ED no(a) REl - 0600526-90.2020.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 04/10/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

Os embargos são tempestivos.

Anoto que esta espécie recursal possui fundamentação vinculada, sendo cabível tão somente para sanar os defeitos do ato judicial taxativamente indicados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, ou seja, (a) obscuridade, (b) contradição, (c) omissão ou (d) erro material.

É sabido que a presença de tais vícios é relevante tanto para o juízo de admissibilidade da irresignação quanto para o exame do mérito.

No primeiro caso, verifica-se a presença em abstrato do vício, sendo a segunda etapa o exame em concreto. Dessa forma, a mera alegação da existência de um dos vícios descritos pela lei autoriza o conhecimento do recurso, sendo a análise da existência concreta de tal vício matéria de mérito.

Alegado o vício, o recurso é admissível; existente o vício alegado, o recurso é provido; caso contrário, nega-se provimento ao recurso (Barbosa Moreira, citado por NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – volume único. 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 1702).

Tendo os embargantes sustentado a existência de obscuridade e omissão, a interposição é adequada, de forma a comportar conhecimento por estarem preenchidos, também, os demais pressupostos de admissibilidade.

 

Do Mérito

No mérito, o recurso insurge-se contra o acórdão que, por unanimidade, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as contas de CARLOS EDUARDO DOUGLAS SANTANA e ISMAEL CHERUTI FERRI e determinou o recolhimento de R$ 32.469,46 (trinta e dois mil, quatrocentos e sessenta e nove reais e quarenta e seis centavos) ao Tesouro Nacional.

A ementa do acórdão embargado restou assim redigida:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOAÇÃO DE PESSOAS FÍSICAS POR MEIO DE DEPÓSITOS SUCESSIVOS EM ESPÉCIE. OMISSÃO DE DESPESA. ALTO PERCENTUAL. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. MANTIDO DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidatos ao cargo de prefeito e vice relativas ao pleito de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Doações de pessoas físicas por meio de depósitos sucessivos em espécie em valor superior a R$ 1.064,10. Nos termos do art. 21, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou por meio de cheque cruzado e nominal. Conforme disposto no § 2º do mesmo artigo, os valores dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal. Assim, permanece a irregularidade consistente no recebimento de recursos de origem não identificada e o dever de recolhimento da quantia aos cofres do Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Omissão de despesas. Notas fiscais emitidas com o CNPJ de campanha, relativas a despesas omitidas na prestação de contas e cujo pagamento não transitou pela conta bancária. Como os recursos financeiros utilizados para pagamento das despesas constantes nas notas fiscais não transitaram pela contabilidade de campanha, resta configurada a utilização de recursos de origem não identificada, sujeitos a recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. O egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a falha em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa.

4. O montante das falhas representa 12,61% do total das receitas declaradas na campanha. Inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Corte, impondo-se a integral manutenção da sentença.

5. Desprovimento.

Os embargantes sustentam que a decisão seria obscura e omissa porque os recursos recebidos pelos candidatos estariam identificados com o número do CPF dos doadores informados por ocasião dos depósitos.

O ponto foi detidamente examinado no trecho que segue do voto aclarado:

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…).

Segundo se depreende da leitura do §§ 1º e 4º do art. 21, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou por meio de cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional, caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, mesmo que identificado o doador.

Ainda, nos termos do § 2º do mesmo artigo, os valores dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10.

Por conseguinte, deve-se compreender o conjunto de depósitos realizados pelos 7 doadores, realizados em 06.11, 12.11, 13.11 e 14.11, em espécie, como uma única operação, em afronta às normas de regência.

Embora os depósitos tenham sido identificados, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário […]

A exigência normativa de que as doações de campanha, mesmo que provenientes dos próprios candidatos, sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Ademais, destaco que, diante da utilização dos valores doados, esses devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, não havendo como se cogitar da devolução aos doadores.

Assim, permanece a irregularidade consistente no recebimento de recursos de origem não identificada e o dever de recolhimento da quantia de R$ 31.000,00 aos cofres do Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 21 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. (Grifei.)

 

Não há, portanto, qualquer omissão ou contradição no voto, visto que ficou consignado que o depósito identificado – aquele no qual o depositante declara o CPF – não comprova a origem dos recursos. 

Ademais, a tese sustentada pelos embargantes afronta diretamente o disposto no regulamento acima transcrito, porquanto as doações sucessivas não observaram a exigência de realização mediante transferência bancária, o que determina que o doador não foi regularmente identificado. Ademais, os recursos recebidos foram utilizados na campanha, o que impõe seu recolhimento ao Tesouro Nacional, ainda que se considerasse adequada a identificação dos doadores, o que não é o caso dos autos, conforme disposto no § 4º do art. 21 já citado.

Da mesma forma, a não observância do meio correto para aporte das doações em questão – transferência bancária – compromete a identificação da origem dos recursos e atrai a aplicação do contido no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Essa norma proíbe que recursos utilizados sejam devolvidos aos doadores.

Em relação à omissão de despesas, as quais os embargantes afirmam serem gastos pessoais do candidato, além de alegarem a circunstância de o CNPJ da campanha ter sido utilizado indevidamente e sem autorização, constou na decisão aclarada:

O órgão técnico apontou a existência de notas fiscais emitidas com o CNPJ de campanha dos recorrentes, no valor total de R$ 1.469,46, relativas a despesas omitidas na prestação de contas e cujo pagamento não transitou pela conta bancária.

Em sua defesa, os recorrentes alegaram equívoco no lançamento das notas fiscais com CNPJ de campanha, por se tratar de despesas de cunho pessoal, isentas da necessidade de declaração na prestação de contas.

Conforme moldura fática acima delineada, houve despesa de campanha que não foi escriturada no conjunto contábil, em afronta ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I – pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

Anoto que não prospera a tese de equívoco no lançamento das notas fiscais com CNPJ de campanha em virtude de realização de despesa de cunho pessoal dos candidatos.

Isso porque há mecanismos constantes do próprio estatuto regulamentar de contas que deveriam ter sido adotados pelos prestadores, como providenciar o cancelamento da nota fiscal e comprovar sua efetivação a esta Justiça Especializada, juntamente com esclarecimentos firmados pelo fornecedor, nos termos dos arts. 59 e 92, § 6º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse ponto, vale transcrever excerto do bem-lançado parecer ministerial:

(...)

No ponto, os recorrentes alegam que as notas fiscais em questão são pertinentes a gastos pessoais dos candidatos, não configurando despesas eleitorais, razão pela qual não teriam sido pagas com recursos da campanha. Afirmam, ademais, que o valor é insignificante, e que o CNPJ da campanha foi indevidamente utilizado.

No caso de não reconhecimento de documentos fiscais, cabia aos recorrentes buscar junto às empresas responsáveis a correção da irregularidade. Em tais situações, nos termos dos artigos 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE nº 23.607/19, o candidato deve apresentar à Justiça Eleitoral a comprovação do cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pela fornecedora ou pleo fornecedor. Caso ultrapassado o prazo para tanto, seria possível ainda o estorno da nota fiscal, nos termos da Instrução Normativa 98/2011 da Subsecretaria da Receita Estadual do Rio Grande do Sul, o que tampouco ocorreu.

Assim, na falta de cancelamento ou estorno das notas fiscais, tem-se que as despesas a elas relativas foram pagas com valores que não transitaram pela conta bancária de campanha, configurando recursos de origem não identificada, a serem recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Sendo assim, como os recursos financeiros utilizados para pagamento das despesas constantes nas notas fiscais em comento não transitaram pela contabilidade de campanha, configuram recursos de origem não identificada, estando sujeitos a recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Demais disso, gizo que o fato de constar o número de CNPJ da campanha em nota fiscal não declarada e não cancelada, cujo pagamento ocorreu fora das contas de campanha, tem o condão de caracterizar recebimento de recursos de origem não identificada. (grifei)

 

Não há, portanto, qualquer omissão quanto à análise das despesas ou à utilização do CPNJ de campanha nos documentos fiscais.

O ponto pertinente ao comprometimento da contabilidade pelas irregularidades, as quais os embargantes sustentam ter caráter ínfimo que não justificariam a desaprovação das contas, também foi tratado no acórdão. Vejamos:

Tendo em vista que o montante das falhas está consolidado em R$ 32.469,46, o que representa 12,61% do total das receitas declaradas na campanha (R$ 257.366,88), mostra-se inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade, na esteira da jurisprudência do TSE e desta Corte, impondo-se a integral manutenção da sentença.

 

Como se percebe, os embargantes intentam rediscutir o mérito da decisão do Colegiado sob alegação de omissão e contradição, além de buscarem o reexame do acervo probatório com a alegação de que documentação anexada demonstrou a origem segura dos recursos, o que não é viável em embargos de declaração.

Quanto ao prequestionamento, os dispositivos invocados pelo embargante foram expressamente mencionados no acórdão impugnado.

Portanto, não constatado qualquer vício que macule a decisão impugnada, os embargos devem ser rejeitados.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por conhecer e rejeitar os embargos de declaração.