REl - 0601152-31.2020.6.21.0134 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2022 às 14:00

 VOTO

No que diz respeito à tempestividade, destaco que a sentença foi publicada dia 25 de outubro de 2021 e o recurso foi interposto em 28.10.21, no mesmo dia do prazo final, conforme consta nos “expedientes” do Pje, ou seja, dentro do prazo recursal.

A alegação do Partido Novo de que o recurso não deve ser admitido por não atender ao requisito da dialeticidade, eis que não impugna especificamente os fundamentos da decisão, não encontra guarida.

As razões recursais tratam diretamente da fundamentação exposta na sentença, apresentando as justificativas para a reforma da sentença de 1º grau.

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o recorrente afirma que o candidato recorrido se utilizou de brindes para o fim de captar ilicitamente votos, o que contraria os arts. 39, § 6º, e 41-A da Lei n. 9.504/97.

Com efeito, os dispositivos legais assim estabelecem:

Lei n. 9.504/97

Art. 39, § 6º, acrescido pela Lei n. 11.300/06:

É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990 . (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009) (grifo nosso)

 

Em ambas as disposições legais há um pressuposto em comum: a possibilidade de que seja proporcionada vantagem ao eleitor. Para a configuração da irregularidade, portanto, as condutas descritas hão de persuadir o eleitor a votar em determinado candidato, de forma que a prática (mesmo considerada em abstrato) possa influenciar na liberdade de escolha do cidadão.

A MM. Juíza Eleitoral da 134ª Zona, Dra. Elisabete Kirschke, ao julgar improcedente a representação, assim fundamentou:

(…) Ora se o candidato pode confeccionar material impresso de qualquer natureza, pode fazê-lo em papel reciclável ou em papel semente, não havendo vedação para tal.

Assinalo que sequer houve distribuição de sementes, mas o “santinho” foi confeccionado no que se denomina “papel semente”, conforme se observa na Nota Fiscal (ID 57617417), juntada pelo próprio representante, ao instruir sua petição inicial.

Deste modo, não é possível sequer configurar o “santinho” como um brinde e, muito menos, como um “bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza”, conforme estabelece o art. 41-A.

Neste tópico, importa notar que a vantagem seria coletiva, ou seja, contribuindo para um ambiente saudável, pois o normal é o eleitor que não tem vinculação com aquele candidato, após receber referido material, descartá-lo de qualquer modo, jogando-o em uma lixeira ou até mesmo atirando-o ao solo de qualquer maneira. Seu destino, na melhor das hipóteses, é um aterro sanitário.

 

Para o juízo a quo, a utilização de “papel semente” na confecção de “santinhos” não configurou brinde ou sequer indícios de conduta dolosa apta a violar a vontade do eleitor, mas de educação ambiental, o que descaracteriza a captação ilícita de sufrágio.

Há dois pontos a serem enfrentados nesse recurso: primeiro, se a confecção de santinho em “papel semente” configura brinde e, segundo, caso configure brinde, se sua distribuição caracteriza propaganda irregular ou captação ilícita de sufrágio.

A confecção obrigatória das peças de propaganda impressa em papel reciclável é uma tendência louvável e necessária em vista das agressões perpetradas ao meio ambiente a cada eleição, seja pela imensa utilização de papéis, seja pelo destino final dessas propagandas em aterros sanitários.

No caso dos autos, o papel utilizado para a propaganda impressa além de reciclável, o que é absolutamente desejável, contém sementes em sua composição. Nesse contexto, compartilho do entendimento de que as sementes configuram brinde, nos moldes do art. 39, § 6º, da Lei n. 9.504/97.

Reproduzo trecho do parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, adotando-o como razões de decidir:

Cumpre analisar, nessa toada, se o material impugnado pode ser considerado “bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza”, para fins de incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, e se houve captação ilícita de sufrágio.

É importante considerar que o tipo da captação ilícita de sufrágio faz referência a uma troca, uma negociação entre candidato e eleitor, na qual o primeiro promete ou concede algo que vem a ser agregado ao patrimônio (material ou imaterial) do segundo, cujo voto passa então a ser definido como uma retribuição ao objeto do acordo.

Por outro lado, a legislação também aborda, com propósito proibitivo, condutas que, na campanha eleitoral, buscam obter o voto do eleitor sem esse caráter de explícita permuta ou troca, mas de uma forma sutil, o que se dá com a distribuição de brindes, como camisetas, chaveiros, bonés e canetas, citados expressamente no art. 39, §6º, da Lei nº 9.504/97.

Contudo, a proibição da distribuição de brindes não vem acompanhada das graves sanções impostas à captação ilícita de sufrágio, pois as consequências para o exercício da liberdade de voto não são as mesmas.

Na captação ilícita de sufrágio, segundo a doutrina de José Jairo Gomes, a promessa ou oferta deve ser específica e endereçada a alguém (“ao eleitor”) ou a um grupo determinado de eleitores com interesse comum ou homogêneo. Só assim poderá haver aderência psicológica do(s) eleitor(es) com o consequente desvirtuamento de sua liberdade política.

Por sua vez, a distribuição de brindes não assume o caráter comutativo, pois se vale da sedução, do encantamento, mediante doação massiva de bens de baixo valor individual, destinados a motivar os eleitores beneficiados a votar no candidato benfeitor. Essa decisão não corresponde a um prévio compromisso entre as partes, como ocorre, ainda que de forma dissimulada, na captação ilícita de sufrágio.

A partir dessa distinção, conclui-se que as ações descritas na inicial não se enquadram no conceito de captação ilícita de sufrágio, embora configurem uma forma de propaganda eleitoral ilícita, cuja ocorrência poderia vir a ser obstada durante o período eleitoral.

Eventualmente, a distribuição de brindes pode caracterizar abuso de poder econômico. Entretanto, no presente caso, embora as razões recursais façam breve referência ao art. 22, inciso XVI, da LC nº 64/90, não há elementos que permitam tal conclusão, não tendo sido descritas circunstâncias que apontem para a existência, na conduta impugnada, de gravidade suficiente para afetar o equilíbrio do pleito.
 

De modo que me alio à tese recursal (ID 44934457) para considerar os “santinhos” confeccionados em “papel semente” como brindes ou material que possa proporcionar vantagem ao eleitor, uma vez que efetivamente foi distribuído material de propaganda acompanhado de sementes, insertas na folha da propaganda ou agregadas ao santinho em repositório separado, caracterizando, assim, material que possa proporcionar vantagem ao eleitor.

A própria Consulta n. 0600322-20.2020.6.16.0000 – Curitiba/PR trazida aos autos pelo recorrente concluiu, à unanimidade, que a utilização de “papel semente” para confecção de “santinho” configura brinde:

CONSULTA - ART.30, VIII, DO CÓDIGO ELEITORAL E ART.87 DO REGIMENTO INTERNO TRE-PR – QUESTIONAMENTO ACERCA DA VEDAÇÃO PREVISTA NO ART.39, §6º, DA LEI Nº9.504/97. UTILIZAÇÃO DE PAPEL SEMENTE, PAPEL RECICLÁVEL EPAPEL DE REIMPRESSÃO PARA A CONFECÇÃO DO MATERIAL IMPRESSO DE PROPAGANDA ELEITORAL. POSSÍVEL CARACTERIZAÇÃO COMO BRINDE - CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. Conhece-se da consulta quando apresentada por legitimado legal e o conteúdo não é vinculado a caso em concreto específico, sendo dotado de suficiente abstratividade.

2. A simples utilização de papel reciclado ou de papel de reimpressão na confecção dos materiais impressos - desde que dentro dos limites dispostos na legislação eleitoral e nas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral - não é suficiente para, por si só, considerar o material como "brinde". Consulta respondida negativamente nesse ponto.

 3. Em que pese louvável a preocupação com o meio ambiente, a utilização do "papel semente" para a confecção dos materiais impressos da campanha traz vantagens aos eleitores destinatários, podendo se enquadrar no conceito de "brinde", cuja distribuição é vedada pela legislação eleitoral. Consulta respondida afirmativamente nesse ponto.

4. Consulta conhecida e respondida.

(CONSULTA n 0600322-20.2020.6.16.0000 – Curitiba/PR ACÓRDÃO n 56271 de 11.09.2020 Relator CARLOS ALBERTO COSTA RITZMANN)

Contudo, não vislumbro a incidência de captação ilícita de votos para fins do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Para enquadramento da conduta no art. 41-A da Lei 9.504/97, captação ilícita de votos, deve haver a compra, a negociação do voto do eleitor, com promessa de vantagens, uma ação com contornos de corrupção eleitoral.

Não é o caso dos autos.

Primeiramente, cumpre destacar a lição do doutrinador Rodrigo López Zílio (2022, p.727), ao elucidar que “a captação indevida de sufrágio se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido”.

Na hipótese, a distribuição de santinhos confeccionados com “papel semente” pelo que se percebe, foi indiscriminada, não tendo sido direcionada a um grupo específico de pessoas, de modo a não configurar uma relação bilateral e personalizada.

Outro aspecto importante a ser analisado é o fato de que a benesse (semente) não foi previamente ofertada pelo candidato em troca de votos.

Assim, não havendo comprovação de que a entrega das sementes tenha sido condicionada ao voto do suposto beneficiário, não há ocorrência do ilícito.

Nesse sentido, a jurisprudência do egrégio TSE que colaciono:

[...] Distribuição gratuita de cervejas. Evento público de campanha. Captação ilícita de sufrágio. Descaracterização [...] 1. Hipótese em que os fatos delineados no acórdão regional não se prestam para demonstrar a existência do dolo, consistente no especial fim de agir necessário à caracterização do ilícito do art. 41-A, qual seja, o condicionamento da entrega da vantagem - no caso, distribuição de cervejas em praça pública por pessoas ligadas aos candidatos ao pleito majoritário municipal, após a realização de evento público de campanha - à obtenção do voto do eleitor [...]”. (Ac. de 17.3.2015 no REspe nº 1366059, rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura.) (grifo nosso)
 

[...] Candidata a cargo de vereador [...] Registro cassado, em AIJE, com fundamento em alegada captação ilícita de sufrágios [...] Cassação decorrente de filmagem, complementada por depoimentos contraditórios, sem comprovação de que houve oferecimento de vantagem, condicionada à obtenção de voto - conduta, assim, que não pode ser enquadrada como violação ao artigo 41-A da Lei de Eleições [...] 2. O registro da candidatura da recorrida foi cassado por suposta captação ilícita de sufrágios, que teria sido demonstrada por meio de filmagem, complementada por prova oral, consistente em depoimentos, entretanto contraditórios. [...] 3. Infringência ao artigo 41-A da Lei das Eleições que não se verifica, dada a ausência de comprovação de ter ocorrido oferecimento de vantagem, condicionada à obtenção de voto. [...]” (Ac. de 17.12.2014 no AgR-AI nº 19068, rel. Min. Laurita Vaz, red. designado Min. Dias Toffoli.) (grifo nosso)
 

De igual forma, não verifico a ocorrência de abuso de poder econômico, disciplinado no art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, pois não há a necessária gravidade da conduta a ponto de macular a legitimidade e normalidade das eleições.

Ademais, há carência tanto de elementos fáticos quanto probatórios suficientes a resultar em condenação:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22, CAPUT, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. DISTRIBUIÇÃO DE "CHEQUES-CONVÊNIO" A ELEITORES EM TROCA DO VOTO. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO.

1. Para a comprovação da captação ilícita de sufrágio e do abuso de poder é indispensável a apresentação de um caderno probatório robusto e inconteste da ocorrência dos ilícitos.

2. Matéria fática consistente na distribuição de "cheques-convênio" para troca por cestas básicas em supermercado, com o objetivo de cooptação de votos em benefício de candidatura.

3. Provas documental e testemunhal insuficientes para demonstrar a utilização dos "cheques-convênio" para uso indevido na campanha eleitoral. Conjunto probatório frágil para comprovar a ocorrência da captação ilícita de sufrágio e da movimentação abusiva de recursos financeiros durante o período eleitoral.

4. Provimento negado. Improcedência da demanda.

(TRE-RS - RE: 82429 VACARIA - RS, Relator: MARILENE BONZANINI, Data de Julgamento: 21/08/2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 154, Data 24/08/2018, Página 9). (grifo nosso)

 

Assim, não restando configurada a captação ilícita de sufrágio, a irresignação não merece provimento.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.