REl - 0600518-16.2020.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/10/2022 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em virtude do pagamento de despesas de materiais de propaganda e atividades de militância e mobilização de rua com recursos procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) por meio de cheques não nominais e não cruzados, na quantia de R$ 1.103,80.

Em consulta ao extrato bancário da conta-corrente utilizada para movimentação de recursos do FEFC (ID 44930066 – p. 1), observa-se que três cheques foram compensados (n. 900003 de R$ 360,00; n. 900004 de R$ 100,80; e n. 900005 de R$ 443,00) sem demonstrar o beneficiário, e que um cheque (n. 9000009 de R$ 200,00) foi sacado apontando como beneficiária Marilene Rodrigues dos Santos, a qual figura como fornecedora nas contas.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil.

Entretanto, no caso dos autos, quanto a um dos cheques (n. 9000009 de R$ 200,00), ainda que sacada a quantia na boca do caixa, é possível verificar como beneficiária do cheque (n. 9000009 de R$ 200,00) a sra. Marilene Rodrigues dos Santos, inscrita no CPF sob n. 649.649.060-00, como consta no extrato bancário eletrônico, disponível  no sítio Divulga Cand Contas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89010/210000673427/extratos).

Assim, embora permaneça a falha em seu aspecto formal, deve o valor ser subtraído da quantia a ser recolhida ao erário, pois mesmo havendo o saque não impediu a fiscalização e a rastreabilidade do numerário pela Justiça Eleitoral.

O candidato, na petição de ID 44930086, juntou notas fiscais e recibo de pagamento na tentativa de comprovar o destino dos demais valores, todavia tais documentos não têm o condão de sanar a falha apontada, que poderia ser suprida com a cópia ou microfilmagem dos cheques emitidos a fim de que se constate a observância da forma nominal e cruzada.

A juntada da cópia dos cheques, no caso concreto, permitiria a aferição do emprego das verbas e o atendimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a emissão de cheque nominal cruzado ao fornecedor de bens ou prestador de serviços à campanha:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, procedimento que ganha especial relevo com relação às receitas públicas recebidas do FEFC, como na hipótese dos autos, em que foi repassado ao candidato a quantia de R$ 2.164,55 (ID 44930068 – p. 1).

Nesse mesmo sentido, a manifestação da douta Procuradoria Regional Eleitoral, litteris:

...

Ademais, a obrigação de que os recursos públicos recebidos pelos candidatos sejam gastos mediante forma de pagamento que permite a rastreabilidade do numerário até a conta do destinatário (crédito em conta), como se dá com o cheque cruzado (art. 45 da Lei nº 7.357/85), assegura que outros controles públicos possam ser exercidos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

Finalmente, ao não ser cruzado o cheque, permitindo o saque sem depósito em conta, resta prejudicado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha, uma vez que impossibilitada a alimentação do sistema Divulgacandcontas com a informação sobre o beneficiário, inviabilizando o controle por parte da sociedade.

A realização de gastos com recursos do FEFC mediante a utilização de forma de pagamento vedada importa em utilização indevida de recursos públicos, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019.

Portanto, não há como afastar as irregularidades apontadas, no valor total de R$ 1.103,80, vez que inviabilizada a certificação da regularidade das despesas eleitorais.
...

Não se trata da apuração de má-fé, mas da total falta de confiabilidade dos documentos apresentados pelo prestador para comprovar os destinatários de recursos públicos, sendo certo que o mero registro da contratação não tem o condão de sanar a irregularidade relativa à falta de identificação dos beneficiários dos cheques nos extratos bancários.

Como se vê, quanto aos demais cheques o candidato não se desincumbiu de comprovar de forma suficiente e estreme de dúvidas a irregularidade, e não é possível aceitar tão somente notas fiscais e recibos como comprobatórios do emprego de dinheiro público.

Nesses termos, o recurso comporta parcial provimento em virtude de a irregularidade perfazer a quantia somada de R$ 903,80, referente ao adimplemento de despesa com cheque não nominal e não cruzado, valor que representa 39,91% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 2.264,55, mas permite a aprovação das contas com ressalvas em atenção aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, pois não ultrapassa o parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

Quanto à tese de que o valor de R$ 1.064,10 deveria ser corrigido monetariamente, anoto que a Resolução TSE n. 23.607/19 é a norma geral que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos e candidatos, e que de modo isonômico foi estabelecida essa quantia como fixa, conforme art. 21, § 1º, do mencionado regramento, mostrando-se inviável o raciocínio pretendido, o qual, uma vez aceito, violaria princípio da segurança jurídica.

Assim, é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, pois a falha não é grave, devendo apenas ser reduzida a quantia de R$ 200,00 do valor a ser recolhido ao erário.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar as contas com ressalvas e reduzir de R$ 1.103,80 para R$ 903,80 a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.