REl - 0600251-22.2020.6.21.0083 - Voto Relator(a) - Sessão: 06/10/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereadora, de JARCEDI MARIA ORO, no Município de Sarandi/RS, em razão de falhas que comprometeram a regularidade das contas apresentadas, em especial a contrariedade ao art. 38 e seus incisos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Acertadamente, a sentença (ID 44961117) foi no seguinte sentido:

Cuida-se de apreciar contas de campanha eleitoral por candidato ao cargo de Vereador.

Registre-se que a prestação de contas apresentada pelo candidato se encontra instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/19.

Note-se que, aberto o prazo legal por edital, não houve impugnação em desfavor destas contas.

Realizada a análise técnica, listo as impropriedades para proferir a sentença.

A diligência (ID: 98275650) aponta as seguintes irregularidades:

“O prestador utilizou o serviço de militância e mobilização de rua na sua campanha eleitoral.

Dessa forma, considerando que a Resolução TSE n. 23.607/19 classifica essa atividade em gasto eleitoral, de acordo com o que prevê o art. 35, inc. VII, o candidato deve observar algumas particularidades na execução dos gastos eleitorais, principalmente no que se refere aos meios de quitação, respeitando as designações do art. 38 e seus incisos.

Diante disso, em exame das contas, detectou-se o emprego da tarefa disposta no art. 41, caput, cujo pagamento foi realizado com recursos oriundos do FEFC, mediante cheque ao portador.

Por fim, vale apontar que o trânsito de valores nas contas bancárias não deve se afastar dos procedimentos elencados pela Resolução em comento. Nesse passo, os saques de valores são autorizados em casos bem específicos, tal qual estipula o art. 39 e seus incisos."

A defesa, em petição (ID: 98925372), assim se manifestou:

“Pelo presente informamos que os recursos utilizados FEFC foram utilizados na campanha eleitoral fui utilizada para a DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS, distribuídos de casa em casa independentemente de estarem as pessoas em casa ou não, sendo meramente um Trabalho de distribuição deste material, sendo seu pagamento feito através de cheque específico e nominal ao prestador dos serviços conforme copia do contrato e respectivos cheques de pagamento. Para tanto não deve ser considerado como serviços de militância uma vez que os serviços prestados foram pagos. 

Em vista do presente solicitamos a aprovação das contas apresentada."

Gize-se que o apontamento não adentra ao mérito da atividade e sim evidencia que houve equívoco no método de pagamento, visto que não se observou as designações do art. 38 e seus incisos (Resolução TSE n. 23.607/19) na quitação dos gastos eleitorais:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta;

IV - cartão de débito da conta bancária.

A “DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS” se encaixa perfeitamente no serviço de militância previsto no art. 41, caput (Resolução TSE n. 23.607/19): 

Art. 41. A realização de gastos eleitorais para contratação direta ou terceirizada de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua nas campanhas eleitorais...

Ora, se a DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE PANFLETOS  constitui gasto eleitoral, a atividade se vincula diretamente com o normativo do art. 38, residindo aí o cerne do equívoco.

Ademais, sobre a utilização de recursos públicos nas campanhas eleitorais (Fundo Partidário ou Fundo Especial de Financiamento de Campanha), trago as lições de Gomes (2020, p. 670): 

“Deveras, é direito impostergável dos integrantes da comunhão política saber quem financiou a campanha de seus mandatários e de que maneira esse financiamento se deu. Nessa seara, impõe-se a transparência absoluta, pois em jogo encontra-se o legítimo exercício de mandatos e consequentemente do poder estatal. Sem isso, não é possível o exercício pleno da cidadania, já que se subtrairiam do cidadão informações essenciais para a formação de sua consciência político-moral, relevantes sobretudo para que ele aprecie a estatura ético-moral de seus representantes e até mesmo para exercer o sacrossanto direito de sufrágio.”

Nessa esteira, é imprescindível que a movimentação de valores ocorra através das contas bancárias. E o art. 38, incs. I, II, III, IV, da Resolução TSE n. 23.607/19 vai ao encontro dos pressupostos extraídos de José Jairo Gomes e acima mencionados, visto que os métodos de pagamento servem para registrar o trânsito de valores e a sociedade tenha acesso ao destino dos recursos que financiam as campanhas políticas.

Destarte, a conclusão que se alcança é, senão, a desaprovação das contas eleitorais e, por conta da utilização indevida dos recursos públicos empregados na campanha, a aplicação da penalidade prevista no art. 79, § 1º da Resolução TSE n. 23.607/19;

III – DISPOSITIVO:

Isso posto, considerando o relatório final de exame e manifestação do Ministério Público Eleitoral, DESAPROVO as presentes contas de campanha, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 e determino, com fulcro no art. 79, § 1º, no prazo de 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado da sentença, o recolhimento de R$ 1.500,00, valor equivocadamente utilizado por meio do FEFC.

 

Assim, a sentença acolheu os apontamentos efetuados pela unidade técnica em seu parecer conclusivo (ID 44961114), no sentido de que os recursos financeiros originários do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC foram empregados incorretamente na campanha, pois a prestadora não respeitou as disposições do art. 38 e seus incisos, de tal forma que lhe foi aplicada a penalidade prevista no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Sustenta a recorrente que a falha constatada é meramente formal, uma vez que a movimentação financeira foi comprovada e todos os valores transitaram por conta bancária, sendo que o adimplemento dos serviços de militância foi realizado mediante cheque nominal (ID 44961121).

Não assiste razão à recorrente.

Consta que o prestador efetuou o pagamento dos serviços de militância por meio de emissão de cheques nominais (ID 44961111), porém não cruzados.

A unidade técnica em seu exame preliminar (ID 44961108), posteriormente ratificado no parecer conclusivo, esclarece o ponto da seguinte forma:

O prestador utilizou o serviço de militância e mobilização de rua na sua campanha eleitoral.

Dessa forma, considerando que a Resolução TSE n. 23.607/19 classifica essa atividade em gasto eleitoral, de acordo com o que prevê o art. 35, inc. VII, o candidato deve observar algumas particularidades na execução dos gastos eleitorais, principalmente no que se refere aos meios de quitação, respeitando as designações do art. 38 e seus incisos.

 

Houve, portanto, infração ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos eleitorais de natureza financeira só podem ser efetuados por meio de:

I. cheque nominal cruzado;

II. transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III. débito em conta; ou

IV. cartão de débito da conta bancária.

 

Na espécie, na data de 09.11.2020, foram sacados os cheques n. 00001 e 00002, no valor R$ 750,00 cada um, não constando identificação da contraparte no extrato bancário.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44995991):

[…] os meios de pagamento previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do gasto correspondente.

 

No caso em tela, sendo o pagamento realizado mediante cheque não cruzado, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha, pois impediu o controle e fiscalização da destinação dos recursos públicos.

Outro ponto que restou prejudicado, visto que os valores, embora oriundos dos cofres públicos não transitam pelo sistema financeiro nacional, foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenceram à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos, como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro dispositivo legal elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados e, o segundo, um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas, contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e destino dos valores.

A Procuradoria Regional Eleitoral explicita em suas palavras a necessidade de analisar de forma conjunta os dados extraídos (ID 44995991):

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução TSE n. 23.607/19, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se trata de aplicação de recursos públicos.

 

Portanto, não há como afastar as irregularidades referentes àqueles pagamentos, no valor total de R$ 1.500,00, uma vez que os cheques emitidos comprovadamente não foram cruzados, inviabilizando-se a certificação da regularidade da respectiva despesa eleitoral.

Conforme consta, as irregularidades (R$ 1.500,00) representam 43,76% do total das receitas declaradas (R$ 3.428,00), e o valor absoluto é significativo e superior ao parâmetro de 1.000 UFIR adotado por esta Corte como viabilizador de ressalvas às contas.

Corroborando, segue decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, ao efeito de manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.