RecCrimEleit - 0000006-67.2018.6.21.0071 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo, visto que interposto no prazo legal de 10 (dez) dias estabelecido no art. 362 do Código Eleitoral.

A análise do recurso ministerial interposto contra a sentença que absolveu a ré por insuficiência probatória resta prejudicada, na medida em que o fato descrito na denúncia foi alcançado pela prescrição da pretensão punitiva pela pena em abstrato.

Vejamos. A exordial assim descreveu o fato apurado nestes autos:

No dia 02.10.2016, por volta das 12h, na Rua Aristides D’Ávila, 390, em via pública, proximidades da Escola Fundação Bradesco, local de votação que continha mesas receptoras de votos, em Gravataí/RS, a denunciada PATRICIA LISBOA DA ROSA divulgou, por si ou interpostas pessoas, impressos de propaganda eleitoral, em que figurava como candidata a vereadora do pleito municipal das eleições proporcionais de 2016.

Naquela oportunidade, foram apreendidos pelas equipes de fiscalização da justiça eleitoral 33 (trinta e três) panfletos de propaganda eleitoral impressos, conhecidos como “santinhos”, no local de votação, o que se configura como divulgação de propaganda eleitoral, vedada no dia da eleição.

A denunciada possuía o dever jurídico de impedir o resultado, qual seja, “derrame de santinhos”.

ASSIM AGINDO, incorreu a denunciada PATRÍCIA LISBOA DA ROSA nas sanções do art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições).

(ID 44957989 e ID 44957990)

 

A denúncia foi recebida em 15.01.2018 (ID 44958031, pág. 7).

Em 28.01.2022, foi proferida sentença de improcedência do pedido para absolver Patricia Lisboa da Rosa da prática do crime de divulgação de propaganda no dia da eleição (Lei n. 9.504/97, art. 39, § 5º, inc. III) (ID 44958052, págs. 35-37).

O delito em questão está assim descrito na norma em exame:

Art. 39 […]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil Ufir:

I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;

II – a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

III – a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos;

IV – a publicação de novos conteúdos ou o impulsionamento de conteúdos nas aplicações de Internet de que trata o art. 57-B desta lei, podendo ser mantidos em funcionamento as aplicações e os conteúdos publicados anteriormente.

 

Para o cálculo da prescrição, é necessária a análise dos arts. 109, caput e inc. V, e 117, inc. I, do Código Penal:

Prescrição antes de transitar em julgado a sentença

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze;

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito;

IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

VI - em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

Prescrição das penas restritivas de direito

Parágrafo único - Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

 

Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.

 

Causas interruptivas da prescrição

Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se:

I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II - pela pronúncia;

III - pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;

V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VI - pela reincidência.

§ 1º - Excetuados os casos dos incs. V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

§ 2º - Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inc. V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

Art. 118 - As penas mais leves prescrevem com as mais graves.

 

Como bem apontado pela Procuradoria Regional Eleitoral, para o crime descrito no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, a pena máxima in abstracto é de 01 (um) ano de detenção, do que decorreria a prescrição da pretensão punitiva pelo decurso do prazo de 04 (quatro) anos.

Tal lapso temporal transcorreu entre o recebimento da denúncia (15.01.2018.) e a data da remessa dos autos a este Tribunal, devendo ser lembrado, neste passo, que a publicação da sentença absolutória, ainda que no curso do prazo, não interromperia a contagem da prescrição.

Nesses termos é a pacífica jurisprudência, como se extrai das seguintes ementas:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO MINISTERIAL CONTRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECEPTAÇÃO. PRESCRIÇÃO. QUESTÃO PREJUDICIAL DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. NÃO CONHECIMENTO DO APELO. DECISÃO UNÂNIME.

1. O Ministério Público pleiteia a condenação do apelado pelo cometimento do delito tipificado no art. 180, caput, do Código Penal. Argumenta que há provas testemunhais em seu desfavor, sérias contradições na versão apresentada pelo apelado e que o apelado possui condenações pretéritas.

2. Verifica-se, de oficio, como questão prejudicial à análise recursal, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, considerando transcurso de lapso temporal superior a 10 (dez) anos entre os marcos interruptivos;

3. Recurso não conhecido. Decisão unânime.

(TJ-PE - APR: 4533891 PE, Relator: Évio Marques da Silva, Data de Julgamento: 01.8.2019, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 2ª Turma, Data de Publicação: 15.8.2019.) (Grifei.)

 

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ARTIGO 303 DO CTB – LESÃO CORPORAL CULPOSA NO TRÂNSITO – FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO – SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO REFORMADA - RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO - RECURSO PROVIDO.

Estando comprovada a lesão corporal pelo conjunto probatório e que esta decorreu de acidente de trânsito envolvendo o autor dos fatos, a condenação é medida que se impõe. O fato de conduzir o veículo automotor em estado de embriaguez demonstra conduta imprudente do motorista envolvido em acidente automobilístico com vítimas de lesão corporal. De ofício, reconhece-se a prescrição da pretensão punitiva estatal, porquanto ultrapassado prazo superior ao previsto no art. 109, inc. VI, CP. Recurso provido.

(TJ-MS - APR: 00007378720148120006 MS 0000737-87.2014.8.12.0006, Relator: Juiz José Eduardo Neder Meneghelli, Data de Julgamento: 21.8.2019, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 22.8.2019.) (Grifei.)

 

Forçoso reconhecer a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva no pertinente aos fatos descritos na denúncia.

Assim, de ofício, declaro extinta a punibilidade da acusada relativamente à imputação contida na denúncia, pela prescrição da pretensão punitiva pela pena máxima em abstrato cominada à infração, forte no art. 107, inc. IV, e art. 109, inc. V, ambos do Código Penal, julgando prejudicado o recurso ministerial.

 

DIANTE DO EXPOSTO, acatando o posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, voto por declarar, de ofício, a extinção da punibilidade da acusada PATRICIA LISBOA DA ROSA pelo crime descrito no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei n. 9.504/97, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, com fundamento no art. 107, inc. IV, c/c art. 109, inc. V, ambos do Código Penal, e julgo prejudicado o recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral.

 

Acaso superada a prejudicial, no mérito, trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo Eleitoral da 71ª Zona, que julgou improcedente a denúncia para absolver PATRICIA LISBOA DA ROSA da prática do crime de divulgação de propaganda no dia da eleição (Lei n. 9.504/97, art. 39, § 5º, inc. III).

Ab initio, cumpre esclarecer que o bem jurídico tutelado pelo delito de divulgação de propaganda no dia da eleição é o livre exercício do voto. A norma penal busca, portanto, garantir que o eleitor tenha assegurada, no dia da eleição, a liberdade para exercer em sua plenitude o direito de voto, livre de qualquer tipo de influência constrangedora ou coercitiva.

É crime formal e sua consumação independe da ocorrência do resultado ilícito pretendido, qual seja, a efetiva influência na vontade do eleitor, maculando-a, de modo a que ele vote no candidato indicado pelo autor do delito. Assim, basta que o agente cometa qualquer conduta de aliciamento do eleitor, seja mediante a entrega direta do material de propaganda eleitoral – cujo exemplo mais comum são os santinhos –, seja por meio de aglomeração de pessoas com vestes de cores características de determinadas agremiações, seja, também, por simples conversa ao pé do ouvido do eleitor com o fito de influenciá-lo.

Traz, em seu elemento objetivo do tipo, aspecto temporal consubstanciado na oração delimitativa “no dia da eleição”. Infere-se, por conseguinte, que tal crime somente pode ser cometido na data do pleito.

Registre-se, ainda, que tal tipo penal incrimina condutas com base em conceito jurídico indeterminado – propaganda de boca de urna –, sendo de extrema importância, para que haja um juízo condenatório, que as provas sejam conclusivas, isto é, que possuam força e solidez suficientes a afastar o acolhimento de qualquer tese absolutória.

Adianto que não é o caso dos presentes autos, pois, da análise do conjunto probatório, entendo não restar comprovada a prática, pela ré, do crime de boca de urna.

Segundo os fatos narrados na denúncia, a ré Patricia Lisboa da Rosa teria realizado a divulgação de sua propaganda eleitoral no período proibido, tendo em vista que disputava o cargo de vereadora do pleito municipal nas eleições 2016.

Em suas razões de recurso, o Ministério Público Eleitoral sustenta que a sentença merece reforma, visto que a materialidade do delito restou devidamente comprovada, bem como sua autoria, de acordo com o seguinte:

A materialidade do crime praticado pela acusada restou comprovada pelas ocorrências policiais constantes nos autos, pelos autos de apreensão, bem como pela prova oral colhida desde a fase policial, a qual, inclusive, foi reconhecida pela Juíza Singular.

No que tange à autoria, por sua vez, em que pese as alegações da Juíza Singular, verifica-se que manifesta e certa é a autoria do delito em relação à ré.

Conforme apurado no processo, a ré PATRÍCIA LISBOA DA ROSA praticou, por si ou interposta pessoa, o crime de “derrame de santinho”, haja vista que foram apreendidos pela equipe de fiscalização do pleito eleitoral, no dia da eleição, diversos panfletos contendo com propaganda eleitoral em seu favor.

Embora a ré tenha negado a prática do ato, o depoimento das testemunhas trazem importantes elementos de confirmação da autoria delitiva, corroborando o narrado na denúncia.

A esse respeito, o Policial Militar Guilherme Nascimento da Silva relatou que, no dia da eleição, estava trabalhando no cartório do Batalhão. Disse que recebeu todos os materiais apreendidos e lavrou as ocorrências policiais. Afirmou que foram apreendidos diversos “santinhos” na ocasião.

A testemunha Mariana Moreira de Souza relatou que, no dia da eleição, realizou apreensão de diversos materiais denominados “santinhos” em local de votação. Contou que pegou o material por amostragem, já que havia vários panfletos no chão dos mesmos candidatos.

A candidata, ao ser interrogada, alegou que não realizou o ato de derramar “santinhos” no dia das eleições, dizendo que o material de campanha foi impresso pelo partido e teria sido entregue para ela distribuir, o qual tinha terminado cinco dias antes da eleição.

 

Ora, pela simples leitura das razões recursais ministeriais acima transcritas, diferentemente do que afirma o recorrente, resta evidente que não há certeza da autoria do delito, porquanto a recorrida não foi vista distribuindo o material no local de sua apreensão ou sequer se apurou que tenha determinado a terceiro que o fizesse por ela, de modo que não se pode chegar a uma conclusão condenatória acerca da responsabilidade pela distribuição dos panfletos.

Assim, entendo inviável aderir à tese recursal.

Desse modo, concluo que o acervo probatório é insuficiente para configurar o crime de propaganda de boca de urna, pois não há qualquer indício de que a ré tenha distribuído santinhos no local de votação ou concorrido para tanto, prova imprescindível para que o delito tivesse se consumado sob essa modalidade.

Entender de forma diferente quanto à autoria do delito, imputando responsabilidade à ré, acarretaria condenação por mera presunção, o que é inviável na espécie.

Cediço que o interesse público de que se reveste o Direito Eleitoral não afasta nem mitiga o princípio da presunção da inocência, ou estado ou situação jurídica de inocência (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 49).

Conforme observado na bem lançada sentença da magistrada a quo, Dra. Luciana Barcellos Tegiacchi, “na dúvida acerca da conduta da ré, impositiva a absolvição, diante do princípio constitucional da presunção de inocência”.

Logo, é inviável respaldar uma condenação criminal no fato de a acusada ser, modo inequívoco, beneficiária do delito, quando não há prova nos autos de sua autoria ou participação.

Ausentes provas suficientes do delito, resta manter a decisão de improcedência do pedido, por força do princípio da presunção de inocência.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da sentença que absolveu a ré, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.