limite para manifestação registrada no sistema é 06.12.2021 e o recurso foi apresentado no dia 03.12.2021, sendo, portanto, tempestivo.

Em relação à legitimidade, impende deixar consignado que o recorrente, Ministério Público Eleitoral, a possui, embora esteja presente no feito como fiscal da lei. Cediço que, enquanto custus legis, possui legitimidade e interesse para recorrer mesmo quando não for o autor da ação eleitoral.

Sendo o recurso tempestivo e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

 

Mérito

Trata-se da análise de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL DE GUAPORÉ contra a sentença proferida pelo Juízo da 22ª Zona Eleitoral, o qual julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, cumulada com Representação por Conduta Vedada, proposta pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA e o PROGRESSISTAS DE MONTAURI contra COLIGAÇÃO "UNIDOS POR MONTAURI", JAIRO ROQUE ROSO, CACILDO FERNANDO POSSA, BERNARDETE CUCHI MEZZOMO E LETÍCIA BOFF.

Embora outros fatos também tenham sido alegados na petição inicial, a irresignação diz respeito tão somente à suposta utilização da Escola Municipal de Educação Infantil Picoli Bambini e à participação da servidora pública BERNARDETE CUCHI MEZZOMO, à época diretora da instituição de ensino, para gravação de propaganda eleitoral (vídeo) em beneficio dos recorridos JAIRO ROQUE ROSO e CACILDO FERNANDO POSSA, candidatos reeleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Montauri nas eleições 2020.

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações teóricas pertinentes ao caso.

A finalidade precípua da Ação de Investigação Judicial Eleitoral é apurar o uso indevido, o desvio ou o abuso do poder nos seus aspectos econômico e político (ou emanado de autoridade), bem como a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político, ilícitos que podem levar à declaração de inelegibilidade, pelo período de 8 (oito) anos, de todos agentes que contribuíram para a sua prática, e à cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado, como disciplinam o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, e o art. 22, incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC n. 135/10.

Nas hipóteses de abuso de poder político e econômico, a atividade jurisdicional deve ser orientada pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade para que se possa impor, ao candidato beneficiado, a gravosa penalidade de cassação do seu registro, diploma ou mandato eletivo e a penalidade de declaração de inelegibilidade àqueles que se envolveram nas práticas ilícitas.

Em relação às condutas vedadas, confira-se a lição do doutrinador Rodrigo López Zilio:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC n. 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incs. I, II, IV e § 10º do art. 73 da LE), humanos (incs. III e V do art. 73 da LE), financeiros (incs. VI, al. "a", VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inc. VI, als. "b" e "c" do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

(...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual violação à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um esvaziamento do comando normativo, porquanto imporia um duplo ônus ao representante: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e a prova da potencialidade da conduta. A adoção dessa implica o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

(ZÍLIO, Rodrigo López, Direito Eleitoral, Ed. Verbo Jurídico, 5ª edição, p. 585 e verso)

 

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito.

Nesse trilhar, o recorrente postula a condenação dos recorridos por abuso de poder político e por prática de conduta vedada aos agentes públicos (art. 73, inc. III, da Lei das Eleições), tendo em vista o ajuizamento da AIJE com fundamento nos seguintes dispositivos legais:

Constituição Federal

Art. 14 (…)

(…)

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

Lei das Inelegibilidades

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(…)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

(…)

 

Lei das Eleições

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

(...)

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

(…)

 

Conforme consta dos autos, a ação está fundamentada na utilização da Escola Pública Municipal Picoli Bambini e da sua diretora, Bernadete Cuchi, para produção de vídeos de propaganda eleitoral, mediante a alegação de que o material teria sido elaborado por meio do uso de serviços, servidores e bens públicos em benefício da campanha eleitoral, com a divulgação posterior dos vídeos no formato de uma única propaganda eleitoral no perfil da COLIGAÇÃO UNIDOS POR MONTAURI (MDB-PDT- DEM-CIDADANIA-PROGRESSISTAS) no Facebook.

No vídeo, publicado em 25.10.2020, com 4 minutos e 2 segundos de duração, conforme a “Escritura Pública de Ata Notarial”, lavrada em 04.12.2020, os candidatos recorridos apresentam a Escola Pública Municipal Picoli Bambini, expondo imagens internas e externas da edificação (IDs 44886519, 44886511 e 44886519), com posterior manifestação da diretora da instituição e de mãe de aluno. Na gravação, foram externadas as seguintes falas:

[JAIRO ROQUE ROSO e CACILDO FERNANDO POSSA]

Estamos aqui na creche municipal Picoli Bambini, aonde que também esta obra é de extrema importância pra comunidade montauriense, principalmente quando se fala em educação, educação infantil, então gostaria também… deixar umas palavra aqui, dessa importante obra que iniciou-se em dois mil e onze, aonde a gente foi buscar recurso junto ao FNDE, junto aos deputados, enfim, houve um elo muito grande de ações para que realmente essa obra fosse se concretizar, então foi realmente, era um anseio da comunidade, das mães, para que aquelas mães que precisavam realmente de colocar os seus filhos para poder acompanhar a renda familiar, para trabalhar numa empresa ou numa indústria, era de suma importância. Hoje posso dizer com maior franqueza, que foi uma das principais obras que a gente efetuou lá no ano de dois mil e onze. Então que bom, que como gestor, junto com a minha equipe, então a gente possa realmente ahh… mostrar as obras que é mais importante, ao reflexo dela, o que significa perante a comunidade, então a gente fica muito muito grato em ter essas obras pra atender as demanda atender os anseio da nossa população, da nossa comunidade montauriense.

 

[BERNARDETE CUCHI]

Eu, diretora da...da EMEI Picoli Bambini de Montauri, gostaria de falar a todo o povo montauriense, da importância da pré-escola aqui no nosso município. Gente assim, é um local muito prazeroso, assim eu acho que pra nós é uma felicidade imensa trabalhar aqui, a gente recebe as crianças com muito amor e carinho, aonde ops pais podem deixar seus filhos aqui pra gente cuidas e eles possam trabalhar e a gente está aqui assim de braços aberto pra receber e assim, deixo meu abraço. [aparentemente trata-se da mãe de um(a) aluno(a)] A importância da creche pro nosso município, temos ahh como importância da creche, ahhh os dois lados, a importância pra criança, né, do início do aprendizado dela e pra nós pais também né, é importância importante que se tenha uma creche no município. A criança que frequenta uma creche no início do seu desenvolvimento é muito diferenciada desenvolvimento dela, pois ahh, em casa nós pais, ahh procuramos dar educação pra criança, carinho, amor, enfim, a gente tenta fazer o melhor, mas eu vejo que é na creche que...na escola, frequentando a escola, que a criança aprende a conviver com o próximo, que a criança encontra um ambiente ahh seguro, um ambiente harmonioso, ela é bem acolhida, e é uma experiência rica de diferentes aprendizados né, na creche ela convive com várias experiências diferentes ahh, dando a ela a possibilidade de ter um sendo crítico das coisas, umas diferentes atitudes dos outros coleguinhas enfim, âhhh, e outro lado temos a questão que tendo a creche, âh, os pais também ficam seguros e podem trabalhar porque tem aonde deixar com segurança os seus filhos né, não fosse assim, claro que todos dariam um jeito, mas muito melhor de se ter um ambiente que a gente possa ficar tranquilo”.

 

O vídeo mostra, inicialmente, a imagem dos dois candidatos, aparentemente no corredor da escola. São exibidas, após a fala de JAIRO, rapidamente, imagens externas da escola, captadas da rua, seguidas de imagens de salas da escola, onde se divisam brinquedos e equipamentos, assim como de um corredor. No quadro seguinte, é exibida a diretora da escola em uma sala que se imagina ser seu local de trabalho, embora não haja identificação. Por fim, a mãe de aluno é ouvida em local onde se vê uma parede e brinquedos. Em nenhum momento são mostrados alunos ou funcionários da creche em atividade.

No tocante às infrações alegadas, importa ter presente que as condutas vedadas são espécie do gênero abuso de poder, e que o abuso de poder econômico e político ou de autoridade somente acarreta a procedência da ação de investigação judicial quando comprovada a gravidade das circunstâncias capaz de afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, a ensejar a aplicação das sanções de inelegibilidade e cassação dos registros dos representados.

Nesse passo, impende assinalar que a sentença bem ponderou que a vedação do uso de bens públicos em benefício da campanha não equivale à vedação da captação da imagem de bens e locais públicos ou de servidores, já tendo sido decidido pelo TSE que “a mera utilização de imagem de bem público em propaganda eleitoral não configura conduta vedada, exceto na hipótese excepcional de imagem de acesso restrito ou de bem inacessível” (RO n. 060219665, Rel. Min. Edson Fachin, DJE 14.4.2020.).

De igual modo, o TRE-RS já assentou que “o emprego de imagens de bens públicos em campanha eleitoral, desde que captadas de forma privada, não constitui ilícito” (RE n. 59, Rel. DES. SYLVIO BAPTISTA NETO, DEJERS 25.11.2008.).

Assim, como bem destacado na arrimada decisão a quo, não se configurou o abuso de poder, por meio da conduta vedada, descrito no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, porquanto a lei não veda o manuseio de imagens produzidas em bens públicos, mas sim a utilização do bem público em campanha de forma a caracterizar o seu mau uso e a causar desequilíbrio eleitoral, de modo que aproveitar imagens produzidas em local de livre acesso à população não é vedado pela legislação eleitoral.

Cumpre consignar também que, conforme bem observado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (ID 45033898), a gravação foi realizada no intervalo de 20 minutos, em horário que poderia corresponder ao almoço, e que a produção foi custeada com recursos da campanha e declarada na prestação de contas. O acervo probatório também indica que, por ocasião da gravação, não estavam sendo realizadas aulas na escola em razão da pandemia do COVID-19 e que os servidores trabalhavam em horários reduzidos e mediante escalas. Vejamos:

São fatos incontroversos que no dia 15.10.2020, entre 11h40 e 12h00, a empresa Star Informática (Eduardo de Lucca – MEI), contratada pela candidatura majoritária, ingressou na Escola Pública Municipal Picoli Bambini e gravou imagens externas e internas da edificação, além de vídeos com a participação dos candidatos à reeleição, da diretora da escola (BERNARDETE CUCHI) e de uma mãe de aluno. Tais fatos encontram-se comprovados pela declaração subscrita pelo secretário Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer de Montauri, Marcelo Boff (ID 44886543)1, e pelo testemunho da atendente de creche Vânia Lucia Casta (IDs 44886563 e 44886564). De modo complementar, observa-se que a realização de despesas com “produção de programas de rádio, televisão ou vídeo” foi informada na Prestação de Contas de Eleição nº 0600459-92.2020.6.21.00222.

[…]

Relevante ainda mencionar que a testemunha Vânia Lúcia Casta, servidora pública concursada (atendente de creche), arrolada pelos representados, informou que a escola atende, aproximadamente, trinta alunos; que BERNARDETE CUCHI é diretora há mais de três anos; que na época das gravações não estavam acontecendo aulas em razão da pandemia de COVID-19; e que os servidores trabalhavam em horários reduzidos e mediante escalas (IDs 44886563 e 44886564).

 

Quanto ao enquadramento ou não em abuso de poder, é de se ressaltar que a participação de servidor público em campanha eleitoral não conduz, necessariamente, à conclusão de ocorrência da conduta vedada enunciada no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97, sendo imprescindível, para tanto, prova clara e convincente quanto ao uso do horário de expediente normal em favor de determinada candidatura, na linha da reiterada jurisprudência deste Tribunal:

RECURSOS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INC. III, DA LEI N. 9.504/97. CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA PARA O MUNICÍPIO. CEDÊNCIA PARA USO NA CAMPANHA. AUSÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONFIGURADA. DESPROVIMENTO. ELEIÇÃO 2016.

1. São proibidos aos agentes públicos ceder servidor ou empregado público, ou usar de seus serviços para comitês de campanha eleitoral durante o horário normal de expediente, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Regramento centrado na moralidade pública, que busca preservar a isonomia entre os candidatos.

2. Acervo probatório a revelar que o representado não é servidor ou empregado da administração pública. Celebrado contrato de prestação de serviços de assessoria jurídica entre o município e a empresa do representado. Inexistente cláusula de exclusividade ou pessoalidade no exercício da assessoria jurídica, tampouco carga horária, ou proibição de o representado exercer a advocacia para fins particulares. Ausente prova de que o recorrido tivesse atuado em favor dos candidatos e da coligação em horário incompatível com o contratado pela municipalidade.

3. A mera improcedência da demanda não implica litigância de má-fé. Para a configuração da lide temerária, mister a demonstração cabal do dolo processual, o que não é vislumbrado.

4. Desprovimento dos recursos.

(TRE-RS - RE: 29486 TRÊS PALMEIRAS - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 26.7.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 133, Data 28.7.2017, Página 9) (Grifei)

 

Recurso. Representação. Conduta vedada. Prefeito e vice reeleitos. Cedência de servidor público. Improcedência. Lei n. 9.50497. Eleições 2016.

1. São proibidos aos agentes públicos ceder servidor ou empregado público, ou usar de seus serviços para comitês de campanha eleitoral durante o horário normal de expediente, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado. Art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Regramento que tem por desiderato preservação da isonomia de oportunidade entre os candidatos.

2. Servidora pública municipal, exercendo o cargo de Secretária Municipal Adjunta de Educação, fez uso de sua voz na propaganda eleitoral dos candidatos da situação. Não demonstrado que os atos de campanha ocorreram durante o horário de expediente. Não vislumbrada a conduta vedada. Sentença de improcedência mantida. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 19956 TRÊS PALMEIRAS - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 07.6.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 107, Data 22.6.2017, Página 5) Grifei.

 

Em relação ao ponto, não se afere dos autos prova escorreita e convincente para atestar que a gravação do vídeo pela diretora da escola foi realizada durante ou em detrimento do seu expediente no município.

Em relação à alegação dessa servidora ter participado da gravação em horário de expediente de trabalho, tenho que a própria Procuradoria Regional Eleitoral reconhece em seu douto parecer que há inconsistência do manancial probatório, estando este deficiente para levar a um juízo condenatório, verbis: “que na época das gravações não estavam acontecendo aulas em razão da pandemia de COVID-19; e que os servidores trabalhavam em horários reduzidos e mediante escalas (IDs 44886563 e 44886564)”. Ainda, que “não foram produzidas provas quanto ao horário de trabalho de BERNARDETE CUCHI, nem quanto à utilização ou não de relógio de ponto”.

Logo, não ficou demonstrado que os atos de campanha ocorreram em horário de expediente da servidora.

Ainda, em relação à pretensa atuação da diretora da escola, destaco que se colhe do depoimento de testemunha, a servidora pública concursada Vânia Lúcia Casta, a afirmação categórica de que a filmagem ocorreu após o horário de expediente (parte I do depoimento, aos 6 minutos e 45 segundos - ID 44886563).

De igual forma, na oitiva das demais testemunhas, nenhuma delas confirmou a tese de que a gravação foi realizada durante o horário normal de trabalho.

Nesse contexto, tenho que não é possível concluir que a servidora pública BERNARDETE CUCHI estava envolvida em campanha no horário de expediente normal. Muito pelo contrário: a partir do testemunho de vários servidores, a sentença bem destaca a insubsistência da prova oral para um juízo de condenação.

Desse modo, a decisão não merece reparos, pois baseada na prova coligida durante a instrução, a qual não demonstra a ocorrência de condutas vedadas, e em remansosa jurisprudência, a qual cumpre reproduzir:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 73, INC. III, DA LEI DAS ELEIÇÕES. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PRESENÇA DE SERVIDORES PÚBLICOS EM LIVE, NA QUAL O PRESIDENTE DA REPÚBLICA PEDE VOTOS AO CANDIDATO A PREFEITO. AUSÊNCIA DE PROVAS OU INDÍCIOS DE QUE OS SERVIDORES ESTAVAM EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS PARA CONCLUSÃO CONTRÁRIA. USO INDIRETO DE SERVIDORES QUE FAZEM A GESTÃO E A MANUTENÇÃO DO PALÁCIO DA ALVORADA. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA NA CORTE REGIONAL. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO SUMULAR Nº 72 DO TSE. INVIABILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. As instâncias ordinárias julgaram improcedente representação na qual se alegou a prática das condutas vedadas previstas no art. 73, incs. I e III, da Lei n. 9.504/97, configurada na realização de live, nas dependências do Palácio da Alvorada, na qual o Presidente da República, ladeado por dois servidores, que, segundo o alegado, estavam em horário de expediente, pediu votos ao candidato ora agravado. O recurso especial devolveu apenas a matéria relativa à prática da conduta descrita no inc. III do mencionado artigo da lei.

2. Foi assentada pelo TRE/SP a ausência de provas ou indícios suficientes que comprovem que os servidores presentes na transmissão ainda estavam em horário de expediente, uma vez que a transmissão ao vivo ocorreu às 19h, horário em que, em regra, não há mais expediente nas repartições públicas. Alegação de que os funcionários usavam crachás. Circunstância não descrita no acórdão. Óbice do Enunciado Sumular nº 24 do TSE para concluir de forma diversa da Corte regional.

3. Para a jurisprudência do TSE, "[...] Não há falar em violação do art. 73, inc. III, da Lei 9.504/97 quando a participação de agente público em campanha eleitoral ocorre fora do seu horário normal de expediente [...]" (AgR–REspe nº 379–50/SP, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 23.11.2017, DJe de 02.02.2018.).

4. Alegação de que a conduta vedada teria se caracterizado, também, pelo uso, ainda que indireto, dos servidores que, no momento da live, trabalhavam na gestão e na manutenção do Palácio da Alvorada. Matéria não enfrentada na Corte de origem. Incidência do Enunciado Sumular nº 72 do TSE.

5. "Para a incidência da vedação do art. 73, inc. III, relativa à cessão de servidores ou utilização de seus serviços em benefício de candidato, partido político ou coligação, é necessário que se verifique o uso efetivo do aparato estatal em prol de determinada campanha [...]" (AgR–AI nº 126–22/PR, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 13.6.2019, DJe de 16.8.2019.).

6. Negado provimento ao agravo ante a inviabilidade do recurso especial.

(AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060236545, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 179, Data 15.9.2022.)

 

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSOS ESPECIAIS COM AGRAVOS. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INC. III, DA LEI N. 9.504/97. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que deu provimento aos agravos nos próprios autos para: (i) negar seguimento ao recurso especial interposto pela coligação e (ii) dar provimento ao recurso especial de Edenilson Luis Palauro e outros, julgando improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, afastando a condenação por afronta ao art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. 

2. O art. 73 da Lei n. 9.504/97, por encerrar norma restritiva de direitos, deve ser interpretado restritivamente, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei. 

3. Para a incidência da vedação do art. 73, inc. III, relativa à cessão de servidores ou utilização de seus serviços em benefício de candidato, partido político ou coligação, é necessário que se verifique o uso efetivo do aparato estatal em prol de determinada campanha. O mero engajamento eleitoral de servidor público, fora do exercício das atribuições do cargo, não caracteriza a prática de conduta vedada. 

4. No caso, a exteriorização de apoio político nos perfis pessoais dos servidores na rede social Facebook, ainda que durante o horário de expediente, não configurou a conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97. Isso porque não ficou demonstrado que teriam: (i) se ausentado do local de trabalho ou se deslocado do serviço para a campanha do candidato; (ii) utilizado bens públicos (computadores) do município; e (iii) apoiado candidato por ordem da chefia. 

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 12622, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Data 16.8.2019.)

(grifei)

 

Assim, a sentença objurgada deve ser integralmente mantida, pois baseada na prova coligida durante a instrução, a qual não demonstra a ocorrência de conduta vedada prevista no art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97.

De todo exposto, a título de conclusão, tenho que da análise das provas trazidas aos autos, não foi comprovado que os atos supracitados configuraram as condutas vedadas apontadas e, via de consequência, não ocorreu o abuso de poder político descrito no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, c/c art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, tendo em vista que, conforme se verificou no manancial probatório, não restou demonstrada a gravidade das circunstâncias capaz de afetar a normalidade e a legitimidade das eleições. De igual modo, não se constatou que foi conspurcada a liberdade do voto dos eleitores. Por via de consequência, entendo que a publicação não foi capaz de influir no resultado do pleito.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por conhecer do recurso e, no mérito, pelo desprovimento do apelo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, nos termos da fundamentação.