REl - 0600471-43.2020.6.21.0140 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2022 às 14:00

VOTO

O REl 0600471-43.2020.6.21.0140 e o REl 0600472-28.2020.6.21.0140 envolvem os mesmos fatos com partes diversas, motivo pelo qual serão julgados em conjunto, conforme art. 96-B da Lei 9.504/97.

Os recursos são tempestivos e deles conheço.

Foram duas as ações eleitorais ajuizadas, nas quais foram imputados diversos ilícitos ao prefeito reeleito Nilson Paulo Costa e ao vice-prefeito eleito Jaime Jung, assim como seus apoiadores.

Nos autos do REl 0600471-43.2020.6.21.0140 e  REl 0600472-28.2020.6.21.0140 houve a juntada de vídeos e gravações e imagens de cenas que ocorreram em espaços públicos ou abertos ao público, gravações ambientais, gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, cujo conteúdo não contempla hipótese de causa legal de sigilo ou de reserva, que pudesse ensejar a violação da intimidade, da privacidade, da honra, da imagem, da proteção às relações profissionais ou ministeriais ou, ainda, de outro bem jurídico relevante, que represente valor superior a ser tutelado em face do interesse público.

Assim, em que pese não tenha sido suscitada a questão, considero lícitas todas as mídias constantes nos autos, nos termos do que esta Corte tem decidido:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – AIJE. CANDIDATOS ELEITOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. PRELIMINARES. AFASTADAS. NÃO CONHECIDO O APELO DOS CANDIDATOS. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. PROVAS JUNTADAS APÓS AJUIZAMENTO DA AÇÃO. PREJUÍZO AUSENTE. COMPRA DE APOIO POLÍTICO. DESISTÊNCIA DE CANDIDATURA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER POLÍTICO OU DE AUTORIDADE. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURADOS. GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO. AUSENTES. MERA NEGOCIAÇÃO POLÍTICA ANTERIOR ÀS CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Recursos interpostos conjuntamente por partidos políticos e pelos candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, contra a sentença que afastou as preliminares e julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE por prática de abuso de poder econômico, político e captação ilícita de sufrágio ajuizada em desfavor dos referidos concorrentes.

2. Preliminares rejeitadas. 2.1. Não conhecimento do recurso dos investigados devido à ausência de interesse recursal por falta do requisito da sucumbência. Conforme inteligência do art. 996 do CPC, a sucumbência constitui pressuposto intrínseco de admissibilidade dos recursos. Assim também é o entendimento do STF quando ausente a necessidade e utilidade na obtenção de nova decisão. 2.2. Esta Corte tem entendimento assentado de que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea e registrada por um dos interlocutores da conversa, circunstância que não viola os princípios da intimidade e vida privada e demais argumentos expostos em sede de contrarrazões. Considerando, ainda, que não houve julgamento da matéria pelo STF, deve ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova. Desse modo, inaplicável ao caso em apreço a teoria dos frutos da árvore envenenada para que a ata notarial seja desentranhada dos autos. 2.3. Não evidenciada qualquer ilicitude ou nulidade na circunstância de os áudios das conversas gravadas terem sido juntados aos autos após o ajuizamento da ação, pois o art. 22 da LC n. 64/90 exige apenas que na inicial sejam relatados fatos e indicadas provas, indícios e circunstâncias para o pedido de abertura de investigação judicial. Além disso, ao tempo da citação o material estava disponível nos autos, sendo certo que não há pronunciamento de nulidade quando manifesta a ausência de prejuízo (art. 219, Código Eleitoral).

[…]

(Rel 0600411-23.2020.6.21.0091, Relator Des. Gerson Fischmann, julgado em 13.12.2021.) (Grifo nosso)

 

 

REL 0600471-43.2020.6.21.0140 e REL 0600472-28.2020.6.21.0140

LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, LEOMAR DOUGLAS RIBEIRO e a COLIGAÇÃO UNIDOS POR REDENTORA (PSDB / PSB / PTB / PT / PP) interpuseram recurso contra sentença exarada no REl 0600471-43.2020.6.21.0140 pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral de Coronel Bicaco-RS reiterando as alegações da inicial, no sentido de que houve entrega de dinheiro, distribuição gratuita de combustíveis, entrega de cestas básicas, utilização de servidores e veículos públicos em prol da campanha eleitoral de Nilson e Jaime, bem como a coação de servidores públicos e prestadores de serviços terceirizados para aderirem à campanha política dos investigados, além do constrangimento de eleitores nas seções eleitorais com o fim de inibir a liberdade do voto.

O Ministério Público Eleitoral, com base no Procedimento Preparatório Eleitoral n. 00941.000.894/2020, ajuizou representação contendo os mesmos atos ilícitos descritos na AIJE 0600472-28.2020.6.21.0140: distribuição de vales-gasolina e de alimentos, coação de servidores públicos para aderirem à campanha política de NILSON PAULO COSTA, JAIME JUNG, eleitos, respectivamente, prefeito e vice-prefeito de Redentora. A ação foi proposta contra NILSON PAULO COSTA, JAIME JUNG, ELIANE AMARAL COSTA, MAIARA RODRIGUES FOGAÇA, ROSEMERI MÜLLER LENHANE, ROBSON CRISTIANO SCHWARZBOLD E JOARÊZ DOS SANTOS OTTONELLI (REl 0600472-28.2020.6.21.0140).

Versam os dois processos (REl 0600471-43.2020.6.21.0140 e REl 0600472-28.2020.6.21.0140) sobre o cometimento de abuso do poder, captação ilícita de votos e condutas vedadas.

A compra de votos tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação é a seguinte:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

É necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, mesmo que não seja possível determinar exatamente qual foi o eleitor eventualmente corrompido.

Já o abuso de poder possui estatura constitucional, disposta no § 9º do art. 14 da CF, in verbis:

Art. 14.

[…]

§ 9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

O caput do art. 22 da LC n. 64/90 dispõe sobre a abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (grifo nosso)

 

Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22.

(…)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

 

E nesse sentido bem esclarece a doutrina de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições. Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663)

 

Em arremate, as condutas vedadas são de legalidade estrita. O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 5ª edição, pág. 585-586) traz lição sobre o tema:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu).

[…]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

 

Quanto aos fatos narrados na peça inicial, o Juízo da 140ª Zona Eleitoral de Coronel Bicaco/RS julgou improcedente ambas as representações (REl 0600471-43.2020.6.21.0140 e REl 0600472-28.2020.6.21.0140), sob o fundamento de que as alegações acerca dos ilícitos imputados aos investigados sucumbiram ao debate processual, diante da ausência de prova idônea, concreta e irretorquível, subsistindo razoável e pertinente dúvida sobre os fatos narrados, em especial porque uma decisão de cassação de mandato requer um juízo de certeza, alicerçado em provas robustas e incontroversas acerca da ocorrência de ilícito eleitoral com gravidade para macular a normalidade e legitimidade da eleição, elementos que não estão presentes no caderno probatório.

 

REL 0600472-28.2020.6.21.0140

Conforme a exordial, aportaram na Promotoria de Justiça Eleitoral da 140ª Zona Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul elementos que demonstravam a ocorrência de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio por meio de oferecimento de dinheiro e de outros benefícios em troca dos votos em favor da chapa majoritária dos representados Nilson Paulo Costa e Jaime Jung. Além disso, foram colhidos indicativos suficientes da prática de abuso do poder político e de autoridade, bem como de conduta vedada ao agente público, fatos que justificariam o pedido de decretação de inelegibilidade de todos os demandados, aplicação de multa para Nilson, Jaime e Eliane, bem como cassação dos registros e dos diplomas de Nilson e Jaime.

Sobre o conjunto probatório, o douto Procurador Regional Eleitoral manifestou-se da seguinte forma (ID 44948981):

A prova indiciária, portanto, deve ser veemente, convergente e concatenada, sem a existência de contraindícios, a abalar ou neutralizar dubiedade das conclusões a serem extraídas, e, em razão disso, tem-se que assiste razão ao magistrado ao julgar improcedente o pedido inicial quanto aos fatos que envolvem os testemunhos de Manecão, Catiana e Elisiana, Robson e Cristiano, Maiara, Rosimeri, Joarêz e Gilda. Com efeito, bem destacou o juízo singular que a narrativa de João Acker Corrêa, conhecido como Manecão, apresenta contradições, inovações e evasivas que a fragilizam sobremaneira. Manecão, além de ser conhecido no Município como uma pessoa “brincalhona” e sem compromisso com a verdade, conforme depoimentos colhidos em juízo, inclusive de testemunha indicada pela Coligação opositora, apresentou depoimento contraditório e evasivo perante o juízo de primeiro grau. Além disso, a conduta por ele supostamente praticada mostra-se atípica, pois comprovado que ao tempo do suposto ilícito encontrava-se com o título cancelado (ID 44858206). Assim, considerando que o beneficiário da ação ilícita deve ser obrigatoriamente eleitor com a cidadania ativa, do contrário a hipótese legal não se perfaz, infere-se que tal fato não poderia ser admitido para fins de acolhimento do pedido.

De mais a mais, como salientado pelo juízo, nem mesmo a inovação acerca da suposta negociação do apoio político mostra-se plausível, pois, além de não se tratar de pessoa de confiança perante a sociedade, não havia tempo para uma considerável contribuição dele à campanha de Nilson, dada a iminência do pleito, e, além do mais, não se mostra razoável o investigado Nilson “confidenciar” a Manecão a empreitada ilícita que pretendia desenvolver naquele dia, exibindo-lhe a “maleta” com muito dinheiro e informando-lhe como distribuiria tal quantia, porque até aquele momento Manecão apoiava o adversário (grifou-se).

Assim, diante da atipicidade da conduta supostamente praticada por Manecão e ante a fragilidade da prova acerca da cooptação do apoio político deste por parte do demandado Nilson, entende-se que deve ser mantida a sentença nesse ponto.

A compra de votos supostamente perpetrada pelo então candidato a Vice-Prefeito Jaime Jung, mediante oferecimento e entrega de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) às eleitoras Catiana Nunes da Silva e Elisiane Lima de Souza e de emprego/função para Catiana, de igual forma, não restou comprovada, sobretudo em razão das contradições apresentadas pelas referidas eleitoras quando dos seus depoimentos perante o juízo singular.

Não obstante os depoimentos contraditórios acerca da efetiva proposta feita pelo candidato Jaime à eleitora Catiana, e mesmo havendo casualidade de data e horário na autenticação das declarações, ainda que as testemunhas tenham afirmado que não combinaram a ida ao cartório, o fato preponderante para invalidar a prova documental por elas produzida e, consequentemente, fragilizar os seus depoimentos, é a declaração de que uma desconhecia a providência adotada pela outra, ou seja, de que produziram os textos de forma independente, sendo que ambas as declarações detêm idêntico teor, redação e formato. Isto é, não se mostra minimamente plausível crer que as testemunhas, de forma independente, tenham redigido idênticos documentos, os quais, inclusive, foram levados ao cartório para autenticação das assinaturas, casualmente, na mesma data e horário.

Assim, ante a ausência de verossimilhança das alegações prestadas por Catiana e Elisiane, entende-se que a prova por elas produzidas deve ser refutada.

A referência de Manecão e de Diore Aguiar Foguesatto à suposta compra de voto perpetrada por Joarêz Otonelli, como bem referido pelo juízo, mostra-se ainda mais reticente.

Em acréscimo à já mencionada ausência de credibilidade da testemunha Manecão, tem-se que seu depoimento acerca de tal fato se mostrou insuficiente, pois, embora tenha indicado a sobrinha Lizandra Machado Correa como suposta beneficiária da compra de votos feita por Joarêz, não houve a especificação de qual foi o efetivo benefício percebido por ela. Além disso, tem-se que as alegações de Manecão acerca da utilização de maquinário da Prefeitura para a realização de serviços no interior de propriedades privadas, em troca de votos, são meramente genéricas e evasivas, pois sequer houve a indicação de quem seriam os proprietários e qual a localização dos imóveis.

As afirmações de Diore Aguiar Foguesatto (IDs 44858284 e 44858285), igualmente, não são verossímeis, pois ele não era apenas um apoiador da chapa adversária, mas sim um representante desta na Vila Antonelli, conforme testemunho da professora Jaqueline Gonçalves (ID 44858353), que afirmou que a casa da mãe de Diore, sua vizinha, era um ponto de encontro dos apoiadores do candidato Cordeiro, sendo que para falar com tal candidato havia a necessidade de agendamento prévio com Diore, fato confirmado pela testemunha Márcio Otonelli de Moura (ID 44858350 e 44858351). Cumpre destacar ainda que Diore figura como investigado na AIJE Nº 0600473 13.2020.6.21.0140, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral em face de Luiz Carlos Cordeiro Machado e outros, na qual imputada a ele a negociação de vales-combustível em favor da campanha de Cordeiro.

Além disso, como bem destacado na sentença, causa estranheza o fato de empregados de Diore oferecerem vales, supostamente da campanha de Nilson, para o patrão, que, sabidamente, era apoiador de Luiz Carlos Cordeiro Machado e, como dito anteriormente, provavelmente atuante na campanha do adversário.

Do mesmo modo, entende-se que não restou minimamente comprovada a utilização de ambulâncias municipais para a entrega de ranchos e/ou cestas básicas para os munícipes, em troca de votos. Tal assertiva, na verdade, está amparada apenas nas suposições de Manecão, que teria visto uma ambulância passar na frente de sua residência no final da noite, mas que não sabia de ninguém enfermo na localidade, tendo ouvido falar em entrega de ranchos em favor de Nilson; de Marli Ferraz, que afirmou ter ciência de que não era comum a utilização de ambulâncias durante a noite, tendo ouvido de Márcia que tais veículos eram utilizados na entrega de ranchos para despistar a oposição; e de Leandro Santana, que afirmou, quando do depoimento judicial (ID 44858340), que viu as ambulâncias irem para um galpão e que logo voltaram, tendo concluído que se tratava de entrega de ranchos, até porque ouviu os áudios de Maiara falando da compra de votos.

Outrossim, aportou aos autos a informação da então Secretária de Saúde, Carla Regina dos Santos Miranda, (IDs 44858368, 44858369, 44858370 e 44858371), de que há um efetivo controle do tráfego das ambulâncias, as quais somente poderiam ser utilizadas com a sua autorização ou com a do chefe dos transportes da Secretaria, sendo registradas todas as entradas e saídas dos veículos na portaria do estacionamento. Carla afirmou ainda que a ambulância do SAMU somente pode ser utilizada após a autorização da Central de Regulação do Estado, sendo que tal veículo conta com sistema de rastreamento, o qual poderia ser fornecido pelo Estado. Foram colacionadas aos autos informações do Hospital de Tenente Portela (IDs 44858255) sobre o atendimento de pacientes oriundos de Redentora, e a Planilha de Controle de Entrada e Saída de Veículos Públicos do Município de Redentora (ID 44858208), na qual consta a informação sobre a movimentação de veículos, como data, horário e quilometragem de saída e chegada, sendo que no dia 14.11.2020, data da suposta perpetração do ilícito, há apenas um registro de saída de ambulância, no horário das 13h, com quilometragem de 137506, com retorno às 16h30, com a quilometragem de 137590, fato que corrobora a alegação da defesa, visto que a distância entre Redentora e Tenente Portela é de aproximadamente 38 km, sendo ainda de responsabilidade do condutor do veículo buscar os pacientes em suas residências, fato que poderia justificar a quilometragem adicional à distância entre os municípios.

Os fatos envolvendo a professora Gilda Sales, consistentes na suposta coação para que esta se manifestasse politicamente em favor de Nilson e para que fizesse campanha para o referido candidato, de igual forma, carecem de prova robusta, como muito bem exposto pelo juízo de primeiro grau, verbis:

Em sua oitiva, perante este juízo (ID. 91941760), a professora Gilda ratificou as afirmações feitas na Promotoria de Justiça (IDs. 61423427/39/41). A declarante confirmou o teor do vídeo que gravou. Referiu que foi chamada à Secretaria de Educação para conversar com Márcia e Eliane, onde recebeu proposta de convocação de horas, promessa de emprego para suas filhas e ajuda para pagar sua faculdade, sendo que como contrapartida, deveria fazer campanha para Nilson, adesivando oito casas de eleitores da reserva indígena e enviando fotos para a primeira-dama, Eliane Costa. Alegou que foi ameaçada de demissão, caso não aderisse à campanha de Nilson. Referiu que a conversa ocorreu na semana da eleição e foi constrangedora, sendo que recusou a proposta por questões religiosas e saiu chorando da Secretaria de Educação. Ao ser questionada, afirmou que apoiou o candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado e por conta disso sofreu represálias após a eleição, uma vez que foi transferida para escola distante de sua residência, o que teria inviabilizado o desempenho de suas funções. Questionada acerca de mensagens que enviou para o telefone de Marcia, no sentido de que teria “o outro lado fez proposta” para ela, alegou que seu primo era candidato a Vereador e teria se comprometido a ajudar sua igreja.

Foram ouvidas também as testemunhas Mariluce Trindade (ID. 91941761) e Marli Ferraz (ID. 91941762/64), arroladas pelo investigante, cujos depoimentos em nada contribuíram para a elucidação dos fatos, porquanto limitaram-se a afirmar que viram Gilda sair da reunião, referindo que ela carregava uma pasta na mão e teria saído chorando. As testemunhas confirmam que Marcia e Eliane estavam reunidas com Gilda, mas não souberam informar qual o assunto tratado com a professora.

Na mesma linha, o depoimento do Vereador Vanderlei da Rosa nada acrescentou à comprovação dos fatos, porque limitou-se a afirmar que participou da gravação do vídeo com Gilda, sem, contudo, tomar qualquer providência enquanto legislador, optando por entregar a “prova” aos adversários de Nilson.

Em contrapartida, os investigados afirmaram que o agendamento da reunião entre Marcia, Eliane e Gilda se deu por iniciativa e insistência da professora, mediante o envio de mensagens, via aplicativo de whatsapp, para Márcia, então responsável pela pasta da Secretaria de Educação. Para comprovar tal afirmação, juntaram aos autos os impressos das mensagens enviadas por Gilda (ID. 75035777). Referiram, ainda, que a solicitação de vantagens (convocação para trabalhar mais horas, emprego para suas filhas e dinheiro) também partiu de Gilda e não foi aceita por Eliane.

Foram ouvidas as testemunhas Ana Paula Trein (ID. 92926667/80), Daiane Schroeder (ID. 92993586/92995827) e Marcia Aline Dornelles Marques (ID. 92993575/82), todas lotadas na Secretaria de Educação. Marcia afirmou que chamou Eliane à Secretaria a pedido e por insistência de Gilda, que enviou várias mensagens para seu celular, cujos impressos constam nos autos (IDs. 75035777). Referiu que presenciou quando Gilda solicitou a Eliane convocação para trabalhar, bem como o pagamento de mensalidades atrasadas da faculdade e emprego para suas filhas para “fechar com o lado de Nilson”. Alegou que Eliane não aceitou a proposta de Gilda e nenhuma pasta com material de campanha foi entregue e ela na ocasião. Referiu, ainda, que Gilda não saiu chorando da sala, sendo que, logo após sua saída da secretaria, postou fotos no facebook “rindo e debochando” da equipe da Secretaria de Educação, junto com seu esposo e o Vereador Vanderlei, cujo registro a testemunha trouxe impresso e exibiu às partes durante seu depoimento. Acerca da mudança de local de trabalho de Gilda, esclareceu que não houve transferência, sendo que, no início do ano letivo de 2021, por um curto período, Gilda teria atendido por alguns dias os alunos indígenas, na Escola Américo dos Santos, onde o município mantém uma sala de aula cedida pelo Estado para atender alunos da Escola Municipal Assis Brasil. Referiu que se tratou de medida temporária, até que outra pessoa assumisse as turmas. Ana Paula e Daiane, professoras que atuam junto à Secretaria de Educação, afirmaram que Gilda não saiu chorando da secretaria nem carregava algo que pudesse chamar a atenção das testemunhas. As três testemunhas foram categóricas ao afirmar que, em nenhum momento, houve alteração de lotação da professora Gilda, ratificando que no início do ano letivo 2021, por um curto período, Gilda atendeu alunos indígenas da Escola Assis Brasil, junto à Escola Américo dos Santos, porque houve tal necessidade e estava de acordo com a formação da professora Gilda, que voltou a exercer suas funções na sede da Escola Assis Brasil, quando suprida a necessidade daquela turma.

Observo que existem indícios razoáveis de que o interesse na conversa com a primeira-dama partiu de Gilda, seja em razão da troca de mensagens com Marcia, seja porque também teria procurado o Prefeito Nilson, conforme afirmou Vanderlei Silvestre (IDs. 92990496/99), chefe do gabinete do Prefeito. E mais, a própria Gilda confirmou a troca de mensagens com Marcia, inclusive a mensagem em que refere “bom dia profe, quando vou conseguir falar com a primeira-dama... o que eu vou fazer, o outro lado querem dar proposta pra mim”, sendo que as mensagens foram enviadas em três dias seguidos (9, 10 e 11/11/2020). E mais, ao referir na mensagem de whatsapp, confirmada perante este juízo, que teria proposta do outro lado, Gilda deixa implícito o possível interesse em negociar com os “patrões”, modo como a professora referiu-se a Nilson e Eliane, em seu depoimento.

Além disso, há outras incoerências que desestabilizam a versão da professora Gilda. Primeiro, o oferecimento de vantagem não parece compatível com a ameaça de demissão do trabalho. Segundo, a ameaça de demissão é pouco provável, porque se trata de servidora pública concursada há nove anos. Terceiro, se a proposta de Eliane foi recusada pela professora, não haveria razão para sair dali com a pasta, contendo os adesivos de campanha. E mais, tendo saído com tais adesivos com a pretensão de mostrá-los aos adversários dos investigados, poderia tê-los exibido a Marli e Mariluce, que se encontravam na Secretaria de Educação e que foram indicadas como testemunhas do fato. De sorte que, caso tenha saído da reunião com a pasta exibida no vídeo, não é possível afirmar, com segurança, que os adesivos de campanha do investigado estivessem no interior da pasta. Aliás, é oportuno referir que a testemunha Mariluce (ID. 91941761), arrolada pelo investigante, referendou a inexistência de atos de campanha no local de trabalho, bem como a ausência de pressões políticas aos servidores, ao afirmar que “não foi procurada por ninguém da administração para pedir voto” “ninguém lhe cobrou a posição política de seu marido” (apoiador do Cordeiro) e “não sofreu pressão política pré-eleição para apoiar Nilson”. Cumpre registrar que Mariluce era filiada ao partido do Prefeito e não apoiou a candidatura de Nilson.

Nesse contexto, a prova apresentada pelo investigante mostra-se insuficiente e falha para a sustentação dos ilícitos imputados aos investigados, porquanto o depoimento da Professora Gilda não foi corroborado por nenhuma outra prova trazida aos autos.

De outro lado, a prova testemunhal apresentada pelos investigados mostrou se firme e coerente.

Cumpre referir, ainda, que as supostas ameaças e perseguições referidas por Gilda não se concretizaram, uma vez que ela não foi demitida, tampouco teve alterada sua lotação. Assinalo a ausência de ilegalidade na temporária e curta prestação de serviços que a professora executou na Escola Américo dos Santos, porquanto vinculada a mesma escola de sua lotação originária e, inclusive, dentro de sua área de atuação. Acrescento, inclusive, que a lotação de professores em escolas municipais, atendidas as necessidades e competências exigidas, compreende ato administrativo discricionário.

Os fatos referentes à suposta coação sofrida por Marlize Gobbi e seu marido Joel Machado da Silva, os quais foram suscitados pelo MPE em sede de alegações finais e ponderados pelo juízo a quo quando da prolação da sentença, e cujo conteúdo poderia ser questionado em face dos princípios da congruência ou adstrição e do contraditório e ampla defesa, visto que não foram objeto da petição inicial, também não restaram minimamente comprovados, sobretudo diante das contradições dos depoimentos de Marlize (IDs 4458313, 44858314, 44858315 e 44858316) e de Joel (IDs 44858318 e 44858319), não merecendo reparos os fundamentos postos pelo magistrado, nos seguintes termos, verbis:

O investigante referiu-se, ainda, em sede de alegações finais, às declarações prestadas por Marlize Gobbi, IDs. 92855860/92857661/64, Joel Machado da Silva, IDs. 92857673/84 e Sandra Eliane da Rosa, IDs. 92860969/78/92874868/74 (testemunhas arroladas na AIJE Nº 471-43). Tais depoimentos mencionam a suposta visita feita por Nilson e Eliane à casa de Marlize na semana da eleição (entre 09/11/2020 e 14/11/2020), oportunidade em que teriam exigido apoio à coligação Nilson e Jaime, sob pena de serem demitidos Marlize (que tinha um contrato temporário em escola do município), seu esposo Joel, que trabalhava no hospital de Tenente Portela e Sandra (parente de Marlize que trabalhava na SAMU). Marlize referiu que eles exigiram o apoio à candidatura de Nilson, sendo que Eliane colou o adesivo do “15” na porta de sua casa. A seu turno, Joel afirmou que Nilson e Eliane teriam dito que o declarante poderia escolher onde queria trabalhar (na saúde ou no SAMU), caso os apoiasse, do contrário, contatariam a Diretora do hospital em que ele trabalhava, solicitando a demissão do declarante. Em relação à colocação do adesivo na porta, Joel afirmou que foi Marlize que colocou, após a saída dos investigados. Sandra, por sua vez, afirmou que ficou sabendo da ameaça de sua demissão por Marlize, alegando que, em maio do corrente ano, foi demitida da SAMU.

Em relação a tais fatos e depoimentos faço algumas pertinentes ponderações: Marlize mantinha um contrato temporário com o município, o qual foi rescindido no dia 05/11/2020, conforme o termo de rescisão juntado aos autos, ID. 61322131, ou seja, antes do pleito eleitoral, não se sustentando suas alegações de que a demissão se deu após a eleição. A prometida demissão de Joel não se confirmou, embora tivessem manifestado apoio ao Cordeiro, conforme afirmaram em audiência. A demissão de Sandra se deu em razão da rescisão do convênio entre o município e a associação responsável pela contratação de colaboradores da SAMU, tendo sido firmado um novo convênio, dessa vez com o CISA, para tais contratações, conforme afirmado pela própria declarante Sandra. Portanto, não vislumbro indícios de abuso de poder político e de autoridade, tampouco eventual prática de conduta vedada a agentes públicos nos fatos relatados pelas referidas testemunhas a sentença recorrida. (grifo nosso)

 

Diante das diversas condutas ilícitas descritas pelo recorrente, passo a analisar cada uma delas, a seguir:

a) Cooptação de voto e apoio político de “Manecão” por parte do candidato a Prefeito Nilson.

“Manecão” relata que Nilson lhe ofereceu e entregou a quantia de R$ 3.500,00 (Três mil e quinhentos reais) e mais 10 (dez) vales-combustível de 05 (cinco) litros cada, com a finalidade de obter-lhe o voto e o apoio político.

Manecão, além de ser conhecido no município como uma pessoa “brincalhona” e sem compromisso com a verdade, conforme depoimentos colhidos em juízo, apresentou depoimento contraditório e evasivo perante o primeiro grau. Ademais, à época da suposta compra de voto, estava com o título de eleitor suspenso, ou seja, não era eleitor.

Assim, deve ser mantida a sentença nesse ponto.

b) Distribuição de vales-combustível pelo réu Joarêz dos Santos Otonelli para abastecer e fazer campanha em prol da chapa Nilson e Jaime e votar nesses candidatos.

A testemunha Diore Aguiar Foguesato afirmou que, na cerimônia de posse, recebeu de Joel Carvalho e Davi um vale de 05 litros de combustível e que eles possuíam um “feixe” de vales do posto Hermes, fornecido por Joarêz dos Santos Otonelli.

As afirmações de Diore Aguiar Foguesatto (IDs 44858284 e 44858285) não se demonstraram verossímeis, pois conforme testemunho da professora Jaqueline Gonçalves (ID 44858353), ele não era apenas um apoiador da chapa adversária, mas sim um representante desta na Vila Antonelli, tendo a casa de sua mãe como ponto de apoio. Assim, não é crível que empregados de Diore tenham lhe oferecido vales–combustível da campanha do adversário político (Nilson), quando sabidamente era apoiador e atuante na campanha de Luiz Carlos Cordeiro Machado.

De igual modo, os depoimentos sobre tal fato mostram-se frágeis e insuficientes para comprovação da conduta alegada, de modo que a sentença deve ser mantida com relação a esse fato.

c) Compra de votos praticada pelo candidato a vice-prefeito Jaime Jung, mediante oferecimento e entrega de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), bem como proposta de emprego/função à eleitora Catiana Nunes da Silva, e oferecimento de igual valor (R$ 250,00) para Elisiane Lima de Souza para que votassem na chapa Nilson e Jaime, bem como no candidato a vereador “Belô”.

Na inicial, foi imputada ao então candidato a vice-prefeito Jaime Jung a compra de votos das eleitoras Catiana Nunes da Silva e Elisiane Lima de Souza, mediante oferecimento e entrega de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) e promessa de emprego.

Foram apresentadas declarações formalizadas pelas eleitoras, com firma reconhecida em cartório, nas quais afirmaram que, no dia 12 novembro, na residência de Catiana, receberam, diretamente do candidato a vice-prefeito Jaime Jung, a quantia de R$ 250,00, para que votassem na Chapa Nilson Costa e “Chico” Jung, bem como no candidato a vereador “Belô” (Denilson). Esse fato teria sido presenciado pela vizinha Leonilda Carvalho, que também se encontrava na residência de Catiana naquela oportunidade, mas não aceitou o dinheiro oferecido por Jaime.

Entretanto, como muito bem avaliado pelo juízo a quo, Catiana e Elisiane, ao serem ouvidas em juízo, mostraram-se incoerentes, divergentes e não convincentes.

Catiana, aliás, afirmou “que ficou descontente porque os investigados não cumpriram a promessa de emprego”. Ainda, embora não tenha referido qual cargo Jaime teria prometido, disse que quatro dias depois da eleição, no dia 19.11.2020, procurou o advogado da coligação adversária para buscar orientação de como proceder, sendo que a medida adotada foi entregar a “prova” para os adversários de Nilson.

Do mesmo modo, Elisiane, que negou a existência de proposta de emprego, mas movida por possível “crise de consciência”, coincidentemente no mesmo dia em que Catiana registrou sua declaração e, mesmo desconhecendo a providência adotada pela amiga, redigiu idêntico documento, sem ajuda de advogado, documentos esses que foram levados ao cartório para autenticação das assinaturas, casualmente, na mesma data e horários.

A prova produzida pelas eleitoras não possui verossimilhança, seja pela apresentação idêntica de declarações registradas em cartório (com mesmo conteúdo, data e horário de autenticação), levando a crer em uma prévia combinação de teses, seja em virtude das contradições apresentadas pelas referidas eleitoras quando dos seus depoimentos perante o juízo a quo.

Portanto, deve ser mantida a sentença de improcedência.

d) Utilização de ambulâncias municipais para a entrega de ranchos e/ou cestas básicas para os munícipes, em troca de votos.

Essa assertiva surgiu com fundamento em informações de “Manecão”, que teria visto uma ambulância passar na frente de sua residência no final da noite, sendo que desconhecia haver algum enfermo na localidade, tendo ouvido falar em entrega de ranchos em favor de Nilson.

De outro vértice, Marli Ferraz, em seu depoimento extrajudicial, afirmou que houve a utilização de ambulâncias do município para a captação ilícita de sufrágio porque não era comum o uso dos veículos durante a noite, tendo ouvido de Márcia que elas serviam na entrega de ranchos para despistar a oposição. Ainda, Leandro Santana afirmou em depoimento judicial (ID 44858340) que viu as ambulâncias irem para um galpão e que logo voltaram, tendo deduzido que se tratava de entrega de ranchos, até porque ouviu os áudios de Maiara falando da compra de votos.

Em contrapartida, sobreveio aos autos informação da Secretária de Saúde da época, Carla Regina dos Santos Miranda (IDs 44858368, 44858369, 44858370 e 44858371), de que as ambulâncias somente podem ser utilizadas com a sua autorização ou com a do chefe dos transportes da Secretaria, havendo um rígido controle do tráfego, sendo registradas todas as entradas e saídas dos veículos na portaria do estacionamento.

A Secretária destacou, ainda, que a ambulância do SAMU somente pode ser utilizada após a autorização da Central de Regulação do Estado, sendo que tal veículo possui sistema de rastreamento, o qual poderia ser fornecido, caso solicitado. Foram trazidos aos autos informações do Hospital de Tenente Portela (IDs 44858255) sobre o atendimento de pacientes provenientes de Redentora, como também a Planilha de Controle de Entrada e Saída de Veículos Públicos do Município de Redentora (ID 44858208), na qual constam informações sobre a movimentação de veículos, como data, horário e quilometragem de saída e chegada.

Na data na qual teria ocorrido o ilícito, dia 14.11.2020, consta um registro de saída de ambulância, no horário das 13h, com quilometragem de 137506, com retorno às 16h30, constando a quilometragem de 137590, o que é perfeitamente plausível considerando a distância de 38km entre os dois municípios (Redentora e Tenente Portela) e a necessidade de o motorista buscar os pacientes em suas residências.

Logo, entende-se que não restou minimamente comprovada a conduta ilícita alegada, sendo imperativa a manutenção da sentença nesse ponto.

e) Compra de voto perpetrada por Joarêz Otonelli tendo Lizandra Machado Correa (sobrinha de “Manecão”) como beneficiária.

A conduta ilícita mencionada por “Manecão” e Diore Aguiar Foguesatto igualmente não se sustenta, não apenas pela ausência de credibilidade da testemunha “Manecão” (“conhecido no município como uma pessoa “brincalhona” e sem compromisso com a verdade, conforme depoimentos colhidos em juízo”), mas sobretudo porque sequer houve a especificação de qual benefício teria sido percebido por Lizandra.

f) Utilização de maquinário da prefeitura para a realização de serviços no interior de propriedades privadas, em troca de votos.

As afirmações de “Manecão” demonstraram ser meramente genéricas e evasivas, não possuindo força probatória capaz de ensejar uma condenação, pois não houve a indicação de quem seriam os proprietários e qual a localização dos imóveis, de modo que a sentença deve ser mantida.

g) Captação ilícita de sufrágio e conduta vedada ao agente público perpetrada por Eliane, Secretária da Assistência Social (esposa de Nilson), com relação à professora Gilda Sales.

Os fatos narrados consistem em conduta praticada por Eliane (esposa de Nilson) e Márcia (Secretária da Educação) de oferecimento de convocação de horas para a professora Gilda, promessa de emprego para suas filhas e ajuda para pagar faculdade, em troca de voto, sob ameaça de que seria prejudicada em suas atividades profissionais no município, caso não fizesse campanha e se manifestasse politicamente em favor de Nilson, mediante adesivagem de casas da reserva indígena e postagem de foto com o emblema do partido no Facebook.

Foram ouvidas as testemunhas Mariluce Trindade (ID 91941761) e Marli Ferraz (ID 91941762/64), cujos depoimentos se resumiram a afirmar que viram Gilda sair da reunião com Marcia e Eliane, sem saber o assunto tratado, referindo que ela carregava uma pasta na mão e teria saído chorando. O depoimento do Vereador Vanderlei da Rosa, de igual modo, limitou-se a afirmar que participou da gravação do vídeo com Gilda, mas sem tomar qualquer providência, optando por entregar a “prova” aos adversários de Nilson.

Em sede de defesa, os recorridos afirmaram que o agendamento da reunião se deu por iniciativa e insistência da própria Gilda, mediante o envio de mensagens para Márcia, via aplicativo de WhatsApp (ID 75035777), então responsável pela pasta da Secretaria de Educação. Marcia alegou que presenciou a solicitação de benesses por Gilda, as quais não foram aceitas por Eliane.

Foram ouvidas as testemunhas Ana Paula Trein (ID 92926667/80), Daiane Schroeder (ID 92993586/92995827) e Marcia Aline Dornelles Marques (ID. 92993575/82), lotadas na Secretaria de Educação, quando todas afirmaram que em nenhum momento houve alteração de lotação da professora Gilda, ratificando que, no início do ano letivo de 2021, por um curto período, ela atendeu alunos indígenas da Escola Assis Brasil, junto à Escola Américo dos Santos, porque houve tal necessidade e estava de acordo com a formação da professora Gilda, que voltou a exercer suas funções na sede da Escola Assis Brasil quando suprida a necessidade daquela turma.

Ao que tudo indica, o interesse na conversa com a primeira-dama partiu de Gilda, seja em razão da troca de mensagens entre Gilda e Márcia, como também pela declaração de Vanderlei Silvestre (ID 92990496/99), chefe do gabinete do prefeito, de que ela teria procurado o mandatário. Ademais, a própria Gilda confirmou em juízo o diálogo por WhatsApp, onde refere que teria “proposta do outro lado”, deixando implícito o possível interesse em negociar com Nilson e Eliane.

Desse modo, as alegações carecem de prova contundente, tanto no que se refere à ameaça quanto às retaliações que pudessem dificultar o exercício funcional da professora, devendo ser mantida a sentença com relação ao fato.

h) Abuso do poder político quando de ameaças à professora Marlize Gobbi e seu marido Joel Machado da Silva.

Primeiramente, na esteira do sublinhado pela douta Procuradoria Eleitoral, esse fato não foi suscitado na peça exordial, tendo sido trazido aos autos somente em sede de alegações finais e ponderado pelo juízo a quo quando da prolação da sentença. Assim, poderia ter sido questionado em face dos princípios da congruência ou adstrição e do contraditório e ampla defesa. De qualquer forma, os fatos aventados não restaram minimamente comprovados, sobretudo diante das contradições dos depoimentos de Marlize (IDs 4458313, 44858314, 44858315 e 44858316) e de Joel (IDs 44858318 e 44858319).

Marlize e Joel afirmam que Nilson e Eliane teriam feito uma visita à sua casa na semana da eleição (entre 09.11.2020 e 14.11.2020), oportunidade em que teriam exigido apoio à coligação Nilson e Jaime, sob pena de serem demitidos: Marlize (que tinha um contrato temporário em escola do município), Joel (que trabalhava no hospital de Tenente Portela) e Sandra (parente de Marlize, que trabalhava na SAMU).

Marlize afirmou que Eliane colou o adesivo do “15” na porta de sua casa. A seu turno, Joel afirmou que Nilson e Eliane teriam dito que ele poderia escolher onde queria trabalhar (na saúde ou no SAMU), caso os apoiasse, do contrário, contatariam a diretora do hospital em que ele trabalhava, solicitando a demissão do declarante.

Marlize alega que foi demitida após a eleição. Ocorre que ela mantinha um contrato temporário com o município, o qual foi rescindido no dia 05.11.2020, conforme o termo de rescisão juntado aos autos (ID 61322131), ou seja, antes do pleito eleitoral. A demissão de Sandra ocorreu em razão da rescisão do convênio entre o município e a associação responsável pela contratação de colaboradores da SAMU, tendo sido firmado um novo convênio, desta vez com o CISA, para tais contratações, conforme afirmado pela própria declarante Sandra. Já a suposta demissão de Joel nunca ocorreu, embora tivesse manifestado apoio ao Cordeiro, conforme afirmaram em audiência.

Dessarte, não verifico indícios de abuso de poder político e de autoridade, sequer eventual prática de conduta vedada a agentes públicos nos fatos relatados pelas referidas testemunhas, de modo que se demonstra inevitável a manutenção da sentença recorrida.

Cumpre observar que, analisando os fatos acima descritos e, conforme bem assinalado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, as provas devem ser suficientemente robustas tendo em vista a gravidade das consequências jurídicas (ID 44948991):

Faz-se necessário destacar, inicialmente, que, diante das graves consequências jurídicas das infrações descritas nos artigos 41-A e 73, ambos da Lei n° 9.504197, e do artigo 22 da LC nº 64/1990, o conjunto probatório deve ser preciso, contundente e incontestável, não sendo bastantes, para a procedência da demanda, meras presunções.

 

Assim, diante das contradições nos depoimentos prestados pelas testemunhas, tenho que as provas carreadas ao feito, com relação aos itens a, b, c, d, e, f, g e h, não são suficientes para o juízo condenatório, devendo ser mantida a sentença de improcedência, nos termos dos precedentes do TSE:

Eleições 2016. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei 9.504/97. Candidato a vereador eleito. Condenação. Gravação ambiental. Prova robusta. Ausência.

1. A tese de ilicitude da prova, por impossibilidade de identificar se a gravação foi realizada em ambiente público, não foi expressamente examinada pelo Tribunal a quo, ainda que tenham sido opostos embargos de declaração pelo candidato a vereador. Nada obstante a ausência de enfrentamento do tema pela Corte de origem, não foi alegada ofensa ao art. 275 do Código, razão pela qual incide o óbice do verbete sumular 72 desta Corte Superior.

2. Para afastar a afirmação do Tribunal a quo no sentido de que o diálogo entabulado na gravação ambiental se deu entre o recorrente e envolvia efetivamente um eleitor, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório, providência vedada nesta instância especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.

3. O TRE/MG concluiu pela configuração da prática de captação ilícita de sufrágio, embasando-se, além do depoimento pessoal do candidato ao reconhecer sua voz (mas negando a prática ilícita), em uma única prova consistente em gravação ambiental, sem efetivamente declinar as circunstâncias da produção desse elemento probatório e destacando pequeno trecho de diálogo, de teor vago sobre eventual cooptação de voto, do qual não é possível inferir, com segurança, a existência da conduta ilícita.

4. ‘A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a grave pena da cassação do diploma, pelo que se exige para o seu reconhecimento conjunto probatório robusto, apto a demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito e a participação ou anuência dos candidatos beneficiários com a prática.’ (AgR-RO 2240-81, rel. Min. Rosa Weber, DJe de 6.8.2018).

Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 69233, Acórdão, Relator: Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 28.05.2019.) (Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. SUPOSTO ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PROVA ROBUSTA E GRAVIDADE DOS FATOS. INEXISTÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. Inexiste ofensa ao art. 36, § 7º do RITSE, amparada a decisão na legislação aplicável à espécie e na jurisprudência deste Tribunal. 2. Imprescindível para a configuração do abuso de poder prova inconteste e contundente da ocorrência do ilícito eleitoral, inviabilizada qualquer pretensão articulada com respaldo em conjecturas e presunções. Precedentes. 3. Além disso, a quantia de R$ 10.300,00 (dez mil e trezentos reais), ainda que utilizada com o escopo de obter apoio político, é incapaz de afetar os bens jurídicos da normalidade e legitimidade, bem como da isonomia entre os candidatos, considerando o contexto de eleições gerais para o cargo de Deputado Federal, com abrangência em todo o estado da federação.4. Agravo Regimental desprovido.

(RO n. 060000603, Acórdão, Relator: Ministro ALEXANDRE DE MORAES, DJE de 02.02.2021.) (grifo nosso)

 

Por esses motivos, na esteira do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, uma vez constatada a escassez e a precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, deve ser mantido o juízo de improcedência da demanda com relação à prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico e político pelos recorridos quanto aos fatos envolvendo: Manecão, Catiana e Elisiana, Robson e Cristiano, Joarêz e Gilda.

De outro vértice, no dia 13.11.2020, há dois dias do pleito eleitoral (Ocorrência Policial n. 431/2020), na localidade de Barreiro, interior de Redentora-RS, por volta das 10h30min da manhã, houve a apreensão da quantia de R$ 15.500,00 (quinze mil e quinhentos reais) em espécie e 58 (cinquenta e oito) vales-combustível de cinco litros de gasolina, na caminhonete do recorrido Nilson Paulo Costa.

O juízo a quo concluiu no sentido de não haver prova irrefutável de que os bens apreendidos pela Brigada Militar pertenciam ao investigado Nilson, embora tenha reconhecido as inconsistências na tese defensiva acerca da origem do dinheiro, qual seja, de que o numerário e os vales pertenciam a Willian, filho de Nilson.

Como muito bem examinado pelo Procurador Eleitoral, não pode prosperar o raciocínio empregado pelo magistrado a quo, como transcrevo abaixo:

Tal entendimento, data maxima venia, merece reparos, pelo simples fato de que, caso a mala preta apreendida com o Prefeito Nilson não fosse de sua propriedade, mas sim de seu filho, os policiais deveriam ter encontrado no interior da caminhonete DUAS MALAS PRETAS, pois inúmeros foram os testemunhos dando conta de que Nilson transitou na manhã da apreensão em posse de uma mala de cor preta, como é o caso dos depoentes indicados pela defesa Eder Otonelli de Moura (IDs 44858372, 44858373, 44858374 e 44858375), que afirmou que Nilson esteve em seu mercado na manhã da apreensão portando uma pasta preta com material de campanha, e Cleusa Marques (IDs 44858376, 44858377, 44858378, 44858379 e 44858380), proprietária do mercado em que ocorreu a apreensão, a qual reconheceu em juízo a foto da mala apreendida como sendo a mesma que Nilson portava naquela manhã, embora tenha afirmado que o seu conteúdo era apenas de propaganda eleitoral e planos de governo.

A prova derradeira de que Nilson portava uma mala preta na manhã da apreensão decorre dos vídeos colacionados à inicial, em que eleitores filmaram o referido candidato ingressando na casa do depoente Eder (ID 44858150), fato que, como dito acima, foi corroborado pelas testemunhas. Nos referidos vídeos Nilson, em certo momento, levanta o braço com o qual segura uma mala preta, e em seguida ingressa em sua caminhonete (ID 44858151 – 2'04'' até 2'19” e ID 44858152 – 0'45” até 1'16”).

A justificativa apresentada pelo proprietário do posto Hermes, Celso Abegg Hermes, de que “alguns clientes costumam comprar grandes quantidades de combustível para retirar o produto conforme a necessidade, utilizando os vales para abastecimento”, mostra-se muito pouco plausível, sob o ponto de vista administrativo e financeiro, ante a política de preços dos combustíveis utilizada no Brasil e considerando que na época das eleições os preços dos combustíveis já estavam sofrendo grandes variações, as quais poderiam, inclusive, em questão de um mês, absorver o percentual de lucro do posto de combustíveis.

Diante da efetiva demonstração de que o dinheiro e os vales, apreendidos pela Brigada Militar, eram, de fato, de propriedade do demandado Nilson, que, às vésperas das eleições, transitou por diversos estabelecimentos comerciais portando a maleta que os continha, somada às demais provas materiais e testemunhais que dão conta de uma vasta distribuição de vales e de ranchos na cidade de Redentora, mostra-se inafastável a conclusão de que houve a prática de abuso do poder econômico em prol da candidatura de Nilson e Jaime.

O juízo de primeiro grau, quando da análise individual das condutas praticadas por Maiara Rodrigues Fogaça e Rosemeri Muller Lunhane, consistentes na entrega de cestas básicas e/ou ranchos em troca de votos para os investigados Nilson e Jaime, considerou como inexistente a prova acerca da captação ilícita de sufrágio e/ou abuso do poder econômico. Contudo, tem-se que tais fatos, corroborados pela apreensão antes referida, demonstram que, efetivamente, houve a distribuição de bens em prol da candidatura de Nilson e Jaime, de modo a interferir na normalidade e legitimidade do pleito.

Como já dito, restou suficientemente demonstrado que na manhã da apreensão o candidato Nilson transitou por diversos estabelecimentos comerciais no interior de Redentora na posse de uma mala preta, inclusive tendo sido filmado ostentando tal objeto com o braço erguido, sendo que poucas horas depois seu carro foi submetido a uma revista policial, momento em que foi apreendida em seu poder uma grande quantidade de dinheiro e vales-combustível.

Os áudios produzidos pela demandada Maiara (IDs 44858141 44858142), que explicitamente demonstram a prática abusiva, não podem ser considerados como uma mera brincadeira/provocação, como consignado na sentença. Não obstante a tentativa da defesa de afastar a ilicitude evidenciada pelas declarações de Maiara, tem-se que restou indubitavelmente comprovado o abuso do poder econômico, haja vista o conteúdo dos áudios repassados pelo aplicativo Whatsapp, no qual ela afirma que está no mercado para comprar ranchos e distribuir “afu” e diz que levará quantia em dinheiro para um suposto eleitor.

De se destacar que, embora a demandada tenha dito, tanto em juízo quanto perante o MPE, que o áudio sobre a distribuição de ranchos foi feito após as eleições, para provocar os adversários, tal assertiva não restou demonstrada, pois a imagem colacionada pela defesa no ID 44858238, em que aparece a data de 17.11.2020, não é meio hábil para a demonstração acerca da data em que produzido o áudio, que pode muito bem ter sido encaminhado em momento posterior pelo aplicativo WhatsApp.

A distribuição de ranchos nos mercados em que o candidato Nilson esteve na manhã da apreensão também restou demonstrada pelas imagens captadas por Airton Ribeiro, em que sua irmã, Rosemeri Muller Lunhane (Polaca) (IDs 44858143, 44858144, 44858145, 44858146, 44858147, 44858148 e 44858149), foi flagrada nos fundos do Mercado Hermes, carregando aproximadamente 12 cestas básicas em um táxi. Tal fato, em cotejo com os demais elementos de prova constantes no caderno processual originário, demonstra a ampla distribuição de ranchos nos dias que antecederam o pleito, uma vez que não é possível crer que a grande quantidade de cestas básicas (12) obtidas por Rosimeri de forma “clandestina”, pois carregadas em acesso lateral do mercado, seriam destinadas a um único núcleo familiar.

O vídeo constante no ID 44858153, que, se analisado de forma isolada, não pode ser tido como comprobatório da prática eleitoral ilícita, no contexto dos autos também demonstra que houve a efetiva entrega de ranchos/cestas básicas por apoiadores de Nilson e Jaime. Inclusive, Eder Santos da Rosa, motorista do gabinete da Prefeitura, ocupante de cargo em comissão, quando do seu depoimento junto ao MPE (ID 44858170), reconheceu a autenticidade do vídeo em questão, tendo afirmado que Alexsandro Vieira (Galeto) participou de tal ato, mas, estranhamente, disse não se recordar das circunstâncias em que houve o transbordo de três sacolas de ranchos para o seu veículo.

Dentre as testemunhas que presenciaram o carregamento de ranchos nos mercados18: 1) Leandro Santana (IDs 44858339, 44858340, 44858341, 44858342 e 44858343) viu servidores da prefeitura carregando rancho no Mercado Preto. Afirmou que jamais os tinha visto naquela localidade e que, quando os servidores o viram, “disfarçaram” o que estavam fazendo; 2) Thiago Fialho (ID 44858344), reiterou os mesmos fatos relatados por Leandro sobre a distribuição de ranchos no Mercado Preto; 3) Jandir Ottonelli (IDs 44858336) afirmou que ficou sabendo da distribuição de dinheiro nos mercados da cidade e que presenciou o Prefeito Nilson no dia da apreensão portando a mala preta.

O policial militar Rodrigo Mendonça, responsável pela apreensão da mala, no seu depoimento perante o juízo (IDs 44858399 e 448583400), informou que, embora tenham se dirigido ao local da apreensão em decorrência de um telefonema dando conta de que o Prefeito estava sendo perseguido, a Brigada Militar até aquele momento tinha recebido inúmeros telefonemas relatando que estava ocorrendo compra de votos e entrega de ranchos no interior de Redentora, e que, diante de tais informações, procedeu o encaminhamento de Nilson para a Delegacia de Polícia, pois, dada a grande quantidade de dinheiro e vales-combustível em sua posse, considerou que estava diante de flagrante delito.

Assim, considerando que o candidato Nilson, sem qualquer justificativa plausível, estava de posse de grande quantidade de dinheiro e de vales-combustível, e que, inclusive, faltou com a verdade sobre a origem dos valores quando do seu depoimento perante a Autoridade Policial, e levando-se em conta que aportaram aos autos outros elementos de prova, tanto documentais quanto testemunhais, de que o referido candidato estava transitando pelos mercados da cidade e que foram registrados nesses mercados carregamentos suspeitos de cestas-básicas e/ou ranchos, resta configurada a prática de abuso do poder econômico, a qual, no entender do Ministério Público Eleitoral, interferiu na normalidade e legitimidade do pleito de Redentora, nas eleições de 2020, gerando indevida quebra do princípio da igualdade de chances entre os candidatos.

Entretanto, não está caracterizada a configuração de captação ilícita de sufrágio na forma pretendida pelo recorrente, haja vista a falta de elementos suficientes para identificação dos eleitores corrompidos mediante distribuição gratuita de bens.

Por outro lado, a sentença merece reforma também no que diz respeito aos fatos que envolvem os atos coercitivos praticados por Nilson e Eliane em face de Marli Ferraz e seu filho Lucas Ferraz, os quais evidenciam a prática de abuso do poder político e de autoridade e de conduta vedada ao agente público.

Com efeito, os áudios colacionados à inicial (IDs 44858136 e 44858137) contêm conteúdo gravíssimo e demonstram que, efetivamente, Nilson e Eliane coagiram a servidora pública Marli e o contratado da prefeitura Lucas para que houvesse apoio à candidatura de Nilson, sob pena de represálias, bem como ofereceram vantagem para o transporte de passageiros a ser realizado, aparentemente, no domingo da eleição.

No diálogo entabulado com Marli, Nilson afirma que: 1) Lucas vai ter que se definir; 2) Giovani – transportador que apoiou adversário político – vai perder, havendo, inclusive, um substituto para ele; 3) se mudarem de lado será um “tapa na cara”; 4) parceria não se muda assim, repensem bem!; 5) eles devem tomar uma posição.

Em seguida, Marli conversa com Eliane, a qual afirma que: 1) Lucas deve puxar gente para nós; 2) vamos pagar mais do que estão pagando lá; 3) o Dr. Jaques está trabalhando para pagar logo e o Lucas vai para o outro lado!; 4) se as prestações do ônibus estão atrasadas, com nós vai ficar em dia, porque o outro lado não vai ganhar a eleição (sic); 5) ele vai “amargar” se não optar; 6) eleição é domingo, ele que bote um preço e venha trabalhar aqui.

Em seu depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, Marli Ferraz (IDs 44858188 e 44858189) referiu ser servidora pública da Secretaria de Educação há quase 17 anos e que, em razão da mudança de posicionamento político nas eleições municipais em Redentora, sofreu represálias de seus superiores, conforme bem explicitado na petição inicial:

Ouvida, Marli Ferraz referiu ser servidora da Secretaria de Educação de Redentora há quase 17 anos e que, nos últimos quatro anos, com o Prefeito Nilson, houve significativa mudança no trabalho, eis que o Prefeito trata os servidores como seres inferiores. Esclareceu que, dessa forma, resolveu, conjuntamente com o seu filho Lucas, apoiar outro partido e que, em razão disso, durante a campanha, por diversas vezes, Eliane e Nilson mandaram recados e os contataram, tanto por telefone como pessoalmente, “ameaçando-os” caso não os apoiassem.

Quanto aos áudios gravados, Marli referiu que Nilson e Eliane ligaram no mesmo dia, solicitando apoio e “cobrando” que eles não poderiam apoiar o outro candidato, sob pena de Lucas perder os contratos com a Prefeitura. Ainda, referiu que o Município não pagou o contrato do transporte referente ao mês de novembro, com vencimento no dia 10. Por tal motivo, no dia 18, procurou o Prefeito que a “atropelou” da Prefeitura, tendo sido humilhada por Nilson, o qual afirmou que não pagaria “nota nenhuma”, tendo saído de lá chorando.

Disse que no local em que trabalha (Secretaria de Educação), a Secretária Márcia, que fez campanha em horário de expediente durante toda a campanha, trocou o bebedouro de água que era utilizado por ela e pela colega Mariluce, por outro velho, solicitando aos demais servidores que deixassem este apenas para “as duas tomarem”, situação que a deixou muito triste. Ainda, que lhe retiraram todas as senhas de acesso aos sistemas e e-mail, sendo que há necessidade de pedir a outros funcionários que abram o sistema para que possa trabalhar. Afirmou que Nilson disse-lhe, pessoalmente, para que ela e o filho colocassem “preço”, a fim de que voltassem a apoiá-lo.

Diante do teor dos áudios colacionados à inicial e do depoimento prestado por Marli perante o MPE, tem-se como configurado o abuso do poder econômico e a conduta vedada a agente público de, nos três meses que antecedem o pleito e até a posse dos eleitos, dificultar ou impedir o exercício funcional (art. 73, inc. V, da Lei nº 9.504/97), pois os demandados questionaram acerca do preço que Marli e Lucas almejavam receber para apoiar Nilson e, além disso, ameaçaram proceder um embaraço de suas atividades, mediante grave ameaça (“sob pena de amargar”).

Procede também o pleito formulado pelo MPE acerca da ocorrência de abuso de poder político, perpetrado por Nilson e Eliane em face de Lucas Ferraz, visto que ambos utilizaram sua posição de poder na Prefeitura de Redentora para influenciar eleitor e contratado municipal para posicionar-se a favor da candidatura de Nilson e para que trabalhasse na campanha. Eis o teor da inicial, verbis:

Em sua oitiva, Lucas Ferraz disse que tem contrato com o Município de Redentora para fazer o transporte escolar, bem como contrato com o frigorífico Mais Frango para o transporte dos funcionários. Disse que Nilson e Eliane ligaram diversas vezes para a sua mãe Marli para que ele “puxasse eleitores no dia da eleição”, “que era para botar preço”, o que foi rejeitado, inclusive porque o veículo usado para o transporte dos funcionários do frigorífico é exclusivo, em vista da pandemia. Aduziu ter entendido que a expressão “colocar preço” referia-se não só ao valor do serviço do transporte dos eleitores, mas também do seu voto, e que se sentiu ameaçado quando afirmaram que iria “amargar” caso não os apoiassem.

Em complementação, afirmou que, por inúmeras vezes, receberam “recados” ou interpelações de forma direta e pessoal de Nilson para que fizessem campanha a seu favor, já que “trabalhavam na Prefeitura”. Disse que estão sendo “ameaçados” diariamente por pessoas ligadas a Nilson, uma vez que estão dizendo para a sua mãe que a colocarão trabalhar no interior e que ele vai ficar sem trabalhar com os ônibus (Lucas), que não vai mais prestar o serviço para a prefeitura.

Por fim, pontuou que dos três transportadores que prestam serviço para a municipalidade, somente Eder, que apoiou Nilson, recebeu na data certa (10 de novembro), e que sua mãe procurou Nilson no dia 18 de novembro para tratar a respeito do atraso no pagamento, tendo sido humilhada por ele, sendo que houve o pagamento no dia 19, pois sua mãe disse que procurariam o Ministério Público (termo de audiência da fl. 99 do PPE e áudios 1 e 2).

Vê-se que, de fato, Nilson e Eliane coagiram Marli, mas, sobretudo, Lucas Ferraz, a darem apoio público a Nilson, sob pena de “amargar”. A afirmação de Nilson acerca das retaliações que Giovani Maçalai sofreria por ter apoiado Cordeiro, somada às assertivas de Eliane, sobretudo a fala de que ele vai “amargar” se não optar por apoiar Nilson, confirma que houve uma efetiva coação do contratado da Prefeitura para que desse apoio político ao atual prefeito, ato que se consubstancia em abuso do poder político, pois Nilson e Eliane, valendo–se de suas posições e em manifesto desvio de finalidade, atuaram em benefício eleitoral próprio, de modo a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre os candidatos.

Importante destacar que as ameças relatadas por Marli se confirmaram após as eleições, considerando que foram retiradas dela as suas senhas de acesso aos sistemas da Secretaria de Educação, onde é lotada, e, em seguida, houve a sua remoção para uma escola remota e a exoneração da função gratificada percebida junto à Secretaria de Educação.

A mudança de posicionamento durante os depoimentos judiciais de Marli e Lucas, ao contrário do consignado na sentença, apenas confirma que houve o cumprimento das ameaças sofridas por Marli, pois, como dito, ela teve suas senhas de acesso retiradas, o que resulta em constrangimento perante os demais servidores, e, após, foi determinada sua remoção para escola distante de sua residência, bem como sua exoneração da função gratificada até então recebida.

Além disso, restou comprovado, durante a instrução processual, que Lucas manteve vínculo com a Prefeitura por via transversa, o que também justificaria a mudança de seu posicionamento perante o juízo, haja vista o receio de nova represália, tal como ocorrido com sua mãe.

Giovani Maçalai, pessoa citada por Nilson no áudio captado por Marli como sendo um dos prejudicados em razão do apoio ao candidato Cordeiro, quando do seu depoimento judicial (IDs 44858310 e 44858311) declarou que: 1) tinha contrato com a prefeitura para o transporte escolar e para a empresa Mais Frango; 2) ao ouvir o áudio entendeu que houve pressão de Nilson e Eliane para que apoiassem e trabalhassem na campanha; 3) apoiou Cordeiro na campanha eleitoral e não teve seu contrato renovado junto à Prefeitura; 4) soube da transferência de Marli e ela lhe confidenciou que estava doente e com depressão, pois seria retirada do setor; 5) Lucas comentou na época que estava nervoso e que não conseguia dormir em razão das ameaças sofridas; 6) Lucas continua fazendo transporte para a prefeitura, pois obteve de seu primo, este efetivo contratado da prefeitura, uma procuração para a realização do transporte; 7) que tinha combinado com Lucas para irem na Prefeitura para protocolar o pedido, mas ele não compareceu, e, ao questionar sobre a ausência, Lucas lhe disse que seu tio havia conversado com Nilson e que este prometeu que Lucas continuaria fazendo transporte.

A mudança de posicionamento de Marli e Lucas resta, portanto, plenamente compreensível. O testemunho de Giovani corrobora, na verdade, os depoimentos prestados junto ao MPE, pois nele verifica-se que tanto Marli quanto Lucas estavam sobremaneira receosos com as ameaças sofridas, fato que resultou na insônia de Lucas e na enfermidade e depressão de Marli.

Gize-se ainda que a suspeita contida na sentença acerca da suposta fragmentação do áudio, além de não encontrar nenhum amparo nas provas colhidas durante a instrução, é irrelevante para a elucidação dos fatos, visto que não houve impugnação ao conteúdo da conversa mantida entre os interlocutores Nilson, Eliane e Marli. (grifo nosso)

 

Como dito antes, no dia 13 de novembro de 2020, às 10h30min, ou seja, às vésperas das eleições, o então candidato à reeleição, Prefeito Nilson Paulo Costa, foi abordado pela Brigada Militar, oportunidade em foi apreendida uma sacola preta com o logotipo da Prefeitura Municipal de Redentora, contando a importância em espécie de R$ 15.500,00, em notas de R$ 100,00 e R$ 50,00, além de 58 vales-gasolina, do Posto de Combustível Hermes, do Município contíguo de Miraguaí.

Inicialmente, Nilson afirmou desconhecer a origem do dinheiro, contudo, posteriormente, na Delegacia de Polícia, acompanhado de advogado, declarou que os valores apreendidos eram de propriedade de seu filho Willian e que os vales-combustível seriam utilizados em uma carreata.

Foi verificada, junto à Brigada Militar, a inexistência de qualquer requerimento para realização de carreata pela Coligação Redentora Avante.

Em depoimento, Celso Abegg Hermes, proprietário do posto de gasolina que emitiu os vales apreendidos, apresentou versão diversa, afirmando que os vales e o dinheiro foram esquecidos por Willian no carro de seu pai enquanto conversavam, pois que faz parte da rotina do estabelecimento retirar os valores no início da tarde, por receio de furto/roubo.

Nilson foi visto e filmado, em via pública, balançando a maleta preta apreendida, de modo que é inegável seu conhecimento acerca do objeto.

Além disso, as declarações prestadas durante o procedimento preparatório foram confirmadas pelas testemunhas em juízo, corroborando o grande fluxo de valores utilizados pela campanha de Nilson e Jaime, sendo que há depoimentos que relataram que o valor em espécie era de R$ 70.000,00.

No que refere à entrega de ranchos e/ou cestas básicas em prol da candidatura de Nilson e Jaime, há áudios encaminhados por Maiara Fogaça em grupo do aplicativo WhatsApp (IDs 44858141 e 44858142), nos quais consta a afirmação de que ela estava na Cotricampo esperando para fazer compras para “entregar rancho a fu”. Já quanto à candidata Rosimeri Müller Lenhane (candidata a vereadora), esta foi fotografada por seu irmão, saindo por uma entrada lateral do Mercado Hermes, carregando 12 cestas básicas em um táxi (IDs 44858148 e 4485 8149 e 44858153).

De outra banda, a sentença merece reforma também no que diz respeito aos fatos que envolvem os atos coercitivos praticados por Nilson e Eliane em face de Marli Ferraz e seu filho Lucas Ferraz, os quais evidenciam a prática de abuso do poder político e autoridade.

Os áudios juntados à inicial (IDs 44858136 e 44858137) possuem conteúdo gravíssimo e demonstram que, efetivamente, Nilson e Eliane coagiram a servidora pública Marli e o contratado da prefeitura Lucas para que apoiassem a candidatura de Nilson, sob pena de represálias, bem como ofereceram vantagem para o transporte de passageiros a ser realizado, aparentemente, no domingo da eleição.

Chama a atenção a conversa entre Marli e Eliane (esposa de Nilson e Secretária da Educação), na qual esta afirma que: “1) Lucas deve puxar gente para nós; 2) vamos pagar mais do que estão pagando lá; 3) o Dr. Jaques está trabalhando para pagar logo e o Lucas vai para o outro lado!; 4) se as prestações do ônibus estão atrasadas, com nós vai ficar em dia, porque o outro lado não vai ganhar a eleição (sic); 5) ele vai “amargar” se não optar; 6) eleição é domingo, ele que bote um preço e venha trabalhar aqui.”

Pelo exposto, entendo que os áudios, oriundos de captação telefônica juntados ao Procedimento Preparatório Eleitoral – PPE e também a esses autos (ID 44858136 e 44858137), configuram provas contundentes acerca da pressão exercida pelos representados Nilson e Eliane para que Lucas não realizasse qualquer serviço de transporte para os partidos contrários, bem como se posicionasse publicamente para apoiá-los, sob pena de “amargar”.

Ao contrário do externado na sentença, considerando a análise probatória trazida na peça inicial (Procedimento Preparatório Eleitoral n. 00941.000.894/20) e colhida ao longo da fase de instrução, tenho como comprovado o abuso do poder econômico por meio da distribuição de cestas básicas, assim como o abuso do poder político revelado pelas ameaças a Marli Ferraz, servidora pública municipal há 17 anos, e a seu filho Lucas, contratado junto à prefeitura para a realização de transporte escolar para a Coligação Redentora Avante – PDT e MDB (Nilson Costa e Jaime Jung) no pleito eleitoral de 2020 (IDs 44858136, 44858137 e 44858181).

 

REL 0600471-43.2020.6.21.0140

LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, LEOMAR DOUGLAS RIBEIRO, candidatos, respectivamente, a prefeito e vice-prefeito, não eleitos, em Redentora, e a COLIGAÇÃO UNIDOS POR REDENTORA (PSDB / PSB / PTB / PT / PP) interpuseram recurso contra sentença exarada no REl 0600471-43.2020.6.21.0140 pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral de Coronel Bicaco-RS, reiterando as alegações da inicial no sentido de que houve entrega de dinheiro, distribuição gratuita de combustíveis, entrega de cestas básicas, utilização de servidores e veículos públicos em prol da campanha eleitoral de Nilson e Jaime, bem como a coação de servidores públicos e prestadores de serviços terceirizados para aderirem à campanha política dos investigados, além do constrangimento de eleitores nas seções eleitorais com o fim de inibir a liberdade do voto.

A sentença julgou improcedente a ação (ID 44858723), sob o fundamento de ausência de prova idônea, concreta e irretorquível, subsistindo razoável e pertinente dúvida sobre os fatos narrados, em especial porque uma decisão de cassação de mandato requer um juízo de certeza, alicerçado em provas robustas e incontroversas acerca da ocorrência de ilícito eleitoral com gravidade para macular a normalidade e legitimidade da eleição, elementos que não estão presentes no caderno probatório.

Esse feito tem relação direta com a AIJE registrada sob o n. 0600472-28.2020.6.21.0140, proposta pelo Ministério Público Eleitoral em face dos candidatos à chapa majoritária Nilson Paulo Costa e Jaime Jung, bem como contra Eliane Amaral Costa, Maiara Rodrigues Fogaça, Rosemeri Müller Lenhane, Robson Cristiano Schwarzbold e Joarêz dos Santos Ottonelli, pois ambas as ações estão fundadas em vários fatos e provas idênticos.

Assim, ratifico o exame de mérito relativo ao Recurso na AIJE 0600472-28.2020.6.21.0140 em relação aos fatos descritos acima, alíneas “a” a “h”, no sentido de manter a sentença de improcedência.

Contudo, tenho como comprovado o abuso do poder econômico, revelado pela apreensão, pela Brigada Militar, no dia 13 de novembro de 2020, às 10h30min, às vésperas das eleições, da importância em espécie de R$ 15.500,00, em notas de R$ 100,00 e R$ 50,00, além de 58 vales-gasolina do Posto de Combustível Hermes, do Município contíguo de Miraguaí, no veículo do candidato à reeleição, Prefeito Nilson Paulo Costa, em uma sacola preta com o logotipo da Prefeitura Municipal de Redentora, e distribuição de cestas básicas e ranchos, assim como pelo abuso do poder político, diante das ameaças a Marli Ferraz, servidora pública municipal há 17 anos, e a seu filho Lucas, contratado junto à prefeitura para a realização de transporte escolar a Coligação Redentora Avante – PDT e MDB (Nilson Costa e Jaime Jung) no pleito eleitoral de 2020.

Na espécie, a inicial refere que, por ocasião da abordagem pela Brigada Militar, na manhã do dia 13.11.2020, Nilson Paulo Costa estaria acompanhado dos servidores públicos André Batista (Paiero), Alexsandro Vieira Vigne (Galeto), David Candido Batista e Douglas Tesche, indicando que sua primeira parada teria ocorrido na Vila São João, no mercado do Eder, seguindo para a Vila Otonelli, no mercado do Miro e, por fim, na Localidade de Barreiro, mercado da Cleusa.

Entretanto, quanto à participação desses servidores, não houve demonstração de que estariam presentes no momento da apreensão da mala, pois o policial militar Rodrigo de Siqueira Mendonça asseverou, convictamente, que Nilson estava sozinho no momento da abordagem, sendo que depois teriam chegado alguns apoiadores, sem precisar, contudo, quem seriam essas pessoas.

Igual entendimento em relação a Eder Santos da Rosa e Alexsandro Vieira Vigne (Galeto), pois embora haja o vídeo colacionado no ID 44858442, no qual é feito o carregamento de ranchos de um automóvel para o veículo de propriedade do servidor Eder Santos da Rosa, que confirmou a autenticidade do vídeo, embora não tenha justificado o que de fato faziam ambos naquele momento, não é possível concluir o envolvimento direto na distribuição. E, ademais, em seu depoimento perante o Ministério Público Eleitoral (ID 44858170 – PJE nº 0600472-28.2020.6.0140), Eder negou participação nos atos ilícitos.

De igual forma, na esteira do que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, não ficou demonstrada a participação dos servidores Robson, Valdir e Lucas quanto ao ilícito de distribuição de cestas básicas, pois o vídeo retrata apenas a cena de pessoas fazendo compras em supermercado.

No que refere ao ilícito imputado na inicial, de utilização da frota de veículos da Secretaria de Educação e Saúde para transporte de eleitores e para realização de mudanças a particulares, deve ser mantida a sentença de improcedência (ID 44858723):

A peça preambular refere possíveis ilícitos consistentes no transporte de eleitores indígenas que se encontravam em Rio Grande, ocorrido em 13/11/2020, ilustrado com imagens dos veículos da Secretaria de Educação e Saúde, o transporte de mudanças a particulares, nas proximidades da eleição (vídeo juntado aos autos, ID. 61322136) e o possível uso de ambulâncias para entrega de cestas básicas na véspera do pleito.

Em relação ao suposto transporte de indígenas, os investigados trouxeram aos autos os documentos IDs. 76780328, 76780328, 76780336), que dão conta da solicitação apresentada pela Secretaria do Índio, para buscar famílias indígenas que se encontravam em Santa Maria e Rio Grande, o que foi deferido e realizado pela municipalidade no dia 31/10/2020, não se vislumbrando ilícito eleitoral atribuível aos investigados, em decorrência de tal fato.

No que diz à realização de mudanças a particulares, por veículos do município, foi ouvida a testemunha Darines Cruz (ID. 91926788), a qual afirmou que fez a gravação e divulgou no grupo de campanha dos adversários de Nilson porque entendeu que se tratava de medida eleitoreira. Confirmou tratar-se de família residente em bairro pobre, referindo que era comum o município realizar serviços dessa natureza. Pelos investigados foi informado que a prestação desses serviços é precedida de solicitação e encaminhamento pela Secretaria Municipal de Assistência Social. Assinalo que não houve indicação da data em que ocorreu tal prestação de serviços pela municipalidade, contudo por se tratar de ações da administração vigente há longa data (a testemunha chegou a referir que em anos e eleições anteriores se observava tais práticas), não é possível atribuir cunho eleitoreiro ao serviço prestado.

 

Enquadramento e sancionamento. REL 0600471-43.2020.6.21.0140 e REL 0600472-28.2020.6.21.0140

Diante do que foi exposto, tenho que o conjunto probatório demonstra a ocorrência do abuso do poder econômico, em face dos seguintes fatos: a) apreensão, no dia 13 de novembro de 2020, às 10h30min, ou seja, às vésperas das eleições, de R$ 15.500,00 em espécie, em notas de R$ 100,00 e R$ 50,00, além de 58 vales-gasolina, do Posto de Combustível Hermes, do município contíguo de Miraguaí; b) distribuição de ranchos e cestas básicas em prol da candidatura de Nilson e Jaime, realizadas por Maiara Fogaça e Rosimeri Müller Lenhane (candidata a vereadora).

Igualmente, considero comprovado abuso do poder político diante dos atos coercitivos praticados por Nilson e Eliane em face de Marli Ferraz e de seu filho Lucas Ferraz, para que apoiassem a candidatura do primeiro, sob pena de represálias, bem como ao oferecerem vantagens para o transporte de passageiros a ser realizado no domingo da eleição.

Digno de nota que os atos ilícitos aqui reconhecidos guardam muita semelhança com os que foram apreciados nos autos do Recurso Eleitoral na AIJE N. 0600473-13.2020.6.21.0140, ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral em face de Luiz Carlos Cordeiro Machado e outros, recentemente julgado nesta Corte, no qual apreendida com o então candidato a prefeito LUIZ CARLO CORDEIRO MACHADO a quantia de R$ 1.550,00 e, com seu filho MARSAL CORDEIRO MACHADO, 12 vales-combustível de 10 litros cada, 02 vales-gasolina de 5 litros cada, ambos do Posto do Chico de Miraguaí, 11 vales-cerveja do Posto Gemelli de Miraguaí, além de um aparelho celular (IPhone) e uma faca (boletim de ocorrência das fls. 5-9 do PPE).

Colaciono a ementa do julgado em 26.09.2022:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL – AIJE. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDENAÇÃO À PENA PECUNIÁRIA. PRELIMINARES AFASTADAS. CARACTERIZADA A PRÁTICA DESCRITA NO ART. 41-a DA Lei N. 9.504/97. IMPOSSIBILIDADE DE declaração da nulidade dos votos RECEBIDOS PELO VEREADOR ELEITO. AUSÊNCIA DE RECURSO MINISTERIAL. NEGADO PROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou parcialmente procedente representação, cumulada com ação de investigação judicial eleitoral, interposta pelo órgão ministerial com base no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e no art. 22 da LC n. 64/90, condenando os candidatos a prefeito, não eleito, e a vereador, eleito como suplente, por captação ilícita de sufrágio, impondo-lhes, individualmente, pena pecuniária. Julgada improcedente a imputação de abuso do poder econômico.

2. Preliminares afastadas. Inexistente a pretensa violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa em razão de inicial alegadamente imprecisa quanto à exposição dos fatos ilícitos. Exordial devidamente fundamentada, com a descrição minuciosa dos atos que caracterizariam compra de votos e abuso do poder econômico. Rejeitada, igualmente, a suposta ilicitude da abordagem e apreensão de objetos, em poder dos investigados, realizada pela Brigada Militar. Ausentes irregularidades na ação policial empreendida, direcionada à preservação da ordem pública e prevenção delitiva, e que, denotando a imparcialidade da conduta, já havia abordado e revistado o candidato adversário do ora recorrente.

3. Caracterizada a prática de captação ilícita de sufrágio por meio do custeio do deslocamento de eleitores de outras cidades para o município dos investigados, do transporte de eleitores indígenas às seções eleitorais no dia do pleito, e do fornecimento de alimentos – coxas de frango e refrigerantes – para almoço de nove famílias indígenas. Demonstrado abertamente o oferecimento das benesses em troca de votos, mediante fartos registros de texto e áudio, extraídos, com autorização judicial, de aparelho celular pertencente ao filho do candidato a prefeito. Conjunto de elementos que evidenciam a ciência dos investigados quanto às operações de obtenção ilícita de votos.

4. Inaptidão da tese defensiva de necessidade de especificação dos eleitores para configurar o ilícito do art. 41-A da Lei das Eleições. A condenação por compra de votos prescinde de identificação pormenorizada dos eleitores corrompidos, que devem, apenas, ser identificáveis, exatamente a hipótese em análise.

5. Sancionamento. Imposição tão somente de multa pelo juízo a quo. O candidato a prefeito restou não eleito. Em relação ao investigado eleito suplente de vereador, de rigor que houvesse a declaração de nulidade dos votos a ele atribuídos, nos termos do disposto no art. 198, inc. II, al. “b”, da Resolução TSE n. 23.611/19. No entanto, ausente recurso ministerial, inviável a reforma da sentença em prejuízo do recorrente.

6. Provimento negado.

 

Manifesto, portanto, que o pleito de 2020 em Redentora foi marcado pela ampla distribuição de benesses a eleitores, tudo na ânsia da obtenção de dividendos eleitorais.

Para a procedência da AIJE exige-se a demonstração de que os fatos foram graves a ponto de ferir a normalidade e a legitimidade do pleito, a contaminar de modo irreversível a regularidade do processo eleitoral.

A este respeito, o inc. XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 explicita:

Art. 22 (...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizaram. (Grifo nosso)

 

O TSE, ao examinar o requisito “gravidade das circunstâncias”, estabeleceu sua aferição a partir de aspectos qualitativos e quantitativos, como se constata pela ementa que reproduzo:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. [...] ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. [...].

[...]

5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

[...]

(AIJE 0601754-89/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 20/3/2019.) (Grifo nosso)

 

Nessa linha de intelecção, peço vênia para transcrever a referência feita à doutrina de Rodrigo López Zilio pelo Ministro Luis Felipe Salomão, por ocasião do recente julgamento do RO 0603975-98/PR, que levou à cassação do diploma do então Deputado Estadual Fernando Destito Francischini, sobre o tema gravidade:

Como já assentado outrora, é possível fixar algumas diretrizes para uma adequada conformação da gravidade das circunstâncias. Assim, a conduta do agente é um aspecto essencial a ser avaliado para aferição da gravidade das circunstâncias, sendo útil a adoção do seguinte raciocínio: se o próprio candidato cometeu o ilícito ou teve uma participação direta no ato, estabelecendo-se uma identidade entre autor e beneficiário, essa conduta apresenta um grau maior de reprovação; [...]. A forma ou natureza do ato praticado também é um critério a ser considerado para a configuração do ilícito. [...] Da mesma sorte, o uso de órgãos públicos ou governamentais para fins eleitoreiros é, a priori, um indicativo de maior reprovabilidade no agir ilícito se comparado com o emprego de uma estrutura privada para a consecução do mesmo fim vedado. [...] Por fim, os efeitos e a extensão do ato abusivo também podem (ou devem) ser medidos pelos critérios cronológico, quantitativo e em relação ao eleitor. Desse modo, a gravosidade do ato é maior quando ele é de caráter permanente (pelos efeitos que se prolongam temporalmente) ou, ainda, se cometido em momento mais próximo à eleição (pela inviabilidade de uma reversão desse ato em face à data do pleito). [...]

(Cassação de mandato e decisão sancionatória eleitoral. In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coords.). Abuso de poder e perda de mandato. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 459) (Grifos no original)

 

No caso, o alto grau de reprovabilidade da conduta é evidente, sendo apreendido no interior do veículo do próprio Prefeito e candidato Nilson o valor de R$ 15.500,00, sendo ele o autor das ameaças e constrangimentos sofridos por Marli e Lucas.

Quanto à caracterização da gravidade das condutas, releva notar o significativo valor apreendido em espécie com o Prefeito Nilson (R$ 15.500,00), às vésperas da eleição, em um município de 6.620 eleitores aptos, sagrando-se vencedor o candidato Nilson Paulo Costa com 2.521 votos, e o segundo colocado, Luiz Carlos Cordeiro Machado com 2.422, com uma diferença de 99 votos.

E não é só, os autos demonstram um “esquema” de distribuição de ranchos e cestas básicas, constituído por servidores públicos. Aliado a isso, os atos coercitivos praticados por Nilson e Eliane em face de Marli Ferraz e seu filho Lucas Ferraz, para que apoiassem a candidatura do primeiro, sob pena de represálias, bem como ao oferecerem vantagens para o transporte de passageiros a ser realizado no domingo da eleição, configura o abuso do poder político e de autoridade, na medida em que Nilson era Prefeito candidato à reeleição e Eliane, esposa do prefeito e Secretária de Educação.

Saliento que a prova reunida no procedimento preparatório trouxe elementos que não devem ser ignorados, tendo em vista que colhidos em momento de espontaneidade dos depoentes, antes que possam ser submetidos a possíveis pressões por parte dos investigados.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ (AgInt no EREsp 1545257; APen 885; APen 626; AgInt no REsp 1721146; AgRg no REsp 1414755) e do TSE sobre a prova indiciária:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. CANDIDATO À REELEIÇÃO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. DOAÇÕES ELEITORAIS IRREGULARES. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. DESVIO DE FINALIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. VULTOSIDADE DAS DOAÇÕES. ARRECADAÇÃO. DEMAIS CAMPANHAS. DESPROPORÇÃO. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. GRAVIDADE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. Recurso ordinário interposto contra aresto unânime do TRE/RJ em que o recorrente foi condenado por abuso de poder político e econômico em benefício de sua candidatura à reeleição para o cargo de Governador do Estado do Rio de Janeiro em 2014. Houve declaração de inelegibilidade, nos termos do inciso XIV do art. 22 da LC 64/90, prejudicada a cassação do mandato quando do julgamento na origem, porquanto já encerrado.

[...]

7. Nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, a configuração do abuso de poder em eleição depende, também, da gravidade da conduta, considerando–se o contexto do pleito. Ponderam–se para esse fim aspectos qualitativos e quantitativos, que, em linhas gerais, residem no grau de reprovabilidade da prática e na magnitude da influência que possa produzir na disputa eleitoral. Precedentes.

8. As condenações por abuso de poder devem ser apoiadas em provas robustas, o que não se opõe à validade da prova indiciária, desde que os elementos coligidos sejam verídicos, seguros e coesos. Precedentes. Esse entendimento está em conformidade com o disposto no art. 23 da LC 64/90, segundo o qual "[o] Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral".

9. A necessidade de se valer de indícios decorre, muitas vezes, da própria natureza do ilícito, pois não é incomum que a prática abusiva se revista de aparência de legalidade, ou seja dissimulada, de modo que somente a partir das circunstâncias e da relação entre diversos fatos comprovados será possível demonstrar sua ocorrência.

10. No caso, o conjunto probatório dos autos conduz de modo indiscutível à conclusão firmada pela Corte de origem, no sentido de que Governador do Estado do Rio de Janeiro à época dos fatos, candidato à reeleição, se valeu das prerrogativas do cargo para obter doações vultosas de empresas para sua campanha eleitoral.

[…]

21. A aprovação de contas de campanha não obsta que se apurem ilícitos envolvendo valores ali contabilizados. Precedentes.

22. Por fim, na espécie, é incontroversa a gravidade do esquema engendrado para aportar recursos para a campanha eleitoral do recorrente, sobretudo pelo desvirtuamento da Administração Pública, em afronta à legalidade e à moralidade, pelo papel central do candidato na prática ilícita e pelos elevadíssimos valores envolvidos.

23. Comprovada a prática, pelo recorrente, de abuso de poder político–econômico de singular gravidade, mantém–se na íntegra o aresto do TRE/RJ, que o declarou inelegível por oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da LC 64/90.24. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL n. 729906, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 230, Data 14.12.2021.) (Grifo nosso)

 

Por todas essas razões, a gravidade dos fatos se encontra presente no caso dos autos, motivo pelo qual reconheço a procedência parcial das Ações 0600471-43.2020.6.21.0140 e 0600472-28.2020.6.21.0140, diante do abuso do poder econômico e político.

Apesar de a Procuradoria Eleitoral ter enquadrado os fatos também em conduta vedada, nos termos do art. 73, inc. V, da Lei das Eleições, não vislumbrei a adequação ao que dispõe a mencionada norma, mas, sim, abuso do poder político, gênero do qual a conduta vedada é espécie.

A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE busca a declaração de inelegibilidade, como sanção aos investigados, por 8 (oito) anos e a cassação do registro ou diploma do beneficiado, conforme previsão do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90:

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010) (grifo nosso)

 

A inelegibilidade de 8 anos prevista como sanção em caso de procedência da AIJE apenas deve ser aplicada aos que tenham contribuído para a prática do ilícito (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90). Nas palavras de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 7 ed., Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 671), “somente se cogita da sanção de inelegibilidade quando houver prova da responsabilidade subjetiva do sujeito passivo, através de uma conduta comissiva ou omissiva...”.

No caso, consoante os ilícitos reconhecidos, não há prova de participação do candidato a vice-prefeito eleito, Jaime Jung, de modo que a inelegibilidade deve incidir apenas em relação a Nilson Paulo Costa.

De outro vértice, estão sujeitos à inelegibilidade Nilson Paulo Costa, Eliane Amaral Costa, Maiara Rodrigues Fogaça e Rosemeri Müller Lenhane, pois há demonstração nos autos de sua participação direta nos atos ilícitos.

Ante o exposto, voto pelo parcial provimento dos recursos, a fim de julgar parcialmente procedentes a AIJE 0600471-43.2020.6.21.0140 e AIJE 0600472-28.2020.6.21.0140, pela prática de abuso do poder econômico e político, para:

a) cassar os diplomas de NILSON PAULO COSTA (prefeito) e JAIME JUNG (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de REDENTORA;

b) decretar a inelegibilidade de NILSON PAULO COSTA, ELIANE AMARAL COSTA, MAIARA RODRIGUES FOGAÇA e ROSEMERI MULLER LENHANE para as eleições que se realizarem nos 8 anos subsequentes à eleição de 2020.

Determino que, após a publicação do acórdão, seja comunicado ao Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências para cassar os diplomas de NILSON PAULO COSTA (prefeito) e JAIME JUNG (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de REDENTORA, e para realizar novas eleições municipais majoritárias no Município de Redentora, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e nos termos de Resolução a ser editada por este Tribunal.