MSCiv - 0603496-28.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/10/2022 às 14:00

 

VOTO

 

O presente mandado de segurança é impetrado em face de decisão do Juízo Eleitoral da 26ª Zona que, em expediente administrativo para o exercício do poder de polícia (NIP n. 0600024-38.2022.6.21.0026), diante de provas de uso irregular do meio de propaganda, ordenou a notificação do Impetrante para, em 48 horas, cessar a utilização do carro de som, sob pena de desobediência e de apreensão do equipamento, uma vez que estaria sendo divulgada propaganda em desconformidade com o art. 39, § 9º, da Lei n. 9.504/97, que dispõe:

Art. 39, § 9º - Até as vinte e duas horas do dia que antecede a eleição, serão permitidos distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Conforme a r. decisão proferida em poder de polícia, o carro som trafegaria sozinho, conforme se extrairia dos documentos juntos aos autos nos IDs 45133323, 45133324, 45133325, veiculando propaganda favorável ao Impetrante.

De fato, a partir da visualização desses vídeos, há clara impressão de que o veículo trafega sozinho, sendo que especial atenção se dá ao segundo vídeo (ID 45133324) que mostra o veículo percorrendo mais de uma quadra, com som ligado e bandeiras expostas, sem que o candidato ou apoiadores estivessem na calçada.

Por outro lado, o candidato apresenta prova de que realmente realizava caminhada enquanto o veículo passeava pelas ruas (ID 45133319), sendo verossímil pensar que ambos os vídeos foram gravados no mesmo dia e próximo ao mesmo evento, ainda que o veículo estivesse afastado da caminhada.

Assim, não é possível afirmar, com certeza, que o ato realizou-se na forma como afirmada pelo noticiante ou como indicado pelo candidato ou, ainda, se a passagem do carro desacompanhado se tratou de fato isolado ou não.

De qualquer modo, concedida a ordem, cessou o eventual ilícito, não havendo penalidade a ser aplicada.

A legislação é clara ao afirmar que o poder de polícia deve se restringir às providências necessárias para fazer cessar o ilícito, não podendo se perpetuar no tempo, com uma proibição genérica à participação do carro de som em futuros atos, a serem realizados em conformidade com a legislação.

Como toda intervenção administrativa sobre direitos de particulares, o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral deve observar a legalidade e a proporcionalidade das medidas adotadas. Nesse sentido, prescrição legal da atribuição, insculpida no art. 41 da Lei n. 9.504/97, resguarda o direto à propaganda eleitoral lícita frente ao exercício do poder de polícia, verbis:

Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

(…).

§ 2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Pertinente, nesse ponto, trazer a lume o escólio de Marcílio Nunes Medeiros, consoante o qual:

O poder de polícia deve limitar-se à inibição das práticas ilícitas na propaganda eleitoral, devendo ser observada a proporcionalidade dos meios empregados no exercício desse poder para o fim de atender o interesse público de respeito às regras da propaganda eleitoral por candidatos e partidos políticos. (Legislação eleitoral comentada e anotada. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1108)

 

Assim, na decisão que deferiu a tutela de urgência, procedi à suspensão da decisão em relação à proibição de utilização do carro de som, porém, ante a judicialização da questão, permitindo a aplicação de astreintes, determinei a sua utilização exclusivamente na forma prevista no art. 39, § 9º, da Lei n. 9.504/97, sob pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a cada vez que for comprovada realização do ato em desacordo com a referida norma.

Ainda que terminado o primeiro turno das Eleições 2022, é possível e necessário o julgamento do mérito da ação, com a confirmação da decisão liminar que concedeu a tutela provisória requerida pelo Impetrante, a servir, ainda, como parâmetro para a atuação dos juízes eleitorais no exercício do poder de polícia no segundo turno da eleição.

Nesse sentido, destaco recente julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. IMPORTAÇÃO DE LEITE. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. ACIDENTE NUCLEAR DE USINA EM CHERNOBIL. PRODUTORES DE PAÍSES EUROPEUS. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CONCESSÃO DE LIMINAR SATISFATIVA. INEXISTÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTES. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. CERTEZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÕES CONDICIONAIS. 1. O deferimento de tutela provisória ou de medida liminar, por ostentar caráter precário, não implica a perda de objeto por falta de interesse de agir na hipótese de eventual satisfatividade. Precedentes. (…). 4. "Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão" ( REsp 164.110/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21/03/2000, DJ 08/05/2000, p. 96). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

(STJ - REsp: 1670267 SP 2017/0104711-5, Data de Julgamento: 10/05/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2022) Grifei.

 

Também é o entendimento recentemente acolhido nesta Corte Regional:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. RESTITUIÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL APREENDIDA. WIND BANNERS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DETERMINADA A DEVOLUÇÃO DO MATERIAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Mandado de segurança impetrado contra decisão do Juízo Eleitoral que indeferiu pedido de restituição de propaganda de campanha irregular apreendida, sob o fundamento de que os artefatos publicitários estariam dispostos em via pública em contrariedade às disposições normativas. Tutela antecipatória concedida.

2. O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

3. Inexiste base legal a dar azo à retenção, pela servidão cartorária, dos wind banners. Cumprida a função do juízo, em relação ao poder de polícia, e cessada a irregularidade, correta a determinação de retorno dos engenhos publicitários ao impetrante. Assim, alcançado o desiderato do mandamus, e finda a eleição quanto ao pleito proporcional, deve ser confirmada a segurança, não sendo o caso de perda do objeto.

4. Segurança concedida. Determinada a devolução do material.

(TRE-RS – MSCiv n. 0602825-05.2022.6.21.0000; Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Sessão de 06.10.2022) Grifei.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão de segurança, confirmando a decisão liminar que deferiu a antecipação de tutela.