REC no(a) DR - 0603372-45.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, comporta conhecimento.

No mérito, o pedido de direito de resposta é dirigido contra propaganda veiculada na RBS TV, no dia 18.9.2022, às 23h37, e no bloco 3 das demais emissoras de TV do Estado, relativamente à seguinte mensagem:

Você respeita Olívio Dutra? Ótimo.

Mas Olívio diz que fará um mandato coletivo com seus suplentes. E um deles é Roberto Robaina, do PSOL.

Ou seja, você vai votar em um candidato e pode acabar elegendo outro.

Uma surpresa nada agradável.

O Rio Grande acha isso certo? Ou o Rio Grande prefere saber de fato quem é que vai representá-lo no Senado?

Pense bem no teu voto Rio Grande.

 

Na decisão recorrida, assim foi assentado:

Vistos.

A COLIGAÇÃO FRENTE DA ESPERANÇA (FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA – FE BRASIL (PT/PCDOB/PV) ajuíza DIREITO DE RESPOSTA contra COLIGAÇÃO UM SÓ RIO GRANDE (FEDERAÇÃO PSDB/ CIDADANIA, MDB, PSD, PODEMOS, UNIÃO BRASIL), ANA AMÉLIA DE LEMOS, PAULO FERNANDO COLLAR TELLES e ANA LÚCIA SILVEIRA DE OLIVEIRA em razão da veiculação de propaganda junto por peça publicitária veiculada junto à RBSTV no dia 18.09.2022 às 23h37min,, bem como no bloco 3 das demais emissoras de televisão com sinal aberto (SBT, Record, Pampa e Bandeirantes).

Aduz que não se fala nome ou número de chapa majoritária ao Senado, com menção apenas à coligação, e relata haver a fala de um apresentador com o seguinte teor, sem participação da candidata ou suplentes, em estratagema publicitário com forte conteúdo de desinformação, com o nítido objetivo de confundir o imaginário do eleitor, consubstanciado no seguinte texto:

Atenção Rio Grande Você respeita Olívio Dutra? Ótimo. Mas Olívio diz que fará um mandato coletivo com seus suplentes. E um deles é Roberto Robaina, do PSOL. Ou seja, você vai votar em um candidato e pode acabar elegendo outro. Uma surpresa nada agradável. O Rio Grande acha isso certo? Ou o Rio Grande prefere saber de fato quem é que vai representá-lo no senado? Pense bem no teu voto Rio Grande.

Sustenta que o espectador, ao olhar a peça, não consegue identificar que se trata da candidata ANA AMÉLIA LEMOS, a não ser que tenha informações detalhadas, e que em momento algum foi dito, pelos representantes, que Olívio Dutra não exerceria o mandato de Senador. Requerem o direito de resposta na mesma proporção e meio de propaganda utilizado pelos representados, em tempo não inferior a um minuto.

Na defesa, os representados afirmam que o objeto do direito de resposta sequer apresenta crítica política, apenas aponta que quem votar em Olívio, caso a chapa seja eleita, também elegerá Roberto Robaina, e que “atribuir a essa inserção desinformação é querer esconder do eleitor essa realidade”. Destacam matérias jornalísticas e entrevistas de Olívio Dutra e Edegar Pretto, nas quais o candidato aponta que “o grande diferencial apresentado pela candidatura é o chamado mandato coletivo” e que não possui uma “formulazinha pronta” para implementar o mandato coletivo.

O Ministério Público Eleitoral manifesta-se pela improcedência da representação.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente consigno que há alegação de que a propaganda é irregular em razão de não fazer constar o nome ou número de chapa majoritária, apenas o da Coligação, situação de inviável análise no bojo dos presentes autos, em que o objeto dos autos há de ser unicamente o pedido de direito de resposta, nos termos da legislação de regência. Ainda assim, nítido está se tratar de propaganda eleitoral gratuita, como consignado pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer.

À análise.

Inicialmente, sinalizo que o ordenamento jurídico brasileiro não regulamente o exercício dos denominados “coletivos”, mandatos de cargo eletivo exercidos por mais de um mandatário.

Todavia, e como comumente ocorre, o direito está atrás dos fatos, de modo que a situação – algumas vezes já ocorrente em eleições anteriores - tem sido abordado de forma crescente, como leciona José Jairo Gomes, na obra Direito Eleitoral, pág. 390:

Tem-se denominado coletiva a candidatura integrada ou formada por mais de um cidadão. Desde as eleições municipais de 2016 houve aumento do número de candidaturas que buscam se enquadrar nesse modelo, notadamente para o Poder Legislativo.

Como reflexo, tem havido propostas legislativas com vistas a disciplinar essa matéria. Assim é que foi apresentada à Câmara dos Deputados a PEC nº 379/2017, que acrescenta ao artigo 14 da Constituição o § 12, estabelecendo que “Os mandatos, no âmbito do Poder Legislativo poderão ser individuais ou coletivos, na forma da lei. O PL 4475/2020 estabelece regras para o registro de candidatura coletiva e pra a propaganda eleitoral. Já o PL 4724/2020 cria figuras do coparlamentar e do mandato coletivo.

No caso dos autos, julgo que não pode ser taxada como inverídico o conteúdo veiculação.

Ao contrário, a escolha da Coligação Frente da Esperança de concorrer à candidatura ao Senado na modalidade de mandato coletivo é notória e divulgada pelos próprios envolvidos, e nisto não há divergência.

Não há desinformação, portanto, devendo ser refutado o argumento da representante de que a mensagem desinforma porque “em nenhum momento foi dito que Olívio não exerceria o mandato de Senador”. Em momento algum da mensagem há referência a uma ausência total, no exercício do mandato, de parte de Olívio Dutra. Não é disso que se trata.

Sob um segundo aspecto, e já abordando a situação dos autos sob a orientação jurisprudencial, indico haver matérias jornalísticas sobre as circunstâncias do mandato coletivo proposto pela representante. Conforme reportagem publicada no Jornal Zero Hora em 25.07.2022, trazida aos autos pela defesa, há a notícia de que Olívio se ausentaria por períodos do mandato, e a afirmação não é feita somente pelo repórter, mas também pelo candidato ao governo do Estado, Edegar Pretto:

Até a convenção, marcada para domingo (31), o partido promete anunciar outros dois nomes para suplentes de Olívio na disputa ao Senado. Em caso de vitória eleitoral, os três se revezariam, a cada seis meses, no cargo de senador pelos próximos oito anos, realizando uma espécie de mandato coletivo.

Na prática, Olívio pediria licença do mandato, o que abriria espaço para o primeiro suplente. Meio ano depois, o primeiro suplente também pediria licença e abriria espaço para o segundo suplente. Mais seis meses depois, Olívio voltaria da licença e reiniciaria o revezamento.

— A entrada de Olívio como pré-candidato com essa proposta inovadora de mandato coletivo é mais uma possibilidade que estamos oferecendo aos partidos que estão coligados com Lula de estarem conosco (na chapa estadual). Não é só para figurar (como suplente), mas para assumir e ter um mandato compartilhado — disse Edegar Pretto (PT), que lidera a chapa como pré-candidato ao governo do Estado.

Ora, indiscutivelmente a reportagem se opõe à alegação na inicial de que “a voz na tribuna e o voto serão sempre do titular do mandato, conforme a chapa inscrita”, e ressalto que a afirmação de que os outros candidatos devem assumir e ter um mandato partiu do candidato da Coligação ao cargo de Governador, posição que portanto merece credibilidade.

Ademais, não há fraude no conteúdo veiculado, eis que os representados em momento algum acusaram os representantes de prática de ardil ou indução ao erro. Apenas noticiam um fato, como dito, admitido perante a imprensa por importante figura política dos representantes.

Friso que, para o Tribunal Superior Eleitoral, “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (Rp n. 367.516, Rel. Min. Henrique Neves, p. 26.10.2010), e o direito de resposta há de ser concedido apenas nas hipóteses em que há desvirtuamento da discussão política e do interesse público, quando há agressão a pessoa física ou jurídica mediante afirmações caluniosas, injuriosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas (REspe n. 26.377. Rel. Min. Marcelo Ribeiro, j. 31.08.2006).

Por conseguinte, tenho que o caso dos autos não se enquadra nas possibilidades de reconhecimento do direito de resposta, mas sim hipótese em que se deve prestigiar o exercício da liberdade de expressão, como também já asseverado pelo TSE:

[...] Direito de resposta. Inserções. Televisão. Inexistência de afirmação sabidamente inverídica. Liberdade de expressão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. A propaganda eleitoral impugnada foi embasada em notícias veiculadas na imprensa e em entrevistas concedidas pelo próprio candidato recorrente, inclusive com a exibição das manchetes dos jornais na propaganda eleitoral, como forma de demonstrar a origem das informações. 3. Esta Corte já firmou o entendimento de que fatos noticiados na mídia não embasam o pedido de direito de resposta por não configurar fato sabidamente inverídico [...] 4. A propaganda impugnada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. […] (Ac. de 5.10.2018 no R-Rp nº 060142055, rel. Min. Sérgio Banhos.)

 

[...] Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a presidente da república, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando–se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral […] (Ac. de 2.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

 

Em resumo, não há ilícito eleitoral na propaganda impugnada porque Olívio Dutra se propõe a concorrer ao Senado na modalidade de mandato coletivo, chapa da qual é integrante Roberto Robaina (PSOL) que, caso eleito conjuntamente, assumirá a representatividade do Estado junto ao Senado Federal, conforme palavras dos próprios representados em matéria jornalística.

Por fim, registro que não é objeto de análise, nos presentes autos, a viabilidade (ou inviabilidade) das propostas de exercício de mandato coletivo.

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE a representação.

 

Não vislumbro razão para alterar o que decidido, merecendo ser considerado que, em caso análogo dos autos, envolvendo pedido de direito de resposta contra propaganda com conteúdo semelhante, este Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente, veja-se:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. IMPROCEDENTE. TEMA PROPOSTO NA PROPAGANDA NÃO SE QUALIFICA COMO SABIDAMENTE INVERÍDICO. CANDIDATURAS AO SENADO E SUPLENTES. MANDATO COLETIVO. REPORTAGEM PUBLICADA EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO. AUSENTE ILICITUDE. NEGADO PROVIMENTO.

 

1. Insurgência em face de decisão que julgou improcedente representação, com pedido de direito de resposta contra veiculação sobre candidatura ao Senado na modalidade de mandato coletivo.

 

2. Inexiste afirmação sabidamente inverídica ou desinformação. A hipótese tratada está em perfeita sintonia com reportagem publicada em jornal de grande circulação no Estado, concedida pelo próprio candidato da coligação ao Governo do Estado. Logo, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta” (TSE, R-Rp n. 060131056, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 3.10.2018). Assim, o conteúdo da peça publicitária não cuida de propagação de fato sabidamente inverídico ou de desinformação, de modo que não atrai a excepcional interferência desta Justiça, devendo ser rebatidas as afirmações nos espaços próprios ao debate político.

 

3. Provimento negado.

(TRE-RS, REl DR n. 0603367-23.2022.6.21.0000, da minha relatoria, julgado em 27.9.2022, publicado em sessão em 28.9.2022) (Grifei.)

Tal como no julgado referido, neste apelo a recorrente também defende que a propaganda visa desinformar, causar insegurança quanto à efetiva candidatura de Olívio Dutra, deturpando a ideia de “candidatura coletiva”. Alega que o “conceito de mandato coletivo não permite pressupor que o candidato renunciará ou abrirá mão do seu mandato em favor de terceiro, mas ao contrário, que o candidato contará, por todo o período em que exercer o mandato, com o trabalho, o apoio, as ideias, os vínculos sociais, dos seus suplentes. No entanto, a voz na tribuna e o voto serão sempre do titular do mandato, conforme a chapa inscrita”. Argumenta que se trata de notícia sabidamente inverídica e informação gravemente descontextualizada, de que o eleitor poderia eleger um político que preza e respeita e dar o mandato a outro.

Não trata a hipótese de afirmação sabidamente inverídica ou desinformação, estando em perfeita sintonia com reportagem publicada em jornal de grande circulação no Estado, concedida pelo próprio candidato da coligação ao Governo do Estado.

A alegação em sede recursal não encontra respaldo na reportagem citada no decisum, que veicula a informação de que “em caso de vitória eleitoral, os três se revezariam, a cada seis meses, no cargo de senador pelos próximos oito anos, realizando uma espécie de mandato coletivo. Meio ano depois, o primeiro suplente também pediria licença e abriria espaço para o segundo suplente. Mais seis meses depois, Olívio voltaria da licença e reiniciaria o revezamento”.

Ademais, consoante publicação, em 06.9.2022, de reportagem sobre candidaturas coletivas, no mesmo veículo de comunicação, Jornal Zero Hora (https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/eleicoes/noticia/2022/09/um-se-elege-o-grupo-decide-como-funcionam-as-candidaturas-coletivas-cl7p37w7r002301634cdybdgj.html), foi referido que Roberto Robaina, “questionado sobre o funcionamento do mandato, caso o grupo seja eleito, (...) ressalta que, no caso do Senado, diferentemente da Câmara e da Assembleia, os suplentes também são eleitos, portanto, podem e devem assumir”, sendo reproduzidas as seguistes palavras do candidato:

— Isso é um componente do mandato coletivo. O suplente assumir e reger também a experiência e a responsabilidade da ocupação do espaço de poder no Senado é relevante e importante, mas o determinante é a participação no debate político. Envolve não simplesmente assumir eventualmente, mas sim participar e ajudar a decidir os rumos do mandato.

 

Logo, na esteira da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, “se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta” (TSE, R-Rp n. 060131056, Rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 3.10.2018).

Destarte, o conteúdo da peça publicitária não cuida de propagação de fato sabidamente inverídico ou de desinformação, de modo que não atrai a excepcional interferência desta Justiça, devendo ser as afirmações rebatidas nos espaços próprios ao debate político.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.