REl - 0600021-94.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2022 às 14:00

 VOTO

Cuida-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou a prestação de contas do PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB, Diretório Municipal de Bagé/RS, regida pela Lei n. 9.096/95 e pela Resolução TSE n. 23.546/17 e, no âmbito processual, pela Resolução TSE n. 23.604/19, relativa à arrecadação e à aplicação de recursos no exercício financeiro de 2019.

Preliminarmente, o recorrente alega que o parecer conclusivo elaborado por servidor público, sem habilitação técnica compatível com o mister do exame, impossibilitaria a reunião de elementos técnicos contábeis a fim de concluir que as contas apresentem erros formais e materiais, sendo necessária a atuação de profissional especializado na área contábil.

Conforme bem apontado pelo parecer ministerial, o art. 34 da Lei n. 9.096/95 dispõe que o exame da contabilidade partidária consta do trabalho técnico realizado pela Justiça Eleitoral e que, havendo necessidade, é possível requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados:

Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e os recursos aplicados nas campanhas eleitorais, exigindo a observação das seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

(…)

 § 2o Para efetuar os exames necessários ao atendimento do disposto no caput, a Justiça Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União ou dos Estados, pelo tempo que for necessário. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

 

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em face do depósito bancário de R$ 50,00, no qual consta o CNPJ do PTB Municipal como doador, inviabilizando a identificação da real origem do recurso e do recebimento de doações, no valor total de R$ 4.143,30, realizadas por pessoas físicas que exercem função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, não filiadas ao Partido Trabalhista Brasileiro, configurando recebimento de recursos de fonte vedada.

Ressalte-se que as alegações recursais se restringem à segunda irregularidade. Assim, quanto ao primeiro apontamento referente ao ingresso de receita na conta bancária do partido, no valor de R$ 50,00, com a identificação do CNPJ da grei municipal, configurando recursos de origem não identificada, resta mantida a irregularidade.

A segunda anotação refere-se a treze depósitos realizados ao longo do ano de 2019, no montante de R$ 4.143,30, advindos dos seguintes doadores: Alexandra Umpierre Rodrigues de Almeida, Graciele Turra e Joao Luis Amico Vigil, conforme demonstram os extratos bancários (ID 44975382); todos exercentes de cargos públicos de livre exoneração ou demissão na Prefeitura de Bagé, quais sejam, Assessor Técnico de Planejamento Urbano, Assessor Administrativo e Chefe de Unidade de Referência, de acordo com parecer (ID 44975381).

Em suas alegações, o prestador sustenta que, consoante a Lei n. 13.488/17, as contribuições realizadas a partir de 06.10.2017 devem observar o disposto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, que ressalva a licitude dos auxílios pecuniários quando advindos de filiados a partidos políticos.

Com efeito, a percepção pelo partido político de recursos oriundos de tais fontes é expressamente vedada pelo art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Nesse aspecto, o parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44965162) bem elucida as razões intrínsecas da vedação trazida pela norma eleitoral:

Ao estabelecer a proibição de que partidos políticos recebam recursos de pessoas que exercem função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou de cargo ou emprego público temporários, a regra em tela tem em vista a observância dos princípios constitucionais da Administração Pública, tais como a moralidade, pois impede que os cargos e funções na estrutura administrativa sejam transformados em moeda de troca, em autêntica compra ou aluguel do cargo público mediante a canalização, para o partido, de parte dos recursos públicos dirigidos à remuneração pelo trabalho do servidor; a eficiência, pois permite que o critério a conduzir a nomeação para as funções e cargos seja a competência ou aptidão para a atividade a ser desempenhada, e não o mero fato de o contemplado servir como fonte de custeio do partido; bem como a impessoalidade, seja na assunção, seja no desempenho do cargo ou função, respectivamente ao evitar o favoritismo na escolha ou manutenção apenas daqueles que verterão contribuições ao partido, bem como ao pautar a atuação pela aplicação isonômica da lei em prol do interesse público.

 

Assim, regra geral, o partido é proibido de receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive mediante publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário.

Note-se, porém, que a parte final do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95 estabelece uma ressalva à vedação e, justamente por se tratar de uma salvaguarda, deve ser interpretada restritivamente, isto é, “quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”.

A finalidade da ressalva é possibilitar ao partido o recebimento de contribuições ordinárias dos seus filiados, a título de mensalidade, a fim de que a agremiação não se veja desfalcada dessa fonte de custeio pelo fato de o filiado ser alçado a função ou cargo público de livre exoneração ou demissão.

De modo que, consoante o inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre exoneração ou demissão, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

Esse é o entendimento adotado por esta Corte, conforme resposta apresentada à Consulta n. 0600076-83.2020.6.21.0000, de relatoria do Des. Roberto Carvalho Fraga, julgada em 08.6.2020, quando indagada acerca da licitude de doações oriundas de filiados à agremiação diversa daquela destinatária dos recursos:

(...) Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

 

O presente caso demonstra que os doadores não constam da lista de filiados ao partido, como atestam as certidões de Alexandra Umpierre Rodrigues de Almeida (ID 44975385) e Graciele Turra (ID 44975386), que informam não serem filiadas a nenhum partido político, e de Joâo Luis Amico Vigil (ID 44975387), em que consta que é vinculado ao PSD desde 02.10.2011, de modo que não se pode salvaguardar na exceção do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Assim, a existência de recursos de fonte vedada demanda o recolhimento do seu montante ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 14 da Resolução TSE n. 23.546/17.

Segue o referido dispositivo:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

(...)

 

Portanto, diante da existência de recursos provenientes de fontes vedadas, impõe-se o recolhimento da quantia de R$ 4.193,50 ao Tesouro Nacional a tal título.

Na espécie, contudo, as irregularidades apontadas representam 6,99% das receitas declaradas (R$ 59.960,41), ficando abaixo do percentual (10%) utilizado como parâmetro para permitir a aprovação das contas com ressalvas na esteira da jurisprudência desta egrégia Corte.

Descabida, assim, a aplicação da sanção de multa de até 20% sobre a importância apontada como irregular, nos termos da jurisprudência desta Corte, pois apenas é devida na hipótese de desaprovação de contas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Desaprovação das contas da agremiação em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.

2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.

3. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

4. Parcial provimento.

(Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11/04/2019, Relator(aqwe) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 22/04/2019.) (Grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADE. RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. INCIDÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES DA LEI N. 13.488/17 COM RELAÇÃO A PARTE DAS CONTRIBUIÇÕES. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DA IRREGULARIDADE FRENTE AO TOTAL MOVIMENTADO NO PERÍODO. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DA QUANTIA IMPUGNADA AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A SANÇÃO DE MULTA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

[...]

4. O valor irregularmente recebido representa 2,1% do total da receita arrecadada no exercício financeiro, possibilitando o juízo de aprovação com ressalvas. Circunstância que não afasta a devolução ao Tesouro Nacional do valor indevidamente recebido, conforme estabelece o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, afastando-se apenas a aplicação da multa, cabível somente nos casos de desaprovação. Redução do valor a ser recolhido ao erário, em virtude de duas contribuições abrangidas pelas disposições da Lei n. 13.488/17.

5. Provimento.

 

(Recurso Eleitoral n 805, ACÓRDÃO de 02/09/2019, Relator MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 167, Data: 06/09/2019, Página 5.) (Grifo nosso)

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso ao efeito de aprovar com ressalvas as contas do exercício financeiro de 2019 do DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB e afastar a multa de 20%, mantendo a determinação do recolhimento da importância apontada como irregular no valor de R$ 4.193,30 ao Tesouro Nacional.