MSCiv - 0603359-46.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 11/10/2022 às 14:00

VOTO

 

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

Inicialmente, registro a possibilidade de cabimento de mandado de segurança contra atos comissivos e omissivos praticados pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia, com suporte no § 3º do art. 54 da Resolução TSE n. 23.608/19.

Na hipótese, o mandamus foi impetrado em face de ato do Juízo da 169ª Zona Eleitoral – Caxias do Sul, em processo de Notícia de Irregularidade em Propaganda Eleitoral, que determinou ao impetrante a remoção de outdoor com propaganda eleitoral do candidato à reeleição Jair Bolsonaro.

Todavia, entende o impetrante não possuir legitimidade para dar andamento à ordem de retirada exarada pela autoridade coatora, motivo pelo qual pleiteia a anulação da decisão.

Em análise derradeira, verifico que a liminar que reconheceu a ilegitimidade passiva do impetrante para remover o outdoor deve ser confirmada, mantida, contudo, a ordem de retirada do artefato publicitário emanada pelo juízo eleitoral.

A mencionada notícia foi oferecida pelo candidato a deputado estadual Juliano Roso e autuada como NIP n. 0600020-57.2022.6.21.0169, na qual o Juízo Eleitoral da 169ª Zona, no exercício do poder de polícia, determinou a remoção do outdoor instalado na saída da BR 116 com a Rota do Sol, Bairro Jardim das Hortências, coordenadas geográficas: -29.133398523105356, - 51.12563710247598, em decisão assim gravada:

“Vistos etc.

I – RELATÓRIO:

Trata-se de pedido de providências com fundamento no Poder de Polícia apresentado pelo Candidato a Deputado Estadual, Juliano Roso, a partir da verificação da existência de outdoor na cidade de Caxias do Sul/RS, contendo propaganda eleitoral em benefício do candidato a Presidente Jair Messias Bolsonaro, representada por imagem do presidenciável com a faixa de presidente da república, sobreposta às cores da bandeira do Brasil, ao lado dos dizeres “amigos de Caxias do Sul/RS apoiam Bolsonaro” e as palavras “Deus – Pátria – Família – Progresso”, dizeres comumente utilizados pelo referido candidato em sua campanha eleitoral. Junta imagem do dispositivo indicando como localização a saída da BR 116 com a Rota do Sol, Bairro Jardim das Hortências, coordenadas geográficas: -29.133398523105356, - 51.12563710247598.

Requer seja determinada a remoção imediata do outdoor, diligências para identificação da empresa responsável pela instalação da peça e encaminhamento ao Procurador Regional Eleitoral para conhecimento e adoção das medidas que entender cabíveis junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

Vieram os autos conclusos para decisão.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente à análise do caso em tela, necessário compreender os limites do exercício do poder de polícia pelo Juízo Eleitoral.

A intervenção jurisdicional em sede de poder de polícia deve limitar-se aos casos de flagrante práticas ilegais, como a distribuição de cestas básicas, brindes que proporcionem vantagens aos eleitores e eleitoras, bem como no uso de instrumentos de propaganda eleitoral expressamente vedadas pela norma de regência, como uso de outdoors ou showmícios, que interferem na isonomia e igualdade de condições entre aqueles que pretendem angariar votos dos eleitores e das eleitoras.

Neste sentido, descabido quaisquer outros procedimentos investigatórios ou acessórios, devendo a análise recair sobre a legalidade ou não do artefato indicado na petição inicial, restando, portanto, prejudicado o pedido para realização de diligência com vistas a identificação dos responsáveis pela confecção da peça, devendo ser demandado, pelos legitimados, por meio de Representação na jurisdição competente para processamento.

Assim, delimitado o escopo de atuação jurisdicional no exercício do Poder de Polícia, passo a análise do caso em tela, que adianto, merece intervenção pois o conteúdo fático revela tratar-se de artefato proibido pela norma de regência, ou seja, OUTDOOR.

A simples visualização do conteúdo remete a imagem do candidato com a faixa presidencial e a indicação do nome ao qual concorre. Estes elementos já indicam o caráter eleitoral do artefato, corroborado por mensagem de apoio e lemas que são regularmente utilizados em suas manifestações. Portanto, assiste razão ao requerente quando à irregularidade e a necessidade de intervenção imediata para a retirada, conforme recente manifestação do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul em situação idêntica, que, mesmo estando consignada na Petição inicial, ratifico para subsidiar a presente decisão.

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. OUTDOOR. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido para remoção de artefato publicitário relativo à propaganda eleitoral. Liminar indeferida. 2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte. 3. Deflagrado o período permitido de propaganda eleitoral em 16.08.2022, não remanesce dúvida quanto à vedação do meio outdoor para veiculação de imagem de candidato à Presidência, fixados em rodovias de intenso trânsito. 4. Concessão da segurança. (Mandado de Segurança n 060042348, ACÓRDÃO de 29/08/2022, Relator AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: MURAL - Publicado no Mural, Data 29/08/2022)

Neste sentido, configurada a irregularidade, independe quem foram os responsáveis pela instalação da peça, o candidato é diretamente beneficiário devendo providenciar os meios para sua retirada, cessando os efeitos da propaganda que afronta a legislação.

Por fim, no limite do exercício do Poder de Polícia, cabe apenas a determinação da retirada do artefato irregular, nos termos do Art. 7º da Resolução TSE nº 23.610/2019, sem a aplicação da multa correspondente, restando a possibilidade de apuração em Representação própria no Juízo competente.

III – DISPOSITIVO

Isto posto, recebo a Notícia de Irregularidade em Propaganda Eleitoral e DEFIRO PARCIALMENTE o requerido pelo Candidato a Deputado Estadual Juliano Roso para determinar:

i) Intimação, na forma do Art. 18, I, da Resolução TRE-RS nº 347/2020, do Candidato Jair Messias Bolsonaro e dos órgãos de direção Nacional, no Estado do Rio Grande do Sul e no Município do Sul, dos Partidos que compõem sua coligação: Partido Liberal, Republicanos e Progressistas, para que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, providenciem a remoção do outdoor com a propaganda eleitoral indicada nos autos, cuja localização consta na saída da BR 116 com a Rota do Sol, Bairro Jardim das Hortências, coordenadas geográficas: - 29.133398523105356, -51.12563710247598;

ii) O descumprimento da presente ordem judicial ensejará a apuração do Crime de Desobediência do art. 347 do Código Eleitoral;

iii) Em caso de descumprimento, requisite-se meios de terceiros para a imediata retirada do outdoor irregular, utilizando-se a presente decisão como Mandado Judicial, apurando-se os custos para posterior cobrança dos requeridos e dos contratantes em solidariedade.

iv) Remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral para ciência Prejudicado o requerimento para as diligências com vistas a identificação dos responsáveis pela instalação da peça publicitária que deverá ser peticionado no juízo competente”. Noticiados, ou implicados, os diretórios municipais, estaduais e nacionais dos partidos PL, PP e REPUBLICANOS, o processo restou autuado como NIP 0600020- 57.2022.6.21.0169. (...)”

 

O artefato objeto da lide conta com imagem do atual Presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, tendo por fundo as cores da bandeira nacional e os dizeres “AMIGOS DE CAXIAS DO SUL-RS APOIAM BOLSONARO” e “DEUS – PÁTRIA – FAMÍLIA – PROGRESSO.

Ocorre que, no período eleitoral, o uso de outdoors é vedado, na forma do art. 26 da Resolução TSE n. 23.610/19:

Art. 26. É vedada a propaganda eleitoral por meio de outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos políticos, as federações, as coligações, as candidatas e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$15.000,00 (quinze mil reais), nos termos do art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/1997 . (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

 

O engenho publicitário, ainda que sem pedido de voto, possui natureza eleitoral, pois remete, inequivocamente, ao pleito que se desenrola no momento, no qual concorre à reeleição, agora em segundo turno, o Presidente República, Jair Messias Bolsonaro, salientando, inclusive, os dizeres indicando o apoiamento da municipalidade ao presidenciável, sendo inegável seu apelo eleitoral.

Tais circunstâncias, somadas ao meio pelo qual a mensagem foi veiculada, outdoor, demonstram que no caso em tela o equipamento viola o disposto no art. 26 supracitado.

Portanto, no concernente ao conteúdo da propaganda e ao meio de publicidade, entendo que resta caracterizada a irregularidade.

Quanto à responsabilidade pelo cumprimento da ordem de retirada do artefato publicitário, não há nos autos originários (NIP 0600020-57.2022.6.21.0169) qualquer elemento concreto que relacione a instalação do outdoor ao Diretório Municipal do PP em Caxias do Sul.

Sobre a legitimidade para remoção da peça irregular, a ordem deve recair naqueles com imediatas e evidentes condições materiais de cumprimento da ordem, tais como o realizador do outdoor, seu contratante, o dirigente da empresa exploradora do serviço, o proprietário do terreno utilizado, ou mesmo podem ser efetivadas pelo próprio Poder Público, mediante posterior ressarcimento de gastos pelos autores/responsáveis pela instalação.

Visto que concedi, em juízo perfunctório, a tutela emergencial ao impetrante com o fito de afastar sua obrigação de retirar o engenho publicitário, sem, contudo, afastar o comando de remoção do item, aferi, compulsando os autos da NIP n. 0600020-57.2022.6.21.0169, que o comando foi efetivado pela autoridade coatora, nos termos da certidão de ID 109416578, a qual aponta que foi levada a cabo a retirada do outdoor.

Nesse norte, alcançado o desiderato do mandamus, entendo que se trata de caso de confirmação da segurança, e não de perda do objeto da presente demanda, no sentido de que a concessão de medida liminar satisfativa não afasta a necessidade de manifestação jurisdicional no que diz respeito ao provimento definitivo, conforme  ementas de aresto do STJ e TRE/RN:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. IMPORTAÇÃO DE LEITE. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. ACIDENTE NUCLEAR DE USINA EM CHERNOBIL. PRODUTORES DE PAÍSES EUROPEUS. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CONCESSÃO DE LIMINAR SATISFATIVA. INEXISTÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTES. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. CERTEZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÕES CONDICIONAIS.

1. O deferimento de tutela provisória ou de medida liminar, por ostentar caráter precário, não implica a perda de objeto por falta de interesse de agir na hipótese de eventual satisfatividade. Precedentes. 2. Ato normativo infralegal, como portarias e resoluções, não configuram lei federal, para efeito da caracterização da hipótese de cabimento do art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição da República. Precedentes. 3. Tampouco se admite o apelo extremo quando o exame das teses levantadas pelo recorrente não prescinde do revolvimento fático-probatório. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão.  (REsp 164.110/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21/03/2000, DJ 08/05/2000, p. 96). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (RECURSO ESPECIAL n. 1670267/SP (2017/0104711-5) Rel. Min. MAURO CAMPBELL) (Grifei.)


DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2018. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE PERDA DO OBJETO. REJEIÇÃO. ATO DE JUIZ ELEITORAL. APREENSÃO DE CRACHÁS DE IDENTIFICAÇÃO DE DELEGADOS E FISCAIS DA COLIGAÇÃO IMPETRANTE. ART. 152 DA RESOLUÇÃO TSE N.º 23.554/2017. AUSÊNCIA DE RESTRIÇÃO QUANTO AO USO DE CORES NOS CRACHÁS. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Mandado de segurança contra ato da Juíza da 12ª Zona Eleitoral. 2. Na lição da doutrina, o interesse de agir está ligado à necessidade e utilidade (ou adequação, para alguns) do provimento judicial, podendo vir a desaparecer no curso do processo (art. 492 do CPC), ainda que configurado no início da demanda, o que se convencionou chamar de perda superveniente do interesse de agir ou perda do objeto. Ausente o interesse de agir, o órgão julgador deve extinguir o feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC. 3. Ainda que terminado o primeiro turno das Eleições 2018, é possível e mesmo necessário o julgamento do mérito, com a sua consequência óbvia de revogação/confirmação da decisão liminar que concedeu a tutela provisória de urgência requerida pela impetrante, a servir, ainda, como parâmetro para a atuação dos juízes eleitorais no exercício do poder de polícia no segundo turno da eleição. 4. Não só isso, seja de natureza satisfativa, seja de natureza cautelar, a tutela provisória concedida incidentalmente tem de ser confirmada ou revogada no mérito, consoante art. 4º do CPC, plenamente aplicável ao rito do mandado de segurança, por respeitar a um princípio geral processual. Reforça isso o dado, inclusive, de que a não confirmação da tutela provisória pode até mesmo ensejar responsabilidade da parte prejudicada pela efetivação da tutela (art. 302, I do CPC). 5. Rejeição da preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral. 6. O mandado se segurança, ação de natureza constitucional, está previsto no art. 5º, LXIX, da CRFB/88, que estabelece ser ele cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. 7. Tratando-se de ato administrativo proferido por juiz eleitoral, no exercício do poder de polícia, cabível a interposição do recurso previsto no art. 265 do Código Eleitoral, que, todavia, não possui efeito suspensivo, a possibilitar a interposição de mandado de segurança para a garantia de direito eventualmente violado, nos termos do art. 5º, I, da Lei n.º 12.016/2009. 8. O art. 152 da Resolução TSE n.º 23.544/2018, estabelece o uso obrigatório de crachá de identificação pelos fiscais dos partidos políticos e das coligações, vedada a padronização de vestuário. O crachá deverá ter medidas que não ultrapassem 10cm (dez centímetros) de comprimento por 5cm (cinco centímetros) de largura e conterá apenas o nome do fiscal e o nome e a sigla do partido político ou da coligação que representa, sem referência que possa ser interpretada como propaganda eleitoral. 9. A legislação eleitoral não traz nenhuma regulamentação, vedando a padronização de crachá, conquanto o tenha feito quanto ao vestuário. A única especificação refere-se ao tamanho dos crachás, que deve atentar para as medidas previstas no dispositivo regulamentar, e à necessidade de identificação do nome do fiscal e da sigla do partido ou da coligação que representa. 10. O uso de determinada cor, nos crachás de identificação dos fiscais, ainda que gere imediata associação a partido ou coligação, não acarreta violação à legislação eleitoral, porquanto não desvirtuada a finalidade da norma, de permitir a correta identificação dos representantes de partidos e coligações. 11. Conquanto entendido o zelo da autoridade coatora, que, no caso concreto, preocupada em conter o acirramento político existente no interior do Estado, não há restrição quanto ao uso de cores no já citado art. 152 da Resolução TSE n.º 23.554/2017. É regra comezinha de hermenêutica que as restrições devem ser interpretadas restritivamente, sobretudo na hipótese concreta, onde a norma não tratou de restringir, fazendo-se necessária a confirmação da medida liminar concedida pelo Tribunal. 12. Concessão da ordem. (TRE-RN - MS: 060146334 NOVA CRUZ - RN, Relator: FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES, Data de Julgamento: 26/10/2018, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26/10/2018) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pela concessão parcial da segurança, a fim de tornar definitiva a decisão liminar que reconheceu a ilegitimidade passiva do impetrante para promover a remoção do outdoor, mantida a ordem de retirada do artefato publicitário, a qual foi cumprida pela autoridade coatora.

É como voto, senhor Presidente.