REl - 0600293-07.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/10/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Mérito

No mérito, as contas de DANIELLE GODINHO MORAES foram desaprovadas, em razão do uso irregular de verbas do FEFC no pagamento de contrato de serviços de militância eleitoral, o qual teve por contratada Maria Eduarda Moares Gomes, filha da candidata.

O dispêndio foi relacionado na contabilidade de campanha no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) e, a corroborar, aportou com a irresignação cópia do contrato, recibo de pagamento de prestação de serviços n. 01 e comprovante de transferência de R$ 1.000,00 da conta destinada ao recebimento de recursos do FEFC para a conta particular de Maria Eduarda Moraes Gomes.

A convicção exarada pelo juízo a quo aponta indício de apropriação pela concorrente de verbas públicas, visto que destinadas ao financiamento eleitoral em proveito próprio ou alheio, no caso a filha, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 79 e art. 82 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

§ 2º Na hipótese do § 1º, incidirão juros moratórios e atualização monetária, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, sobre os valores a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, desde a data da ocorrência do fato gerador até a do efetivo recolhimento, salvo se tiver sido determinado de forma diversa na decisão judicial.

Art. 82 Se identificado indício de apropriação, pelo candidato, pelo administrador financeiro da campanha ou por quem de fato exerça essa função de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio, cópia dos autos deve ser encaminhada ao Ministério Público para apuração da prática do crime capitulado no art. 354-A do Código Eleitoral. (Grifei.)

 

O adimplemento aqui ventilado se deu com verba pública, a qual demanda um formalismo mais acentuado quando do seu emprego e uma atenção redobrada aos princípios inerentes à sua administração.

Com efeito, a utilização do FEFC para quitação de serviço de militância realizado pela filha da candidata configura afronta aos princípios que norteiam o uso do dinheiro público, com relevo os da moralidade e impessoalidade, máxime por ter a recorrente destinado a parente consanguíneo o repasse público.

Nesses casos, “a escolha do prestador de serviços ou do valor a ser pago, dentro do juízo de definição do que seja costumeiro, vantajoso e útil para a campanha, cabe, em regra, exclusivamente ao candidato; contudo, ao fazê–lo na administração de recursos públicos, o agente se vincula aos princípios–deveres que regem a administração pública, como previsto no caput do art. 37 da Constituição da República. Na ausência de regra jurídica infraconstitucional, o princípio deve atuar, subsumindo os fatos, ensejando quando verificada a sua violação a irregularidade no uso dos recursos públicos, que vista no seu conjunto levou o julgador de primeira instância a aprovar com ressalvas as contas, determinando a devolução dos valores gastos com a contratação como cabo eleitoral de parente de segundo grau na linha colateral ao erário” (TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 060101804, Acórdão, Relator (a) Des. Adenir Teixeira Peres Junior, Relator (a) designado (a) Des. Jeronymo Pedro Villas Boas, Publicação: DJE – DJE, Tomo 107, Data: 20.6.2022).

O entendimento desta Corte, quanto ao uso indevido de recursos públicos em contratos tendo como parte familiares, é pela vedação. Nesse sentido, segue excerto de aresto da relatoria do Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Esse e. TRE-RS já teve a oportunidade de enfrentar a questão, ocasião em que deixou assentado, nos termos do voto do e. relator, que as normas que regulam a contabilidade eleitoral não coíbem, expressamente, que candidatos, bem como seus parentes, forneçam bens e serviços às próprias campanhas eleitorais. O entendimento por tal vedação advém de extensão dos princípios inerentes à administração pública às verbas advindas do FEFC (PC n. 0602572-56.2018.6.21.0000 Relatoria: Des. Eleitoral Sílvio Ronaldo Santos de Moraes. Julgada em: 09.12.19.) (Grifei.)

 

Na mesma direção, segue a jurisprudência sufragada pelo TSE, a qual ilustro com trecho de acórdão de lavra do Min. Ricardo Lewandowski:

(…) é firme o entendimento desta Corte no sentido de que tanto os partidos políticos quantos os candidatos às eleições, quando do gerenciamento de recursos públicos, devem observar os princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, economicidade e transparência, de modo a restar vedada a contratação de parentes de candidatos ou de dirigentes de grêmio político ou de empresas pertencentes a parentes. (TSE – Agravo em REspEl: 06001045820196220000 PORTO VELHO - RO 060010458, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 04/07/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 146)

 

Em idêntica toada, segue excerto de ementa de aresto de relatoria da Min. Rosa Weber:

5. À luz do princípio da moralidade, não há como admitir que sejam contratadas para prestar serviços ao partido empresas pertencentes a dirigentes dele. Da mesma forma, tal contratação não permite o atendimento do princípio da economicidade, pois nunca se poderá saber se os serviços foram prestados com qualidade e modicidade de custo ou se eventual falta de qualidade ou preço acima do justo foram relevados pelo fato da empresa pertencer a dirigente partidário. (TSE – PC n. 0000228–15.2013.6.00.0000, Relatora Min. Rosa Weber, julgado em 26.4.2018, publicado no DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 110, Data: 06.6.2018, pp. 57–58.)

 

E, de forma a concluir o raciocínio quanto à inadequação do uso de recursos públicos no adimplemento de obrigações contratadas com familiares, vale citar o entendimento esposado pelo Min. Tarcísio Vieira Carvalho Neto:

(...)é de se ter enraizada nas estruturas partidárias a consciência da transparência, da moralidade, da economicidade, da razoabilidade, da boa–fé, da cooperação e de outros importantes princípios norteadores das despesas com recursos públicos, exatamente para que os gastos com o Fundo Partidário não percam a natureza de sustentação do modelo republicano brasileiro” (PC nº 229–97, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 19.4.2018)

 

Assim, a despesa de R$ 1.000,00 paga com verbas do FEFC a Maria Eduarda Moares Gomes, filha da candidata, merece glosa, devendo ser tomada como irregular e, via de consequência, ressarcida aos cofres públicos.

A mácula, ainda que mantida, não supera o parâmetro de R$ 1.064,10 definido por esta Corte, de sorte que a quantia, tida por ínfima, viabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto dos registros contábeis, de modo a possibilitar a aprovação das contas com ressalvas, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de DANIELLE GODINHO MORAES, relativas às eleições de 2020, mantido o dever de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.