REl - 0600036-15.2020.6.21.0158 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/10/2022 às 16:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recorrente teve suas contas referentes ao exercício financeiro de 2019 aprovadas com ressalvas, em razão do ingresso de valores de origem vedada, no caso, oriundas de autoridades detentoras de cargos demissíveis ad nutum não filiadas, com determinação de recolhimento, e da não aplicação de verbas do Fundo Partidário no incremento à participação feminina na política.

A matéria atinente às doações de origem vedada consta do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, o qual, no que toca à contabilidade dos partidos para o exercício em questão, restou regulamentado no art. 12 da Resolução TSE n. 23.546/17, que dispõe sobre as fontes vedadas e trata, em seu inc. IV e § 1º, da proibição ventilada no parecer conclusivo e objeto da irresignação:

Art. 12 É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (grifei)

 

Os aportes irregulares, na forma do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional. (grifei)

 

A regra tem por fito proteger os princípios constitucionais da Administração Pública, com relevo o da moralidade, pois busca coibir que a possibilidade de nomeações e exonerações de cargos públicos se transmute em nova via de amealhar recursos para os partidos, mediante acesso à parcela da remuneração dos titulares nomeados para os cargos. Nesse sentido, trecho do parecer da sempre diligente Procuradoria Regional Eleitoral:

Ao estabelecer a proibição de que partidos políticos recebam recursos de pessoas que exercem função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou de cargo ou emprego público temporário, a regra em tela tem em vista a observância dos princípios constitucionais da Administração Pública, tais como a moralidade, pois impede que os cargos e funções na estrutura administrativa sejam transformados em moeda de troca, em autêntica compra ou aluguel do cargo público mediante a canalização, para o partido, de parte dos recursos públicos destinados à remuneração pelo trabalho do servidor; a eficiência, pois permite que o critério a conduzir a nomeação para as funções e cargos seja a competência ou aptidão para a atividade a ser desempenhada, e não o mero fato do contemplado servir como fonte de custeio do partido; bem como a impessoalidade, seja na assunção, seja no desempenho do cargo ou função, respectivamente ao evitar o favoritismo na escolha ou manutenção apenas daqueles que verterão contribuições ao partido e ao pautar a atuação pela aplicação isonômica da lei em prol do interesse público.

 

Irresignada, a grei defende a adequação do ingresso dos valores, visto que realizados por meio de débito em conta autorizado, em detrimento da consignação em folha - elemento tido pelo recorrente como desencadeador da proibição -, de forma que descaracterizada a vedação imposta pela norma, quanto às doações provenientes de titulares de cargos de livre exoneração, ainda que não filiados.

Sem razão o recorrente.

O entendimento plasmado no art. 12, inc. IV, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17, modo cristalino, é pela vedação dos aportes emanados de autoridades, tendo como exceção única, a autorizar tais contribuições, a condição de filiado do doador, situação esta que viabilizará, dentro dos moldes da lei, a colaboração destinada à legenda partidária.

Fora desses contornos, em que pese a hipótese ventilada pela grei, no sentido da vedação se direcionar aos valores consignados em folha, não há falar em regularidade na operação realizada entre o partido e a autoridade pública titular de cargo ad nutum.

O próprio enunciado do art. 55-D da Lei dos Partidos Políticos, abordado em sede recursal pelo prestador, deixa claro que a anistia se direciona às devoluções, às cobranças ou às transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político.

Consigno, desta feita, que as doações realizadas por Ana Julia Caetano Alexis, Leonardo Guterres Bittencourt e Neusa Beatriz Pedroso Bueno, porquanto não filiados ao partido CIDADANIA, restam caracterizadas como fonte vedada.

Quanto à mácula relativa à falta de aplicação de parcela do Fundo Partidário no incentivo à participação feminina na política, não houve irresignação, restando, quanto ao ponto, reprisar os argumentos exarados pelo juízo na origem, os quais definem que, “diante da ausência de adimplemento da obrigatoriedade da destinação de percentual da verba para fins do disposto no art. 44, V, da Lei n. 9.096/95, deve a agremiação partidária transferir o saldo para conta bancária de que trata o inciso IV do art. 6º da Resolução TSE n. 23.456/17, vedada sua aplicação para finalidade diversa, devendo ser comprovada a sua utilização no exercício subsequente, conforme faculta o art. 55-B da Lei n. 9.096/95”.

Assim, compulsando os autos, observo que o recebimento de verbas irregulares totaliza a quantia de R$ 4.456,90, que representa somente 8,13% do total da receita arrecadada no exercício, à razão de R$ 54.788,85, ficando abaixo do percentual (10%) utilizado como parâmetro para autorizar a aprovação das contas com ressalvas, conforme jurisprudência desta egrégia Corte.

Destarte, caracterizado o recebimento de recursos de fonte vedada, mantido o dever de recolhimento de R$ 4.456,90 ao erário.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a aprovação das contas com ressalvas do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO CIDADANIA, bem como o comando de recolhimento de R$ 4.456,90 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.