AJDesCargEle - 0601807-46.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/10/2022 às 14:00

VOTO

A ação fundamenta-se no art. 17, § 6º, da Constituição Federal e no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, que prevê no § 6º da Constituição e nos incs. I e II da Lei dos Partidos Políticos, como hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, a anuência do partido (§ 6º), a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (inc. I) e a grave discriminação política pessoal (inc. II).

Passo ao exame dos fatos narrados na inicial pelo Vereador Jeferson Ildefonso Ortiz para a verificação do seu enquadramento como justa causa para a procedência do pedido.

A ação está fundamentada, em síntese, nas seguintes circunstâncias: a) existência de carta de anuência de forma tácita, consistente na abertura de processo administrativo de expulsão (art. 17, § 6º, da Constituição Federal); b) a permanência no partido causar constrangimentos de natureza política, impossibilidade de convívio para ambas as partes e grave discriminação pessoal, diante da condição de homossexual assumida pelo requerente e da sua manifestação pública de apoio a Lula, visto que, por convicções particulares, jamais poderá apoiar a candidatura do Sr. Presidente da República, acarretando prejuízo ao requerente com seus pares, eleitores e o próprio desempenho das suas funções parlamentares.

Acerca da carta de anuência, este Tribunal tem entendimento consolidado no sentido de que, “para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser ‘qualificada’, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo”:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DO MANDATO ELETIVO. VEREADORA ELEITA. AFASTADA A MATÉRIA PRELIMINAR. REVELIA. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INÉPCIA DA INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. CARTA DE ANUÊNCIA DE DESFILIAÇÃO. POSIÇÃO ADOTADA PELO PARTIDO QUANTO À PANDEMIA. DISTANCIAMENTO SOCIAL. AGLOMERAÇÃO. ALINHAMENTO DO PARTIDO COM A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. INTERFERÊNCIA NA GESTÃO DE DIRETÓRIOS MUNICIPAIS. PRISÃO DO PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO. OPOSIÇÃO À UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS. ALEGADA AMEAÇA À LIBERDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO. NÃO DEMONSTRADA SITUAÇÃO OBJETIVA DE DISCRIMINAÇÃO. NÃO CONFIGURADA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL NAS DIRETRIZES DO PARTIDO. NÃO DEMONSTRADAS AS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 22-A DA LEI N. 9.096/95. PEDIDO IMPROCEDENTE.

(...)

3. Juntada carta de anuência da desfiliação assinada pela presidente da agremiação em momento posterior à propositura da ação, a fim de justificar a desfiliação sem perda do mandato. Entretanto, o documento não faz menção à manutenção do cargo eletivo, carecendo de verossimilhança o seu conteúdo com o pedido postulado. O Tribunal Superior Eleitoral, até então, vem adotando o entendimento no sentido de que, para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser “qualificada”, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo.

(…)

10. Improcedência do pedido.

(TRE–RS - Petição n. 0600205-54.2022.6.21.0000 – Relator DES. ELEITORAL GERSON FISCHMANN – ACÓRDÃO de 05.4.2022.) (Grifei.)

 

Portanto, conforme referido em sede liminar, a mera abertura do processo administrativo de expulsão não pode ser tomada, de plano e sem abertura de contraditório para que se oportunize o exercício da ampla defesa pela legenda, como um consentimento do Progressistas para que o requerente se desligue da agremiação e permaneça com o mandato eletivo.

Ademais, nos termos por mim já consignados, “O inconformismo sequer é contemporâneo à abertura do expediente, pois o processo de expulsão foi instaurado em 8.3.2022 e o requerido foi citado em 15.3.2022 (ID 450433601, p. 30), e a ação foi somente ajuizada nesta data de 16.8.2022, cerca de 5 meses depois”.

Também cumpre novamente gizar ser incabível, no âmbito de ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária, que a Justiça Eleitoral determine a suspensão da tramitação de processo administrativo partidário aberto com vistas à expulsão de filiado, detentor de cargo eletivo ou não.

A Resolução TSE n. 22.610/07 tem o escopo específico de disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, e a ação eleitoral prevista no § 3° do seu art. 1° destina-se exclusivamente à declaração da existência das hipóteses de justa causa atualmente previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 e § 6º do art. 17 da Constituição Federal.

Os partidos políticos possuem autonomia para promover, administrativamente, processo de expulsão de seus filiados, e a decisão sobre a abertura do expediente é matéria interna corporis regulamentada no Estatuto Partidário para as hipóteses previstas pela legenda (§ 1° do art. 17 da Constituição Federal), sendo descabida a atuação do Poder Judiciário Eleitoral visando ao impedimento dessa atuação.

Demandas envolvendo a relação jurídica entre filiado e partido político são, por regra geral, de competência da Justiça Comum. Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. RECEBIMENTO COMO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO JULGADA EXTINTA SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 267, INCISO VI DO CPC/73. EXPULSÃO DE FILIADO POR JUSTA CAUSA. OCORRENDO O DESLIGAMENTO, PELO PARTIDO, DE FILIADO QUE EXERCE MANDATO ELETIVO, NÃO HÁ INTERESSE DE AGIR EM RELAÇÃO À PERDA DO MANDATO. NÃO COMPETE AO TSE ANALISAR AS RAZÕES QUE MOTIVARAM O PARTIDO A CONCLUIR PELA EXPULSÃO DO FILIADO, HAJA VISTA A NATUREZA INTERNA CORPORIS DO ATO. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

(TSE - RESPE: 1358620156070000 Brasília/DF 39942016, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 24/10/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico - 04/11/2016 - Página 155-158)

 

Desse modo, reitero o conteúdo da decisão liminar no sentido de que não conheço do requerimento de suspensão da tramitação do processo administrativo ético de expulsão – PP/RS n. 002/22.

Quanto à insatisfação do demandante relativamente ao alinhamento político da legenda para o pleito de 2022, também adiantei ser assente nesta Corte a diretriz de que “as siglas partidárias guardam autonomia para apoiar ou opor-se a governos e políticos, não sendo possível exigir que o programa partidário represente a inflexibilidade de postura a ponto de se afirmar que a orientação e os rumos do partido não possam ser reexaminados de acordo com cada conjuntura social e política” (Petição n 060012471, acórdão de 13/06/2022, da minha relatoria, DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 20/06/2022).

Relativamente aos demais argumentos, a fim de justificar sua desfiliação sem perda do mandato, o Vereador Jeferson Ildefonso Ortiz juntou Processo Ético – PP/RS n. 002/22 sobre apuração de prática de atos de infidelidade partidária e descumprimento dos deveres ético-partidários.

Contudo, ao fundamentar a abertura do processo, o Progressistas indicou a inobservância do Estatuto partidário pelo requerente, como se observa do documento do ID 45043601, p. 4, que aponta os seguintes motivos: “A- Não segue as orientações do Partido, faz acordo de composição junto ao Poder Legislativo e com o Governo do Município, por troca de cargos, inclusive se registrou ATA mais ou menos nesse sentido, conforme o documento em anexo; B- Não paga as contribuições partidárias, conforme consta da notificação e requerimento de parcelamento. Até o presente momento ainda não fez o recolhimento da 1a parcela (docs. j); C- Participou por sua espontânea vontade, sem qualquer comunicação ao Partido de ATO de Lançamento MOVIMENTO PLURIPARTIDÁRIO REGIONAL DE APOIO A LULA! conforme documentos em anexo”.

Do exame dos documentos tem-se que alguns dos fatos considerados pelo autor como caracterizadores de grave discriminação política pessoal foram interpretados pelo partido requerido como inobservância das normas estatutárias, carecendo de verossimilhança a narrativa de que a probabilidade do direito estaria demonstrada desde o ajuizamento da ação.

No caso em tela, a direção estadual do Progressistas instaurou processo ético disciplinar em razão de relato emitido pelo presidente do Diretório Municipal da agremiação, em que o vereador estaria descumprindo deveres partidários como não seguir orientações do partido, fazer acordo com o Poder Legislativo em troca de cargos; não efetuar o pagamento das contribuições partidárias; e participar espontaneamente, sem qualquer comunicação ao partido, de ato em prol a candidato não apoiado pelo partido.

Portanto, a alegação de existência de discriminação individual e coletiva em virtude da preferência política do requerente e do fato de assumir “publicamente, nas redes sociais, a condições de homossexual”, grifo no original, não está demonstrada nos autos.

Não se desconhece que a homofobia se caracteriza como prática repudiada, especialmente, no âmbito judicial, e que as pessoas pertencentes a essa comunidade são alvos de constante preconceitos, inaceitáveis de qualquer forma.

Entretanto, a insurgência do parlamentar quanto ao fato de o partido apoiar o candidato à reeleição como Presidente da República, filiado a outro partido político que não o PP, não estabelece um nexo de discriminação, pois não foi concretamente demonstrado que a posição da grei partidária lhe representou uma discriminação pessoal em razão desse tipo de pensamento.

Conforme jurisprudência recente do Tribunal Superior Eleitoral e da Corte do Pará, verifica-se que, para consubstanciar a grave discriminação, deve haver “a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio da agremiação”:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE. EFEITO SUSPENSIVO. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. ELEIÇÕES 2020. PERDA DE CARGO ELETIVO. DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. GRAVE DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA PESSOAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. SÚMULA 24/TSE. FUMUS BONI JURIS. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Tutela cautelar antecedente, com pedido de liminar, proposta por vereador de Lontras/SC eleito em 2020, na qual se requer seja concedido efeito suspensivo a recurso especial para afastar a perda do cargo eletivo por infidelidade partidária sem justa causa a que foi condenado na origem. 2. Em juízo perfunctório, não se vislumbra ofensa ao art. 22, parágrafo único, II, da Lei 9.096/95, segundo o qual configura justa causa para a desfiliação partidária a hipótese de “grave discriminação política pessoal”. Isso porque, consoante a moldura fática do aresto regional, a defesa não apresentou “qualquer elemento de prova que revele, no plano fático, a marginalização e a hostilidade pelas quais se afirmou padecimento”. 3. Ademais, ainda de acordo com a Corte a quo, o fato de o requerente não participar da executiva municipal da legenda não revela, por si só, “a grave afirmação de rejeição e animosidade no âmbito partidário”. 4. A princípio, a conclusão do TRE/SC está alinhada ao entendimento deste Tribunal Superior no sentido de que “[a] discriminação pessoal que caracteriza justa causa para a desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de impossibilitar a atuação livre e o convívio na agremiação” (AJDesCargEle 0600340–51/PR, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 7/3/2022). 5. À primeira vista, conclusão diversa – com base no argumento de que o mandatário sofreu desprestígio ou perseguição na esfera do partido pelo qual foi eleito – esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, que veda o reexame de fatos e provas em sede extraordinária.

(...)

(TSE - TutCautAnt: 06007914220226000000 LONTRAS - SC 060079142, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 18.8.2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 160.) (Grifei.)

 

 

AÇÕES DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA POR JUSTA CAUSA E DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA - CONEXÃO - JULGAMENTO SIMULTÂNEO - VEREADOR - GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL CARACTERIZADA - EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA À DESFILIAÇÃO - AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA - PROCEDÊNCIA - AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM JUSTA CAUSA - IMPROCEDÊNCIA. 1 - A grave discriminação pessoal ensejadora da justa causa para a desfiliação partidária, deve ser entendida como aquela que configure tratamento desigual e injusto a determinado filiado, distinto daquele dado aos demais integrantes do partido. 2 - Da prova produzida nos autos, se consegue verificar a discriminação pessoal reiterada e sucessiva: desde 2008 até 2011 e às vésperas do prazo para entrega das listas de filiados (outubro de 2011), o que se vislumbra, de forma incontroversa, no instante em que um vereador, em pleno exercício de mandato, com o prazo fatal de filiação partidária a concorrer ao pleito de 2012, sendo ainda candidato nato, recebe como aviso nefasto de sua agremiação que tentou honrar durante sua legislatura, de que não teria o apoio e a aceitação de sua antiga legenda para concorrer à reeleição. Evidente e cristalina a grave discriminação pessoal indene de dúvida. 3 - Ação de Decretação perda de Cargo Eletivo julgada improcedente e Ação de Justificação de Desfiliação Partidária julgada procedente, ante a existência de permissivo legal para migração partidária, consistente em grave discriminação pessoal.

(TRE-PA - Pet: 117028 PA, Relator: LEONARDO DE NORONHA TAVARES, Data de Julgamento: 17.5.2012, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 96, Data: 31.5.2012, pp. 1 e 2.) (Grifei.)

 

Ademais, o próprio autor reconheceu que fez parte de evento no Município em que atua como vereador, Rosário do Sul/RS, com outros partidos políticos, em um comitê suprapartidário regional, em apoio a candidato à Presidência da República adversário do aprovado por sua agremiação, e reconheceu ser essa uma das razões da instauração do Processo Ético Administrativo.

Ainda sobre o procedimento em questão, o partido afirmou que o requerente se encontra inadimplente quanto às contribuições partidárias, e o fato não foi contestado nos autos.

Conforme defende o PROGRESSISTAS, a abertura de procedimento ético disciplinar não justifica a desfiliação nem tem o caráter fático de anuência com o desligamento sem perda do mandato.

Nesse contexto, como se manifestou a douta Procuradoria Regional Eleitoral, concluo não ter sido superada a interpretação que o Tribunal Superior Eleitoral vem tomando até então no sentido de que, para aceitar o consentimento do partido como justa causa, a anuência deve ser “qualificada”, expressando uma declaração de que o partido não tem interesse no cargo eletivo, como já foi decidido por esta Corte em acórdão de minha relatoria.

 

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, as hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação.

 

Ante o exposto, VOTO pela improcedência da ação.