REC no(a) DR - 0603435-70.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/10/2022 às 10:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

As razões recursais objetivam a reforma da decisão que indeferiu pedido de direito de resposta em face de publicidade com os seguintes dizeres:

Nessa eleição pro Senado a gente tem de um lado o PT e o PSOL com uma proposta indecente e mal explicada. Aí tu vota no Olívio e leva o Robaina, é isso? Do outro lado a gente tem a candidata Ana Amélia que mora há quarenta anos em Brasília e foi funcionário fantasma do marido. E do lado dos gaúchos a gente tem o Mourão, por isso vota 100 pro Senado.

Vote Mourão para Senador, equilíbrio e coragem para representar o Rio Grande.

 

Ao julgar improcedente a ação, consignei que o art. 58 da Lei n. 9.504/97 assegura o direito de resposta por ofensa a conceito ou imagem dos participantes do pleito, ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, mas que a mensagem impugnada não atrai a interferência da Justiça Eleitoral por não conter “inverdade flagrante que não apresente controvérsias”, requisito essencial para o deferimento do pedido de acordo com a jurisprudência (TSE, Representação n. 367516, Relator Min. Henrique Neves, Publicação: 26.10.2010.).

Nas razões recursais, a recorrente reitera os argumentos deduzidos na inicial no sentido de que a informação veiculada é falsa e ofensiva à honra da candidata Ana Amélia Lemos, resultando em acusação de nepotismo, pois os seus horários de trabalho eram compatíveis com as tarefas desempenhadas, as quais foram realizadas fora do período de casamento.

Adianto que não se trata de fundamentação per relationem – aliás de todo desaconselhável, mas sim de submissão a esta Corte, dos fundamentos por mim elencados, nesta peculiar situação de relator de acórdão de recurso que desafia a decisão monocrática por mim proferida. As alegações foram devidamente enfrentadas na decisão recorrida, cujas razões cumpre reproduzir: 

Primeiramente, no tocante à informação de que Ana Amélia “mora há quarenta anos em Brasília”, tenho que não se trata da fato sabidamente inverídico.

Relata a representante que a candidata “sempre teve domicílio eleitoral no Rio Grande do Sul, alternando-se entre o Município de Canela e de Porto Alegre”, e que “sempre foi vista pelo Estado”.

Contudo, as figuras domicílio e residência têm conceitos distintos, e, segundo o histórico da candidata, parece não haver inverdade nisso.

Não foi dito que Ana Amélia não tem vínculo com o Estado, simplesmente que reside em Brasília há quarenta anos. 

Consoante matéria publicada em 2012 no Valor Econômico, do grupo O Globo, https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2012/09/28/onde-estao-os-gauchos.ghtml, em entrevista, ao ser indagada “A senhora mora aqui?”, respondeu:

Há 34 anos estou em Brasília. E moro em minha casa. Não recebo auxílio-moradia. O Senado faz economia comigo.

No que concerne à afirmação de que Ana Amélia “foi funcionária fantasma do marido”, igualmente entendo que não atrai o direito pleiteado.

Conforme matéria divulgada no Sul21, https://sul21.com.br/breaking-newsultimas-noticiaspolitica/2014/09/ana-amelia-divulga-nota-mas-nao-explica-como-conciliava-cargo-no-senado-e-emprego-na-rbs/, a ora candidata não logrou explicar o modo como cumpriria sua jornada de 40 horas semanais no Senado, quando ocupou o cargo em comissão de Secretária Parlamentar no Gabinete do Senador biônico Octávio Cardoso, entre 1986 e 1987, período em que dirigia a sucursal do Grupo RBS em Brasília.

Extraio da reportagem os seguintes fragmentos:

A candidata ao governo do Estado pelo PP, Ana Amélia Lemos, divulgou nota sobre o período em que ocupou Cargo em Comissão no gabinete do marido, o senador biônico Octávio Cardoso, entre 1986 e 1987, ao mesmo tempo em que dirigia a sucursal do Grupo RBS em Brasília. No entanto, na declaração, a candidata não responde a questões como de que modo conciliava os empregos.

(...)

Ana Amélia não informou até agora, nem na nota oficial, nem nas declarações à imprensa, como cumpria a carga de 40 horas semanais de trabalho como CC, que deveriam ser atestadas pelo titular do Gabinete, juntamente com a função de diretora da sucursal da empresa de comunicação gaúcha em Brasília.

(...)

A candidata afirmou também, em entrevista ao Portal Terra, que não havia incompatibilidade na função que desempenhava: “Fiz uma assessoria com um ‘salariozinho’ para o meu marido. Não havia nenhuma incompatibilidade porque o salário na época era baixo”, disse Ana Amélia. O salário ao qual Ana Amélia se refere era de Cr$ 9 mil, (cerca de R$ 8.115,00 em valores atualizados). A quantia corresponderia hoje a mais de nove salários mínimos regionais.

Segundo Ato da Comissão Diretora do Senado nº12, de 1978, a função de Secretária Parlamentar exercida pela então jornalista tinha como tarefa prestar “apoio administrativo ao titular do Gabinete, preparar e expedir sua correspondência, atender as partes que solicitam audiência, executar trabalhos datilográficos, realizar pesquisas, acompanhar junto às repartições públicas assuntos de interesse do Parlamentar e desempenhar outras atividades peculiares à função”.

No portal Terra, no endereço https://www.terra.com.br/noticias/eleicoes/ana-amelia-teve-cargo-com-o-marido-mas-nega-irregularidade,d9ab40b0bf968410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html, consta notícia de que Ana Amélia “trabalhou no gabinete de seu marido, o então senador Octávio Cardoso, em 1986”. 

Calha reproduzir alguns trechos da matéria:

“O PT vasculhou minha vida inteira e encontraram que há quase 30 anos, durante nove meses, fiz uma assessoria com um 'salariozinho' para o meu marido. Não havia nenhuma incompatibilidade porque o salário na época era baixo”, disse. “Não havia internet, eu fazia tão somente clippagem de jornais e seleção de pautas para acompanhar”, acrescentou.

Ana, que era diretora da sucursal de Brasília da RBS (afiliada da Rede Globo) à época, contou que a prática era "normal" e que muitos jornalistas trabalhavam como assessores para complementar os baixos salários. 

A candidata disse ainda que a atuação ocorreu antes da Constituição de 1988 e da criação de regras claras sobre nepotismo. Além disso, os cargos de confiança poderiam ter horários flexíveis, já que não havia ponto. “Os critérios da relação de assessoramento eram diferentes. É muita vontade de colocar pelo em ovo”, concluiu.

Vê-se que não foi devidamente explicado como a candidata conciliava ambas atividades, de diretora da sucursal de Brasília da RBS-TV e de assessora parlamentar, sobretudo considerando que a primeira atividade seguramente foi desempenhada, com atuação digna de encômios, e certamente ocupava grande parcela de seu tempo.

Assinalo que tema correlato já foi trazido à apreciação deste Tribunal, sem que tenha sido deferido direito de resposta, no processo n. REC 1390-26.2014.6.21.0000, julgado em 2014, em face da divulgação no horário eleitoral gratuito de rádio, mensagem que continha as seguintes informações:

(…) Ouve só os comentários da Rádio Gaúcha, da própria RBS, sobre o assunto: “vamos falar aqui, Rosane e Carolina, sobre um caso que surgiu ontem, de uma denúncia contra a candidata Ana Amélia Lemos, que durante o ano de 1986 era funcionária da RBS em Brasília, e ao mesmo tempo acumulava uma função, um cargo de confiança, no gabinete do marido dela no Senado. E aí tem duas questões que me parecem conflitantes: uma pessoa não pode ocupar dois cargos ao mesmo tempo e ela estar em dois lugares é impossível. Ela não pode cumprir agenda em dois lugares”.

(TRE-RS, Processo REC 1390-26 – Rel. Dra. Lusmary Fatima Turelly da Silva, julgado em 30.9.2014.). 

Naquela ocasião, a mensagem não foi tomada como sabidamente inverídica e nem seu conteúdo reputado como insulto pessoal.

Igualmente, no processo REC n. 1391-11.2014.6.21.0000, foi mantida decisão monocrática que indeferiu direito de resposta, tendo sido considerado por este Regional que a acusação de ter sido “funcionária fantasma” constitui mera crítica, própria ao embate eleitoral:

Terceiro, entendo que as conclusões constantes na petição inicial, (1) relativas à pratica de nepotismo (na época dos fatos permitida, legalmente vedada somente após o advento da Constituição Federal de 1988 e em momento algum citada na propaganda eleitoral ora sob exame) e (2) de suposto não cumprimento da jornada de trabalho – situação conhecida como “funcionário fantasma” (indicada por um popular, na propaganda) pertencem à espécie de críticas e ponderações que devem ser encaradas com prévia e devida contextualização, mormente por estarmos a tratar de embate eleitoral, entre pessoas cujas imagens são públicas e, por isso mesmo, com sujeição a críticas em dimensão absolutamente reforçada.

(TRE-RS, REC 1391-11.2014.6.21.0000 – Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, julgado em 30.9.2014.).

Neste caso, a expressão “funcionária fantasma do marido” denota que a candidata, conquanto investida em cargo público, não o desempenhava com assiduidade, tendo como superior hierárquico o próprio esposo.

A conclusão a que se chega, ao ler as matérias jornalísticas citadas, é exatamente essa, de que não cumpria a jornada de trabalho no Senado à qual estava obrigada.

Conquanto não estivesse casada com o senador, ao tempo do exercício da função pública, veio posteriormente a contrair com ele matrimônio, de sorte que inexiste evidente inverdade.

Logo, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n. 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta” (TSE, R-Rp n. 060131056, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 03.10.2018.).

Ademais, friso que, para o Tribunal Superior Eleitoral, “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (Rp n. 367.516, Rel. Min. Henrique Neves, p. 26.10.2010), e o direito de resposta há de ser concedido apenas nas hipóteses em que há desvirtuamento da discussão política e do interesse público, quando há agressão a pessoa física ou jurídica mediante afirmações caluniosas, injuriosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas (REspe n. 26.377. Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 31.8.2006.).

Por conseguinte, tenho que o caso dos autos não se enquadra nas possibilidades de reconhecimento do direito de resposta, mas sim hipótese em que se deve prestigiar o exercício da liberdade de expressão, como também já asseverado pelo TSE:

[...] Direito de resposta. Inserções. Televisão. Inexistência de afirmação sabidamente inverídica. Liberdade de expressão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico [...] 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. […] (Ac. de 5.10.2018 no R-Rp nº 060142055, rel. Min. Sérgio Banhos.)

[...] Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a presidente da república, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando–se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral […] (Ac. de 2.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

Nesse cenário, tenho que a propaganda não propala fato sabidamente inverídico nem de cunho injurioso, difamatório ou calunioso contra Ana Amélia Lemos, de modo que revogo a tutela de urgência parcialmente concedida, a qual vedava que os representados se abstivessem de veicular a propaganda objeto desta ação, sob pena de multa.

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido de direito de resposta.

 

As razões recursais não infirmam a conclusão alcançada quando do julgamento da ação, razão pela qual não vislumbro motivo para alterar o que foi decidido.

Com efeito, não é cabível que a representação com pedido de direito de resposta, procedimento de rito sumaríssimo previsto na legislação eleitoral, se transforme em procedimento investigatório com intuito de comprovar a veracidade de datas e versões controvertidas invocadas pelas partes.

A propaganda está amparada em vasto conteúdo noticiado pela imprensa, e a alusão referida pela recorrente à prática de nepotismo sequer está contida na peça publicitária, sendo o apontamento fruto da interpretação da representante.

Ademais, o fato divulgado é de interesse político comunitário relevante, que não ultrapassa os limites do questionamento político, não restando evidenciada ofensa, descontextualização, difamação ou matéria sabidamente inverídica. 

A mera crítica política, embora ácida e contundente, não autoriza a concessão do direito pleiteado.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.