MSCiv - 0603333-48.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/10/2022 às 14:00

VOTO

 

O presente mandado de segurança é impetrado em face de decisão do Juízo Eleitoral da 34ª Zona que, em expediente administrativo para o exercício do poder de polícia (NIP n. 0600053-62.2022.6.21.0164), inaugurado por filmagem do carro de som (ID 45122458), ordenou a notificação do Impetrante para, em 24 horas, cessar utilização irregular do veículo, nos seguintes termos (ID 45122456, fl. 4):

Notifique-se o candidato para que cesse a utilização irregular do carro de som, em 24h, somente permitida nas hipóteses expressas do art. 15, §3º, Res. 23.610/2019, sob pena de busca e apreensão do veículo com depósito às suas expensas.

 

Notificado, o candidato informou que emprega o equipamento apenas nos termos do art. 15, § 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19, ou seja, em carreatas, caminhadas, passeatas, reuniões e comícios (ID 45122456, fl. 13).

Na sequência, o candidato foi intimado a comprovar “que o carro de som se destinava a passeata ou carreata previamente informada à Secretaria de Trânsito e Transporte” (ID 45122456, fl. 15), ao que alegou o seguinte (ID 45122456, fl. 19): 

1. O peticionante foi notificado por suposto uso irregular de carro de som. Ao responder a notificação, informou que está usando apenas em passeatas, caminhadas e carreatas, conforme prevê a legislação eleitoral.

 

Não foi dito que a secretaria de trânsito e transportes foi previamente comunicada.

 

2. A RTSE 23.610/19 não exige que se comprove previamente a secretaria. Ainda que se possa entender que é obrigação realizar a referida comunicação, tal matéria é de direito de trânsito, não de direito eleitoral, o que escapa a competência desta justiça especializada.

 

3. Em que pese o entendimento acima exposto, o candidato informa que passará a comunicar, previamente, a secretaria de trânsito, as caminhadas, carreatas e passeatas.

 

Em face disso, a Juíza Eleitoral proferiu a seguinte decisão ora impugnada, nos seguintes termos:

Demonstrando a filmagem apresentada que o carro de som estava parado na via pública, sem carreata, passeata ou caminhada, o que aliás restou incontroverso, admitindo o candidato que sequer havia comunicado a Secretaria de Trânsito a respeito, resta evidente o desrespeito ao disposto no artigo 15, §3º da Resolução TSE 23.610/2019.

 

Sendo assim, determino a busca e apreensão do veículo, com depósito, às custas do candidato.

 

Cumpra-se por Mandado, requisitando-se força policial para auxílio no cumprimento da diligência.

 

Pois bem.

Ao conceder o pedido liminar, assim fundamentei (ID 45124118):

O vídeo juntado ao feito original e ao presente (ID 45122458) contém imagem de um carro de som inicialmente parado em via pública, e, após a mudança do semáforo para a cor verde, movimenta-se com o fluxo do trânsito, sendo possível se escutar o aparente som de jingle supostamente produzido por aquele veículo.

 

A primeira decisão se alicerçou no fato de o carro de som estar “parado na via pública, sem carreata, passeata ou caminhada”, descumprindo o previsto no art. 15, § 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19, sendo o candidato notificado exclusivamente para cessar a utilização irregular, sob pena de busca e apreensão.

Além disso, inexiste previsão na legislação eleitoral da obrigação de informar a Secretaria de Trânsito e Transporte sobre o uso do carro de som.

Os autos não demonstram que a irregularidade na utilização do carro de som persistiria ocorrendo após as intimações para a adequação de uso, pois a filmagem que fundamentou a advertência foi a mesma que embasou a ordem de busca e apreensão.

Em outras palavras, o ilícito teria ocorrido em dado momento e, após, sem qualquer notícia de reiteração e em contrariedade à anterior decisão, em que o candidato foi instado a cessar “a utilização irregular do carro de som, em 24h”, houve a ordem e recolhimento do automóvel.

Consoante dispõe o art. 6º, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19, o poder de polícia deve se restringir às providências necessárias para inibir práticas ilegais, devendo as condutas sujeitas a penalidade serem comunicadas ao Ministério Público Eleitoral, para adoção das medidas cabíveis, verbis:

Art. 6º A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40 da Lei nº 9.504/1997 (Lei nº 9.504/1997, art. 41, caput).

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido juízas ou juízes designadas(os) pelos tribunais regionais eleitorais, nos termos do art. 41, § 1º, da Lei nº 9.504/1997, observado ainda, quanto à internet, o disposto no art. 8º desta Resolução.

§ 2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita (Lei nº 9.504/1997, art. 41, § 2º).

§ 3º No caso de condutas sujeitas a penalidades, a autoridade eleitoral delas cientificará o Ministério Público, para os fins previstos nesta Resolução.

Na Resolução TSE n. 23.608, em seu art. 54, § 2º, é fixado que é defeso ao magistrado, no exercício do poder de polícia, adotar medidas tipicamente jurisdicionais, litteris:

Art. 54. A competência para o processamento e julgamento das representações previstas no Capítulo II não exclui o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral e as enquetes, que será exercido pelas juízas ou pelos juízes eleitorais, por integrantes dos tribunais eleitorais e pelas juízas ou pelos juízes auxiliares designados.

§ 1º O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral é restrito às providências necessárias para inibir ou fazer cessar práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas e das matérias jornalísticas ou de caráter meramente informativo a serem exibidos na televisão, na rádio, na internet e na imprensa escrita.

§ 2º No exercício do poder de polícia, é vedado à magistrada ou ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais, como a imposição de astreintes (Súmula nº 18/TSE).

§ 3º O mandado de segurança é a via jurisdicional cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

Portanto, o poder de polícia somente compreende a prática de atos inibitórios de propaganda irregular, de modo minimamente danosa às campanhas eleitorais, não se prestando para tolher o direito dos candidatos de lançarem mão de meio de propaganda lícito e promoverem regularmente sua campanha.

Em análise sumária, não se vislumbra descumprimento de qualquer ordem anterior da Autoridade, não consta prova de reiteração da prática ilícita, bem como houve a aplicação de medida de natureza sancionatória, que somente tem espaço em sede de representação, e não de exercício de poder de polícia, que é do que se trata no presente caso.

 

Com efeito, não constam provas de descumprimento da ordem anterior ou de reiteração da conduta ilícita que embasassem a ordem de busca e apreensão do carro de som, de modo que restou configurado o excesso no exercício do poder de polícia.

Ainda que terminado o primeiro turno das Eleições 2022, é possível e necessário o julgamento do mérito da ação, com a confirmação da decisão liminar que concedeu a tutela provisória de urgência requerida pelo Impetrante, a servir, ainda, como parâmetro para a atuação dos juízes eleitorais no exercício do poder de polícia no segundo turno da eleição.

Nesse sentido, destaco recente julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. IMPORTAÇÃO DE LEITE. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. ACIDENTE NUCLEAR DE USINA EM CHERNOBIL. PRODUTORES DE PAÍSES EUROPEUS. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CONCESSÃO DE LIMINAR SATISFATIVA. INEXISTÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTES. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. CERTEZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÕES CONDICIONAIS. 1. O deferimento de tutela provisória ou de medida liminar, por ostentar caráter precário, não implica a perda de objeto por falta de interesse de agir na hipótese de eventual satisfatividade. Precedentes. (…). 4. "Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão" ( REsp 164.110/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21/03/2000, DJ 08/05/2000, p. 96). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

(STJ - REsp: 1670267 SP 2017/0104711-5, Data de Julgamento: 10/05/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2022) Grifei.

 

Também é o entendimento recentemente acolhido nesta Corte Regional:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. RESTITUIÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL APREENDIDA. WIND BANNERS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DETERMINADA A DEVOLUÇÃO DO MATERIAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Mandado de segurança impetrado contra decisão do Juízo Eleitoral que indeferiu pedido de restituição de propaganda de campanha irregular apreendida, sob o fundamento de que os artefatos publicitários estariam dispostos em via pública em contrariedade às disposições normativas. Tutela antecipatória concedida.

2. O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

3. Inexiste base legal a dar azo à retenção, pela servidão cartorária, dos wind banners. Cumprida a função do juízo, em relação ao poder de polícia, e cessada a irregularidade, correta a determinação de retorno dos engenhos publicitários ao impetrante. Assim, alcançado o desiderato do mandamus, e finda a eleição quanto ao pleito proporcional, deve ser confirmada a segurança, não sendo o caso de perda do objeto.

4. Segurança concedida. Determinada a devolução do material.

(TRE-RS – MSCiv n. 0602825-05.2022.6.21.0000; Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Sessão de 06.10.2022) Grifei.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão de segurança, confirmando a decisão liminar que deferiu a antecipação de tutela.