REC no(a) DR - 0603447-84.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/10/2022 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, comporta conhecimento.

A decisão sob ID 45133135 foi no seguinte sentido:

A propaganda impugnada veicula mensagem cujo texto é o seguinte:

Nessa eleição pro senado a gente tem de um lado o PT e o PSOL, com uma proposta indecente e mal explicada.

Aí tu vota no Olívio e leva Robaina. É isso?

Do outro lado a gente tem a candidata Ana Amélia, que mora há quarenta anos em Brasília e foi funcionária fantasma do marido.

E do lado dos gaúchos a gente tem o Mourão. Por isso vota 100 pro Senado. Locutora: Vote Mourão para senador. Equilíbrio coragem para representar o Rio Grande.

 

Quanto ao direito de resposta, consoante estabelece o art. 58 da Lei n. 9.504/97, a partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

É pacífica a jurisprudência no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (TSE, Representação n. 367516, Relator Min. Henrique Neves, Publicação: 26.10.2010).

Pois bem.

Primeiramente, no tocante à informação de que Ana Amélia “mora há quarenta anos em Brasília”, tenho que não se trata da fato sabidamente inverídico.

Relata a representante que a candidata “sempre teve domicílio eleitoral no Rio Grande do Sul, alternando-se entre o Município de Canela e de Porto Alegre”, e que “sempre foi vista pelo Estado”.

Contudo, as figuras domicílio e residência têm conceitos distintos, e, segundo o histórico da candidata, parece não haver inverdade nisso.

Não foi dito que Ana Amélia não tem vínculo com o Estado, simplesmente que reside em Brasília há quarenta anos.

Consoante matéria publicada em 2012 no Valor Econômico, do grupo O Globo, https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2012/09/28/onde-estao-os-gauchos.ghtml, em entrevista, ao ser indagada “A senhora mora aqui?”, respondeu: "Há 34 anos estou em Brasília. E moro em minha casa. Não recebo auxílio-moradia. O Senado faz economia comigo".

No que concerne à afirmação de que Ana Amélia “foi funcionária fantasma do marido”, igualmente entendo que não atrai o direito de resposta pleiteado.

Conforme matéria divulgada no Sul21, https://sul21.com.br/breaking-newsultimas-noticiaspolitica/2014/09/ana-amelia-divulga-nota-mas-nao-explica-como-conciliava-cargo-no-senado-e-emprego-na-rbs/, a ora candidata não logrou explicar o modo como cumpriria sua jornada de 40 horas semanais no Senado, quando ocupou o cargo em comissão de Secretária Parlamentar no Gabinete do Senador biônico Octávio Cardoso, entre 1986 e 1987, período em que dirigia a sucursal do Grupo RBS em Brasília.

Extraio da reportagem os seguintes fragmentos:

A candidata ao governo do Estado pelo PP, Ana Amélia Lemos, divulgou nota sobre o período em que ocupou Cargo em Comissão no gabinete do marido, o senador biônico Octávio Cardoso, entre 1986 e 1987, ao mesmo tempo em que dirigia a sucursal do Grupo RBS em Brasília. No entanto, na declaração, a candidata não responde a questões como de que modo conciliava os empregos.

(...)

Ana Amélia não informou até agora, nem na nota oficial, nem nas declarações à imprensa, como cumpria a carga de 40 horas semanais de trabalho como CC, que deveriam ser atestadas pelo titular do Gabinete, juntamente com a função de diretora da sucursal da empresa de comunicação gaúcha em Brasília.

(...)

A candidata afirmou também, em entrevista ao Portal Terra, que não havia incompatibilidade na função que desempenhava: “Fiz uma assessoria com um ‘salariozinho’ para o meu marido. Não havia nenhuma incompatibilidade porque o salário na época era baixo”, disse Ana Amélia. O salário ao qual Ana Amélia se refere era de Cr$ 9 mil, (cerca de R$ 8.115,00 em valores atualizados). A quantia corresponderia hoje a mais de nove salários mínimos regionais.

Segundo Ato da Comissão Diretora do Senado nº12, de 1978, a função de Secretária Parlamentar exercida pela então jornalista tinha como tarefa prestar “apoio administrativo ao titular do Gabinete, preparar e expedir sua correspondência, atender as partes que solicitam audiência, executar trabalhos datilográficos, realizar pesquisas, acompanhar junto às repartições públicas assuntos de interesse do Parlamentar e desempenhar outras atividades peculiares à função”.

No portal Terra, no endereço https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/ana-amelia-teve-cargo-com-o-marido-mas-nega-irregularidade,d9ab40b0bf968410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html, consta notícia de que Ana Amélia “trabalhou no gabinete de seu marido, o então senador Octávio Cardoso, em 1986”.

Calha reproduzir alguns trechos da matéria:

“O PT vasculhou minha vida inteira e encontraram que há quase 30 anos, durante nove meses, fiz uma assessoria com um 'salariozinho' para o meu marido. Não havia nenhuma incompatibilidade porque o salário na época era baixo”, disse. “Não havia internet, eu fazia tão somente clippagem de jornais e seleção de pautas para acompanhar”, acrescentou.

Ana, que era diretora da sucursal de Brasília da RBS (afiliada da Rede Globo) à época, contou que a prática era "normal" e que muitos jornalistas trabalhavam como assessores para complementar os baixos salários.

A candidata disse ainda que a atuação ocorreu antes da Constituição de 1988 e da criação de regras claras sobre nepotismo. Além disso, os cargos de confiança poderiam ter horários flexíveis, já que não havia ponto. “Os critérios da relação de assessoramento eram diferentes. É muita vontade de colocar pelo em ovo”, concluiu.

Vê-se que não foi devidamente explicado como a candidata conciliava ambas atividades, de diretora da sucursal de Brasília da RBS e de assessora parlamentar, sobretudo considerando que a primeira atividade seguramente foi desempenhada, com atuação digna de encômios, e certamente ocupava grande parcela de seu tempo.

Assinalo que tema correlato já foi trazido à apreciação deste Tribunal, sem que tenha sido deferido direito de resposta, no processo n. REC 1390-26.2014.6.21.0000, julgado em 2014, em face da divulgação no horário eleitoral gratuito de rádio, mensagem que continha as seguintes informações:

(…) Ouve só os comentários da Rádio Gaúcha, da própria RBS, sobre o assunto: “vamos falar aqui, Rosane e Carolina, sobre um caso que surgiu ontem, de uma denúncia contra a candidata Ana Amélia Lemos, que durante o ano de 1986 era funcionária da RBS em Brasília, e ao mesmo tempo acumulava uma função, um cargo de confiança, no gabinete do marido dela no Senado. E aí tem duas questões que me parecem conflitantes: uma pessoa não pode ocupar dois cargos ao mesmo tempo e ela estar em dois lugares é impossível. Ela não pode cumprir agenda em dois lugares”.

(TRE-RS, Processo REC 1390-26 – Rel. Dra. Lusmary Fatima Turelly da Silva, julgado em 30.9.2014).

Igualmente, no processo REC n. 1391-11.2014.6.21.0000, foi mantida decisão monocrática que indeferiu direito de resposta:

Terceiro, entendo que as conclusões constantes na petição inicial, (1) relativas à pratica de nepotismo (na época dos fatos permitida, legalmente vedada somente após o advento da Constituição Federal de 1988 e em momento algum citada na propaganda eleitoral ora sob exame) e (2) de suposto não cumprimento da jornada de trabalho – situação conhecida como “funcionário fantasma” (indicada por um popular, na propaganda) pertencem à espécie de críticas e ponderações que devem ser encaradas com prévia e devida contextualização, mormente por estarmos a tratar de embate eleitoral, entre pessoas cujas imagens são públicas e, por isso mesmo, com sujeição a críticas em dimensão absolutamente reforçada.

(TRE-RS, REC 1391-11.2014.6.21.0000 – Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, julgado em 30.9.2014).

Nas circunstâncias concretas, a expressão “funcionária fantasma do marido” não se amolda ao intento de direito de resposta, pois as afirmações já foram objeto de discussão na imprensa, cabendo à candidata usar o seu espaço de campanha eleitoral para rebater as acusações.

Por outro lado, a expressão utilizada possui um inequívoco excesso de linguagem ofensiva à candidata, o qual, sob os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não justifica que os representados percam seu horário de propaganda em detrimento dos esclarecimentos da parte adversária.

Na prática, a ordem que proibiu a veiculação da propaganda em questão, cumpriu o desiderato de não permitir a sua continuidade e sustar os eventuais danos à imagem da candidata e coligação representante. Logo, a solução jurídica deve ser equilibrada para ratificar tal proibição, sem a necessidade de concessão de direito de resposta, visto que as próprias notícias e debates da tutela de urgência, repôs a verdade e corrigiu o excesso de linguagem.

O fato aqui analisado recomenda tão somente a confirmação da tutela de urgência que comandou a abstenção de novas veiculações, de modo que a interferência da Justiça Eleitoral seja mínima, nos termos do art. 38, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19.

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a representação, apenas para confirmar a tutela de urgência parcialmente concedida, determinando aos representados que se abstenham de veicular a propaganda objeto desta ação, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 por propaganda veiculada em desacordo, indeferindo o pedido de direito de resposta.

 

Em suas razões, a recorrente aduz que houve alterações na legislação acerca dos fatos geradores de direito de resposta de 2 (inverdade sabida e ofensa à honra) para 3 (inverdade sabida, ofensa à honra, desinformação, descontextualização).

Apesar das modificações na legislação eleitoral, contudo, o fato em si, como me manifestei, não recomenda a concessão do direito de resposta. Em especial, porque a sustação da propaganda irregular atingiu o objetivo de impedir a ofensa inicial causada, sendo suficiente o provimento já deferido.

Aliás, na presente sessão, foram julgados os processos REC DR 0603440-92.2022.6.21.0000 e 0603435-70.2022.6.21.0000, da relatoria do Des. Mello Guimarães, nos quais, à unanimidade, não restaram concedidos os direitos de resposta relativamente à peça idêntica à examinada neste recurso. Ressalto apenas o diferencial quanto ao deferimento da tutela de urgência que, no meu entendimento, à época, recomendava a suspensão da veiculação, por cautela, até mesmo para evitar as sucessivas representações sob o mesmo tema, aliás, como de fato ocorreram.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO por negar provimento ao recurso.