AJDesCargEle - 0600181-89.2022.6.21.0000 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 07/10/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Eminentes colegas, gostaria de inicialmente parabenizar o ilustre Relator, Desembargador Caetano Cuervo Lo Pumo, pelo bem-lançado voto que, em judiciosas razões, realizou aquilatada análise do caderno probatório contido nos autos.

Verifiquei que os presentes processos diferem dos demais casos semelhantes submetidos a julgamento desta Corte, envolvendo pedido de desfiliação partidária por justa causa, de vereadores eleitos no pleito de 2020 pelo Partido Social Liberal, por alegada mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário em relação ao estatuto do União Brasil, resultante da fusão do PSL com o Democratas (DEM).

No acórdão do processo AJDesCargEle n. 0600124-71, da minha relatoria, julgado em 13/06/2022, o pedido de desfiliação por justa causa foi julgado improcedente, vencidos o ora Relator e a ilustre Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, merecendo ser reiterado o posicionamento adotado por mim por ocasião do julgamento, no sentido de que “O simples fato da fusão não é justa causa”.

Transcrevo, por oportuno, o seguinte trecho do aresto:

O simples fato da fusão não é justa causa. As hipóteses são taxativas e isso decorreu de ato soberano do Congresso Nacional, chancelado pelo próprio STF como visto acima, em que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade ou qualquer vício a invalidar tal ato, de modo que a interferência do Judiciário, com o maior respeito às posições divergentes e ao entendimento majoritário do TSE, me parece, no caso, indevida. Como se trata de um fato político, é na política que se resolve assim como as decisões judiciais se resolvem no Judiciário.

 

Ademais, lembro que nosso sistema político é partidário, de sorte que as interpretações devem ser de caráter restritivo. Aqui ter-se-ia que fazer uma exegese ampliativa para inserir uma justa causa não prevista expressamente em lei, indo de encontro ao sistema de que o mandato é do partido.

 

De outra banda, a interpretação ampliativa conduz à negação da vigência da lei (art. 22-A) no que tange à exigência dos requisitos ali explicitados.

 

Não se trata aqui de adotar o brocardo “in claris cessat interpretatio”, ou a literalidade da lei, embora em tese até cabível, mas de considerar como regra de hermenêutica o sentido teleológico da norma jurídica; se as hipóteses de desfiliação por justa causa são somente aquelas expressamente previstas na Lei dos Partidos Políticos, e lá não está contemplada a fusão e ou incorporação, não vejo como, sem abalar o sistema partidário, simplesmente considerar justa causa o que não está na norma, por ser a fusão um “fato político”.

 

Ainda na questão da exegese, se fosse vontade do legislador considerar a fusão justa causa, tê-lo-ia dito. E mais, vejam que não se trata somente de mudança, ou desvio, ou discriminação política pessoal (incisos I, II do art. 22-A da Lei 9.096/95). As hipóteses vem, todas elas, acrescidas pelos adjetivos qualificativos de serem substancial e grave. É dizer: o legislador, no exercício soberano do mandato, elegeu e dispôs que as justas causas devem ser “graves”, um grau de severidade que efetivamente torne impossível o exercício do mandato pelo parlamentar na esfera da agremiação a qual ele se filiou.

 

Entendo, portanto, que a fusão necessariamente, e em todos os casos, e para todos os filiados das agremiações objeto de fusão e ou incorporação não seja, de per si, elemento que traga uma mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou ainda uma grave discriminação política pessoal. Assim fosse, a fusão poderia ensejar de tal modo a debandada dos parlamentares, por razões de interesses políticos eleitorais, que o mecanismo admitido em lei, de viabilizar a concentração de dois ou mais partidos em um, no sentido de fortalecimento do sistema partidário, acarretaria o efeito inverso.

 

Se os órgãos diretivos do partido criado pela fusão adotam linha de atuação que vai de encontro as ideologias e exercício do mandato de determinado parlamentar, tal fato deve ser alegado e demonstrado. O mero desconforto com posição política do momento – e sabemos como são voláteis os apoios políticos partidários no País – não gera uma situação com a dimensão de gravidade exigida em lei.

 

Não me parece que na nova conjectura legislativa, na qual a fusão foi expressamente afastada das hipóteses de justa causa por ato do Congresso Nacional, seja possível resgatar esse fato como fundamento genérico e indistinto para a desfiliação sem perda do mandato. Ainda que de forma enviesada, a questão deve receber o tratamento de mudança substancial do programa partidário.

 

Por essa razão, é necessário que os parlamentares demonstrem, de forma concreta e casuística, quais ações políticas eram desenvolvidas com base no programa até então seguido pelo partido pelo qual se elegeram e que se refletiam em atos afetos à sua atuação parlamentar que, com a fusão, serão obstadas ou prejudicadas em virtude de uma nova orientação partidária.

 

Ou seja, a mudança substancial fundada na fusão de siglas deve ser acompanhada da demonstração palpável e consistente de que o fato afetou o desempenho da agenda política e das atividades até então desenvolvidas pelo mandatário, tornando incompatível a sua permanência como filiado em face da divergência do antigo com o novo programa partidário.

 

E como o fundamento do pedido é a mudança do programa do partido, é fundamental que o autor apresente os textos do programa partidário anterior e do atual indicando, especificamente, quais disposições são divergentes, a fim de que a Justiça Eleitoral possa, do cotejo das modificações demonstradas nos autos, decidir sobre a existência de uma alteração substancial que represente dicotomia intransponível entre os programas partidários.

 

A pretensão do requerente, deduzida em alegações finais, no sentido de que sejam comparadas as ideologias seguidas pelo PSL e pelo DEM e, também, a votação das siglas em matérias que tramitaram no Congresso Nacional, mostra-se descabida, pois tais partidos estão extintos. Deveria ter sido demonstrada divergência entre o programa partidário da sigla à qual era filiado, PSL, e o resultante da fusão, União Brasil, dado que se transmuta em novo partido.

 

Ocorre que, nesta ação, o requerente não indica nenhuma disposição que tenha sido alterada e consista mudança efetiva nos programas partidários do PSL e do União Brasil. A demanda nada refere sobre alterações ou desvios desses documentos, substrato expressamente exigido pela norma legal.

 

A inicial tão somente alega a existência de contrariedade com a história do PSL sobre o apoio ao Presidente Jair Bolsonaro, porque o UNIÃO BRASIL faz frente a uma oposição ao Chefe do Executivo Nacional, referindo que esse fato representa a mudança de uma diretriz nacional antes adotada pelo PSL, quanto à autorização institucional aos candidatos para apoiar a candidatura majoritária do atual mandatário.

 

Com base nesse argumento, o parlamentar afirma, sem prova alguma juntada ao feito, ser manifesto apoiador de Jair Bolsonaro, que sua base eleitoral é composta por eleitores e admiradores do Presidente, e que já declarou seu alinhamento com o Chefe do Executivo Nacional em diversas ocasiões, durante a campanha de 2018 e durante seus pronunciamentos na Câmara de Vereadores de Cachoeira do Sul.

 

Para respaldar essa tese, colaciona notícias da imprensa com as manchetes: a) “Saída de bolsonaristas é ‘livramento’, afirma diretor do União Brasil”; b) Qual deve ser a cara do novo União Brasil, partido resultado da fusão de DEM e PSL?; c) União Brasil não apoiará Bolsonaro ou Lula, diz Mandetta sobre 2022; d) Negociação entre Podemos e União Brasil pode levar Moro a troca de partido para a campanha à Presidência; e) ACM Neto afasta chance do União Brasil apoiar Bolsonaro: ‘Partido nasce independente’ – Fusão entre Dem e PSL, partido deve lançar nome próprio à presidência em 2022; f) O PSL ainda possui vários filiados que são bolsonaristas radicais. Como o partido vai lidar com esses correligionários? Serão expulsos?

 

Verifica-se a simples menção sobre uma mudança no posicionamento do novo partido sem comprovação particularizada de que essa postura tem reflexos nas ações que o autor desempenhava como filiado ao PSL antes da fusão e que, agora, não mais poderão ser executadas.

 

Sequer foi comprovada a alegação de que, na atividade parlamentar, o autor se afirmava apoiador do Presidente Bolsonaro.

 

É razoável a defesa apresentada pelo União Brasil de que o requerente não fez a menor prova de como a grei subverteu o programa ideológico partidário ou contrariou o histórico de política do PSL.

 

Realmente, não foi descrita qual a interferência da fusão na agenda política e eleitoral que o autor estava exercendo antes que aquela ocorresse, ou quais fatos políticos teriam sido realizados com fundamento no programa partidário anterior e que explicitam divergência em face da fusão.

 

Da leitura da inicial, vê-se que a tese de divergência entre as ideologias partidárias é específica quanto à figura do Presidente Jair Bolsonaro enquanto agente político e pré-candidato à reeleição.

 

Penso que é preciso distinguir entre exercício do mandato eletivo com interesses pessoais de apoio a este ou aquele candidato. O parlamentar não é eleito pelo povo para “fazer campanha eleitoral” e sim para exercer o mandato de forma a atender os interesses e pretensões daqueles que o elegeram na elaboração das normas jurídicas.

 

Em síntese, o que vejo aqui são alegações não de um conteúdo programático que tenha sofrido substancial modificação, e sim declarações próprias de momentâneos interesses políticos, consabido que o apoio ou oposição partidárias historicamente são terrenos altamente movediços, próprios da atividade política.

 

Essa posição foi adotada por esta Corte no julgamento dos processos AJDesCargEle n. 0600162-83, também da minha relatoria, julgado em 13/6/2022, e AJDesCargEle n. 0600001-86, da relatoria da Desa. Vanderlei, em que restei redator do acórdão, julgado em 18/8/2022.

Ocorre que, no caso em apreço, foram juntadas pelo parlamentar provas de que o o partido adotou posição que afetará o exercício do seu mandato eletivo, a justificar a migração de legenda com a manutenção do mandato, exatamente a ressalva contida nos julgados referidos: “Para a caracterização da hipótese como justa causa, é necessário que se demonstre, especificamente, qual o reflexo da mudança apontada no Estatuto do novo partido no mandato eletivo em exercício por aquele que tem interesse em migrar de legenda sem perda do cargo. Em outras palavras, é necessário que os parlamentares demonstrem, de forma concreta e casuística, quais ações políticas eram desenvolvidas com base no programa até então seguido pelo partido pelo qual se elegeram, e que se refletiam em atos afetos à sua atuação parlamentar que, com a fusão, serão obstadas ou prejudicadas em virtude de uma nova orientação partidária”.

Com efeito, foi demonstrado que, na declaração dos ideais do Partido Social Liberal, consta que é necessária a revogação do Estatuto do Desarmamento e as condições para os cidadãos terem posse de arma de fogo, enquanto que o União Brasil, em seu Manifesto, declara expressamente sua bandeira em favor da paz mundial e do desarmamento.

Dos demais elementos de prova apresentados pelo Vereador Alexandre Wagner da Silva Bobadra, considero serem relevantes, para demonstrar seu alinhamento com a política armamentista que não é defendida pelo União Brasil, os seguintes, contidos na AJDesCargEle n. 0600181-89:

a) ID 45013360 - Minuta de Projeto de Lei, em reconhecimento aos serviços essenciais prestados pelas Forças de Segurança Pública Estadual e Guarda Municipal, isentando os integrantes dessas corporações do pagamento da tarifa do transporte coletivo;

b) ID 45013361 - Minuta de Projeto de Lei que institui o “Dia Mundial do Atirador Desportivo”, destacando o legado do Coronel Guilherme Paraense, principal nome da modalidade e dos pioneiros da prática de tiro esportivo no Brasil;

c) ID 45013398 - Requerimento de formação de Frente Parlamentar de Segurança Pública Municipal para discutir e trabalhar em defesa da segurança da população do Município de Porto Alegre;

d) ID 45013399 - Requerimento de formação de Frente Parlamentar do Direito à Legítima Defesa e Porte de Armas para discutir e trabalhar meios que facilitem à aquisição de arma de fogo, bem como de seu respectivo porte para a proporcionar a defesa, pela população, do surto de marginalidade a que está exposta.

 

Desse modo, considerando as peculiaridades e especificidades da situação posta em litígio, realmente a hipótese dos autos difere das demais porque não houve mera referência a uma mudança no posicionamento do partido resultante da fusão, mas uma comprovação particularizada de que essa postura tem reflexos nas ações que o vereador desempenhava como filiado ao PSL antes da fusão e que, agora, não mais poderão ser executadas.

Com esses fundamentos, acompanho o ilustre Relator.