REC no(a) DR - 0603424-41.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/10/2022 às 10:00

VOTO

O recurso é tempestivo, adequado e comporta conhecimento.

Colegas, por ocasião da decisão monocrática, fundamentei meu posicionamento como segue:

Vistos.

A COLIGAÇÃO FRENTE DA ESPERANÇA [FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA (PT/PCDOB/PV) e FEDERAÇÃO PSOL-REDE] ajuíza DIREITO DE RESPOSTA em face de COLIGAÇÃO PARA DEFENDER E TRANSFORMAR O RIO GRANDE (PATRIOTA-PL-PROS-REPUBLICANOS) e de ANTONIO HAMILTON MARTINS MOURÃO, LIZIANE BAYER DA COSTA e MARIO GIUSSEPP SANTEZZI BERTOTTELLI ANDREUZZA, candidatos, respectivamente, aos cargos de Senador e primeira e segundo suplentes, em razão da veiculação de peça publicitária junto à RBS-TV no dia 24.09.2022, às 12h10min, bem como mesmo bloco nas demais emissoras de televisão com sinal aberto (SBT, Record, Pampa e Bandeirantes).

Aduz que não participam da propaganda a candidata nem seus suplentes, usando de estratagema publicitário em que uma desconhecida verbaliza texto com conteúdo desinformativo, com nítido objetivo de confundir o imaginário do eleitor. Não se fala nome ou número de chapa majoritária ao Senado, com menção apenas ao nome do candidato titular. Alega que jamais foi dito que Olívio Dutra não exerceria o mandato de Senador, sendo sempre dito que “seria um mandato coletivo, onde os seus suplentes e um conselho político plural e representativo terão participação efetiva no trabalho parlamentar”, e que é “tal é o conceito de mandato coletivo, nos termos trazidos pela candidatura requerente”. Afirma que “não há nenhuma experiência recente que indique que um mandato coletivo sirva para que alguém se eleja, emprestando seu prestígio, para que outro assuma”. Argumenta que os demais adversários também têm dois suplentes, mas que, diversamente de Olívio, os escondem. Pondera que a propaganda, distorce o sentido de mandato coletivo. Requer direito de resposta a ser veiculada em tempo não inferior a um minuto.

Na defesa, os representados afirmam a peça publicitária não traz crítica ao sistema proposto, somente questiona a forma pela qual o mesmo funciona, uma vez que não há previsão legal de mandato coletivo no ordenamento jurídico. Defende que o candidato Olívio Dutra, em seu perfil no Instagram, salienta que o mandato será coletivo, mas não esclarece como se dará, o que teria ocorrido em matéria publicada no jornal Zero Hora. Sustenta ser claro que a proposta envolve “revezamento, com cada um dos três, titular e dois suplentes, se revezando no efetivo exercício do mandato a cada seis meses”. Conclui que não há qualquer ofensa na propaganda, não há inverdade sabida e muito menos desinformação, de modo que requer a improcedência do pedido (ID 45130058).

O Ministério Público Eleitoral manifesta-se pela improcedência da representação (ID 45130865).

É o relatório.

Decido.

A propaganda impugnada veicula mensagem cujo texto é o seguinte:

Nessa eleição pro senado a gente tem de um lado o PT e o PSOL, com uma proposta indecente e mal explicada.

Aí tu vota no Olívio e leva Robaina. É isso?

Do outro lado a gente tem a candidata Ana Amélia, que mora há quarenta anos em Brasília e foi funcionária fantasma do marido.

E do lado dos gaúchos a gente tem o Mourão. Por isso vota 100 pro Senado. Locutora: Vote Mourão para senador. Equilíbrio coragem para representar o Rio Grande.

À análise.

Inicialmente, sinalizo que o ordenamento jurídico brasileiro não regulamenta o exercício dos denominados “coletivos”, mandatos de cargo eletivo exercidos por mais de um mandatário.

Todavia, e como comumente ocorre, o direito está atrás dos fatos, de modo que a situação – algumas vezes já ocorrente em eleições anteriores – tem sido abordado de forma crescente, como leciona José Jairo Gomes, na obra Direito Eleitoral, pág. 390:

Tem-se denominado coletiva a candidatura integrada ou formada por mais de um cidadão. Desde as eleições municipais de 2016 houve aumento do número de candidaturas que buscam se enquadrar nesse modelo, notadamente para o Poder Legislativo.

Como reflexo, tem havido propostas legislativas com vistas a disciplinar essa matéria. Assim é que foi apresentada à Câmara dos Deputados a PEC nº 379/2017, que acrescenta ao artigo 14 da Constituição o § 12, estabelecendo que “Os mandatos, no âmbito do Poder Legislativo poderão ser individuais ou coletivos, na forma da lei. O PL 4475/2020 estabelece regras para o registro de candidatura coletiva e pra a propaganda eleitoral. Já o PL 4724/2020 cria figuras do coparlamentar e do mandato coletivo.

No caso dos autos, julgo que não pode ser taxado como inverídico o conteúdo veiculado.

Ao contrário, a escolha da Coligação Frente da Esperança de concorrer à candidatura ao Senado na modalidade de mandato coletivo é notória e divulgada pelos próprios envolvidos, e nisto não há divergência.

Não há desinformação, portanto deve ser refutado o argumento da representante de que a mensagem desinforma, porque “em nenhum momento foi dito que Olívio não exerceria o mandato de Senador”. Em momento algum da mensagem há referência a uma ausência total, no exercício do mandato, de parte de Olívio Dutra. Não é disso que se trata.

Sob um segundo aspecto, e já abordando a situação dos autos sob a orientação jurisprudencial, indico haver matérias jornalísticas sobre as circunstâncias do mandato coletivo proposto pela representante. Conforme reportagem publicada no Jornal Zero Hora em 25.07.2022, trazida aos autos pela defesa, há a notícia de que Olívio se ausentaria por períodos do mandato, e a afirmação não é feita somente pelo repórter, mas também pelo candidato ao governo do Estado, Edegar Pretto:

Até a convenção, marcada para domingo (31), o partido promete anunciar outros dois nomes para suplentes de Olívio na disputa ao Senado. Em caso de vitória eleitoral, os três se revezariam, a cada seis meses, no cargo de senador pelos próximos oito anos, realizando uma espécie de mandato coletivo.

Na prática, Olívio pediria licença do mandato, o que abriria espaço para o primeiro suplente. Meio ano depois, o primeiro suplente também pediria licença e abriria espaço para o segundo suplente. Mais seis meses depois, Olívio voltaria da licença e reiniciaria o revezamento.

— A entrada de Olívio como pré-candidato com essa proposta inovadora de mandato coletivo é mais uma possibilidade que estamos oferecendo aos partidos que estão coligados com Lula de estarem conosco (na chapa estadual). Não é só para figurar (como suplente), mas para assumir e ter um mandato compartilhado — disse Edegar Pretto (PT), que lidera a chapa como pré-candidato ao governo do Estado.

Ora, indiscutivelmente a reportagem se opõe à alegação na inicial de que “a voz na tribuna e o voto serão sempre do titular do mandato, conforme a chapa inscrita”, e ressalto que a afirmação de que os outros candidatos devem assumir e ter um mandato partiu do candidato da Coligação ao cargo de Governador, posição que portanto merece credibilidade.

Logo, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta” (TSE, R-Rp n. 060131056, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 3.10.2018).

Ademais, não há fraude no conteúdo veiculado, eis que os representados em momento algum acusaram os representantes de prática de ardil ou indução ao erro. Apenas noticiam um fato, como dito, admitido perante a imprensa por importante figura política dos representantes.

Friso que, para o Tribunal Superior Eleitoral, “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (Rp n. 367.516, Rel. Min. Henrique Neves, p. 26.10.2010), e o direito de resposta há de ser concedido apenas nas hipóteses em que há desvirtuamento da discussão política e do interesse público, quando há agressão a pessoa física ou jurídica mediante afirmações caluniosas, injuriosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas (REspe n. 26.377. Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 31.08.2006).

Por conseguinte, tenho que o caso dos autos não se enquadra nas possibilidades de reconhecimento do direito de resposta, mas sim hipótese em que se deve prestigiar o exercício da liberdade de expressão, como também já asseverado pelo TSE:

[...] Direito de resposta. Inserções. Televisão. Inexistência de afirmação sabidamente inverídica. Liberdade de expressão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico [...] 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. […] (Ac. de 5.10.2018 no R-Rp nº 060142055, rel. Min. Sérgio Banhos.)

[...] Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a presidente da república, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando–se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral […] (Ac. de 2.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

Em resumo, no caso não há ilícito eleitoral na propaganda impugnada, porque Olívio Dutra se propõe a concorrer ao Senado na modalidade de Mandato Coletivo, chapa da qual é integrante Roberto Robaina (PSOL) que, caso eleito conjuntamente, assumirá a representatividade do Estado junto ao Senado Federal, conforme palavras dos próprios representados.

O entendimento foi confirmado pelo Plenário deste Tribunal Regional, na sessão de 27.09.2022, sob a minha relatoria, em caso de teor bastante análogo, consoante se verificada da seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. IMPROCEDENTE. TEMA PROPOSTO NA PROPAGANDA NÃO SE QUALIFICA COMO SABIDAMENTE INVERÍDICO. CANDIDATURAS AO SENADO E SUPLENTES. MANDATO COLETIVO. REPORTAGEM PUBLICADA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. AUSENTE ILICITUDE. NEGADO PROVIMENTO.

1. Insurgência em face de decisão que julgou improcedente representação, com pedido de direito de resposta contra veiculação sobre candidatura ao Senado na modalidade de mandato coletivo.

2. Inexiste afirmação sabidamente inverídica ou desinformação. A hipótese tratada está em perfeita sintonia com reportagem publicada em jornal de grande circulação no Estado, concedida pelo próprio candidato da coligação ao Governo do Estado. Logo, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta” (TSE, R-Rp n. 060131056, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 3.10.2018). Assim, o conteúdo da peça publicitária não cuida de propagação de fato sabidamente inverídico ou de desinformação, de modo que não atrai a excepcional interferência desta Justiça, devendo ser rebatidas as afirmações nos espaços próprios ao debate político.

3. Provimento negado.

Por fim, registro que não é objeto dos autos a viabilidade das propostas do mandato coletivo.

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE a representação.

 

O tema não é novo neste Plenário, e adianto que não encontro motivos, nas razões recursais, para modificar meu entendimento já manifestado. O recurso traz, por exemplo, questões relativas às figuras públicas dos envolvidos, circunstância absolutamente natural entre postulantes de cargos públicos eletivos, sobremodo para o Senado Federal, cargo de inegável relevância.

Ora, como já referido relativamente ao tema do mandato coletivo, a situação é incipiente no contexto eleitoral brasileiro, e em conjunto com a admitida situação de participação de Roberto Robaina, há a emissão de opinião, a qual deve ser sopesada pelo eleitorado, e debatida pelos candidatos em situação apartada do direito de resposta. 

Portanto, e afastando-me de uma indesejável decisão per relationem, friso que adoto expressamente como razões de decidir o conteúdo da sentença, sobretudo para submeter a este Plenário o meu voto na incomum tarefa de me posicionar como relator de peça recursal que hostiliza decisão de minha lavra.

ANTE O EXPOSTO, VOTO para negar provimento ao recurso.