REl - 0600481-29.2020.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/10/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, devendo ser conhecido.

 

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.100,00, devido à realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 e da falta de documentos comprobatórios de despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

No parecer conclusivo (ID 44944148), a unidade técnica identificou irregularidades, no valor de R$ 1.100,00, relativas aos seguintes pagamentos de despesas com serviços de militância em favor de LUCAS RIEFEL INACIO (R$ 350,00 + R$ 250,00), IGOR CAMACHO VENTIMIGLIA (R$ 250,00) e BRUNA PEREIRA FERREIRA (R$ 250,00).

Os apontamentos do parecer técnico foram albergados pela sentença recorrida, da qual reproduzo excerto:

[...]

Pois bem, compulsando os autos verifico que foram identificadas inconsistências não sanadas relativas a despesas com a utilização de Fundo Especial de Financiamento de Campanhas que infringem o preceituado pela Resolução/TSE 23607/19 em seus artigos 35, §12, 38, I e art. 60, § 1º, I, da Resolução/TSE 23607/19.

Em sua manifestação, a candidata junta ao presente feito os Documentos ID's 90216838, 90216839, 90216841. 90216842, 90216844, 90216846, 90216845, 90216847, 90216848, 90216849, 90216850 , 90216851, 90218453, 90218454, 90218455. trazendo explicações aos apontamentos realizados no exame preliminar ID 88777324, sobrevindo parecer conclusivo ID 91316770, com apontamentos relativos aos artigos 35, §12, 38, I e art. 60, § 1º, I, da Resolução/TSE 23607/19.

Entendo que os documentos apresentados não são suficientes para afastar os apontamentos realizados em relação ao art. 60, § 1º, I, da Resolução/TSE 23607/19 uma vez que a examinadora solicitou , em seu relatório preliminar ID 88777324, o contrato de prestação de serviço de militância à prestadora de contas, contudo, a parte juntou ao presente feito apenas fotografias dos militantes, hipótese não contemplada no art. 60, §1 da Resolução/TSE 23607/19 e fotografias de cheques, entre outros documentos não relativos ao apontamento realizado.

Entendo, ainda, que não restou comprovado o pagamento relativo a prestação de serviços de militância do Sr. Igor Camacho Ventimiglia no valor de R$ 250,00 (Duzentos e Cinquenta Reais) uma vez que não é possível verificar nos documentos apresentados nos ID's 83280342, 83280342, 72235487,83281022 a juntada do contrato de prestação de serviços de militância bem como a não comprovação de ter a prestadora de contas emitido cheque nominal e cruzado no referido valor em nome do prestador de serviço contrariando o disposto no art. 38, I da Resolução 23607/19.

[...]

 

Em sua manifestação, a candidata afirma que, efetivamente, houve pagamento dos valores às pessoas a que se destinavam e argumenta que os comprovantes de recebimento estão assinados pelos prestadores de serviço, sendo que os valores aparecem nos extratos bancários.

Da análise dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88455/210000882837/extratos), relativos à conta n. 06.116484.0-9 do Banco Estado do Rio Grande do Sul (ag. n. 280), verifica-se que:

1) no cheque n. 0002, no valor de R$ 250,00, consta como contraparte favorecida BRUNA PEREIRA FERREIRA, CPF 25.253.400-00;

2) no cheque n. 0003, no valor de R$ 250,00, consta como contraparte favorecida LUCAS RIEFEL INACIO, CPF 028.744.910-63;

3) no cheque n. 004, no valor de R$ 250,00, não consta indicação do beneficiário do pagamento;

4) no cheque n. 0007, no valor de R$ 350,00, consta como contraparte favorecida LUCAS RIEFEL INACIO, CPF 028.744.910-63.

A fim de justificar essas despesas, a recorrente juntou a seguinte documentação:

a) recibo assinado por Bruna Pereira Ferreira, indicando o valor de R$ 250,00, referente ao serviço de distribuição de panfletos da campanha eleitoral 2020 do Partido PSOL (panfletagem), de 03/11/2020 a 07/11/2020, das 14h às 18h, nos bairros Planalto, Fluminense, Vila Argiles, Vila Kenedy, Prado e Centro, e também fotografia da atividade (IDs 44944034 e 44944103);

b) recibo assinado por Lucas Riefel Inacio, referindo o valor de R$ 250,00, em relação ao serviço de distribuição de panfletos da campanha eleitoral 2020 do Partido PSOL (panfletagem), de 03/11/2020 a 07/11/2020, das 14h às 18h, nos bairros Planalto, Fluminense, Vila Argiles, Vila Kenedy, Prado e Centro, e também fotografia da atividade (IDs 44944037 e 44944102);

c) recibo assinado por Lucas Riefel Inacio, no valor de R$ 350,00, em relação ao serviço de distribuição de panfletos da campanha eleitoral 2020 do Partido PSOL (panfletagem), no dia 09/11/2020, das 14h às 18h, nos bairros Cohab do Armour, Parque do Sol e Povinho; no dia 10/11/2020, das 8h às 12h, no Bairro Centro, e das 14h às 18h, no Bairro Centro; no dia 11/11/2020, das 14h às 18h, no Bairro Tabatinga e adjacências; no dia 12/11/2020, das 14h às 18h, no Bairro Divisa; no dia 13/11/2020, das 14h às 18h, nos bairros Jardins e Vila Moysés Vianna; no dia 14/11/2020, das 8h às 12h, no Bairro Centro, e das 14h às 18h, no Bairro São Paulo e também fotografia da atividade (IDs 44944033 e 44944101);

d) recibo assinado por Igor Camacho Vertimiglia, no valor de R$ 250,00, em relação ao serviço de distribuição de panfletos da campanha eleitoral 2020 do Partido PSOL (panfletagem), de 03/11/2020 a 07/11/2020, das 14h às 18h, nos bairros Planalto, Fluminense, Vila Argiles, Vila Kenedy, Prado e Centro, e também fotografia da atividade (IDs 44944041 e 44944096).

Os documentos que comprovem a realização de despesas com pessoal deve veicular descrição detalhada com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, conforme determina o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

[..]

 

Os recibos apresentados, portanto, atendem ao disposto na legislação eleitoral. Cumpre anotar que o douto Procurador Regional Eleitoral, Dr. José Osmar Pumes, consignou em seu parecer que os valores pagos são módicos e guardam correspondência com o que foi dispendido para o mesmo fim por outro candidato a vereador no município, conforme se verifica no excerto a seguir, que adoto como razões para decidir:

Verifica-se que os recibos juntados aos autos trazem a data de emissão e a descrição detalhada dos serviços prestados, tanto em relação aos horários de trabalho quanto aos locais onde desenvolvida a atividade de militância, bem como a identificação dos prestadores. Falta a justificativa dos preços contratados, porém há que considerar que os valores pagos, de R$ 50,00 por turno de quatro horas, são módicos e guardam correspondência com o que foi dispendido para o mesmo fim por outro candidato a vereador pelo PSOL no município de SANT’ANA DO LIVRAMENTO/RS, Marcos Fabrício Guedes, conforme se pode verificar na PC nº 0600482-14.2020.6.21.0030.

 

Assim, está demonstrada a regularidade nos pagamentos realizados com recursos oriundos do FEFC aos prestadores de serviço BRUNA PEREIRA FERREIRA, CPF 025.253.400-00, na quantia de R$ 250,00, e LUCAS RIEFEL INACIO, CPF 028.744.910-63, no valor total de R$ 600,00 (R$ 250,00 + R$ 350,00), impondo-se o afastamento da irregularidade em relação a tais operações.

Apesar de a contratação de IGOR CAMACHO VERTIMIGLIA também ser regular, verifica-se nos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88455/210000882837/extratos) que o cheque n. 0004, no valor de R$ 250,00, que seria destinado a esse pagamento, foi compensado sem identificação da contraparte favorecida.

Como referido na sentença da ilustre magistrada, Dra. Carla Barros Siqueira Palhares (ID 44944151), a irregularidade é decorrente da “não comprovação de ter a prestadora de contas emitido cheque nominal e cruzado no referido valor em nome do prestador de serviço contrariando o disposto no art. 38, I da Resolução 23607/19”.

Apesar da apresentação de recibo equivalente aos demais juntados ao processo e de a candidata afirmar que houve pagamento dos valores para o prestador de serviços, o gasto não atendeu ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse contexto, para sanar a irregularidade, seria possível a apresentação da cópia do cheque nominal e cruzado emitido para o pagamento de IGOR CAMACHO VENTIMIGLIA, CPF 035.157.670-37, o que não aconteceu no presente caso.

Nessas circunstâncias, este Tribunal Regional sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa de julgado da relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral Francisco José Moesch, a qual reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTO ELEITORAL. DESPESAS EM DESACORDO COM A REGRA PREVISTA NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE GASTO ELEITORAL COM RECURSO PRIVADO, EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. ALTO PERCENTUAL. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

2. Ausência de comprovação de gasto eleitoral. Detectada a emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato. O lançamento de nota fiscal sem a correspondente contabilização na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A omissão de despesa paga com verbas que não transitaram nas contas específicas de campanha configura utilização de recurso de origem não identificada, impondo o dever de recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, consoante o previsto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Comprovação de despesa com recursos do FEFC, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na espécie, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases. Ademais, os documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços acostados aos autos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência do cheque nominal e cruzado. Nessa linha, esta Corte sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gasto eleitoral com recursos privados, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Despesas pagas com o manejo de recursos privados e a utilização de cheque nominal, porém não cruzado. A alegação de que a exigência da norma impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

5. A totalidade das falhas apontadas representa, aproximadamente, 20,34% das receitas declaradas pelos candidatos, comprometendo o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha. Mantidas a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060051796, ACÓRDÃO de 07/12/2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE ) (Grifei.)

 

Logo, remanesce a irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC na quantia de R$ 250,00, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conclusão

No caso concreto, portanto, a irregularidade remanescente alcança o somatório de R$ 250,00, que representa, aproximadamente, 6,63% dos recursos declarados pela candidata (R$ 3.770,48).

Considerando a ínfima dimensão percentual das falhas, bem como o valor nominal diminuto, é viável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas, pois se trata de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

Outrossim, o julgamento pela aprovação das contas com ressalvas não afasta a obrigatoriedade do recolhimento da quantia de R$ 250,00 ao Tesouro Nacional, conforme determinado na sentença, em atendimento ao art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Jandira Julia Vieira Camacho, relativas ao pleito de 2020, mantendo a determinação de recolhimento da quantia de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional.