MSCiv - 0603428-78.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2022 às 14:00

VOTO

O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Na espécie, o Juízo Eleitoral, em expediente administrativo para o exercício do poder de polícia (NIP n. 0600022-45.2022.6.21.0163), inaugurado pelo Ministério Público Eleitoral, ordenou a notificação do impetrante para, em 48 horas, cessar a utilização de bandeiras nos canteiros, jardins e rótulas de avenidas do Município de Rio Grande, nos seguintes termos (ID 45129581, fls. 9-11):

Vistos.

Trata-se de Notícia de Irregularidade em Propaganda Eleitoral promovida pelo Ministério Público Eleitoral em face dos candidatos descritos na exordial por propaganda eleitoral irregular, com o uso de bandeiras nos canteiros, jardins e rótulas de avenidas da cidade.

Destaca, ainda, que as bandeiras foram colocadas nos jardins e canteiros públicos, dificultando o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos, na medida em que foram afixadas especialmente em rótulas e canteiros públicos divisores de pistas de tráfego (Av. Presidente Vargas e RS 734) não podendo, desse modo, enquadrar-se a conduta na exceção prevista no § 2º, inciso I, do artigo 37 da Lei n.º 9504/97.

Aduz o denunciante que as bandeiras afixadas indevidamente na beira dos canteiros e rótulas, com o vento intenso dos últimos dias estão colocando em perigo especialmente às motocicletas.

Assevera, por fim, que no último pleito condutas similares inclusive deram causa a acidente de trânsito.

É o sucinto relatório. Passo à análise do mérito.

Assim dispõe o art. 37, §§ 1°, 6° e 7°, da Lei n° 9.504/97:

(…).

In casu, conforme consta da petição inicial, os noticiados fazem uso de propaganda irregular em diversos locais desta cidade (ao longo da Av. Presidente Vargas, rótulas da Estrada Roberto Socoowski, RS 734 e Av. Rio Grande), consistente em bandeiras colocadas ao longo de bens públicos, de uso comum do povo, especialmente em jardins localizados em áreas públicas.

Como bem colocou o membro do Parquet, esse tipo de propaganda não é permitida pela legislação atual, conforme Lei n.º 9504/97, artigo 37, caput e § 5º, e Resolução TSE n.º 23.610/19, art. 19, caput e § 3º.

A prova anexada com a notícia consiste em 110 fotografias (DOC 109439865), que retratam o quanto alegado.

Da interpretação dos mencionados dispositivos legais, tem-se que, como regra, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza nos bens de uso comum, à exceção da "colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos", nos termos do § 6°.

Tratando-se, pois, de exceção à regra, tal permissão deve ser interpretada restritivamente. A norma trata de vias públicas, sendo vedada a utilização em jardins e canteiros, como é o caso.

Mais do que isso, o cerne da questão paira no prejuízo dos artefatos ao bom andamento e segurança do trânsito de pessoas e veículos, motorizados ou não.. Nessa toada, após cuidadosa análise das imagens, é possível constatar que houve estorvo ao tráfego naqueles locais.

De fato, o posicionamento das bandeiras dificulta a visibilidade e perceptibilidade dos veículos e transeuntes e, o que é mais grave, observa-se que alguns dos artefatos foram postos em frente à faixas de pedestres, impondo ao pedestre desviar e invadir a faixa de rodagem, de modo a colocar em risco severo motoristas e pedestres.

Nota-se, também, que em algumas das ruas e rótulas, o material foi colocado ao longo de toda a via ou ainda ao longo de toda circunferência do equipamento rotular, cobrindo sobremaneira a visão de quem bordeja a rotunda.

Dessa forma, ainda que fosse considerada a regularidade da propaganda em razão do que dispõe o § 7°, pela possibilidade de colocação e retirada das bandeiras entre as seis horas e as vinte e duas horas, ainda assim não restaria afastado o ilícito, pelo estorvo ocasionado ao tráfego.

Destarte, configurada a realização de propaganda eleitoral irregular, em ofensa ao artigo 37, caput e § 6°, da Lei n° 9.504/97, ACOLHO integralmente o pedido do Ministério Público Eleitoral e DETERMINO:

1) a NOTIFICAÇÃO dos requeridos e todos os diretórios de partidos para que se abstenham de colocar propaganda nos jardins e canteiros e rótulas de trânsito localizados em áreas públicas, bem como para que promovam a REMOÇÃO de todas as propagandas colocadas e/ou afixadas nos canteiros/ jardins públicos e rótulas das Avenidas Presidente Vargas, Roberto Socoowiski, Rio Grande e RS 734, no prazo de 48 horas.

(…).

Intime-se.

Em caso de descumprimento, fica desde já determinada a retirada pela equipe de limpeza pública do município. Requisite-se força policial, se necessário.

Certifique-se o cumprimento.

Dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral.

Tudo cumprido, arquive-se.

Rio Grande, data e hora da assinatura eletrônica.

Denise Dias Freire

Juíza Eleitoral da 163ª ZE

 

Consultando-se os autos da NIP n. 0600022-45.2022.6.21.0163, verifica-se que, após a impetração, sobreveio nova decisão de 25.09.2022, esclarecendo a abrangência da ordem de abstenção de propaganda eleitoral:

[…].

Acerca do e-mail do dia 26/08, cabe salientar que se deu em resposta ao Partido dos Trabalhadores que questionava se havia alguma vedação em âmbito municipal na colocação de propagandas eleitorais no município. Em resposta foi informado que tal prática apenas era usada em eleições municipais onde todos os partidos em ata convencionavam dentro de um bom senso para não atrapalhar o bom andamento do trânsito, ouvida a Secretaria de Trânsito do município, locais onde se evitaria a colocação de artefatos publicitários.

Ocorre que em se tratando de eleição de cunho estadual e nacional, não há como convencionar tal prática, pois coexistindo candidatos de diferentes locais, estes nem terem conhecimento do que haveria sido pactuado.

Desta forma, preferiu-se não intervir e garantir o livre direito da propaganda eleitoral. Foi encaminhado apenas a todas as agremiações partidárias municipais, por solicitação da Brigada Militar, que se solicitasse aos partidos políticos que não colocassem artefatos de propaganda eleitoral em áreas base de observação da BM.

Ocorre que houve circunstância superveniente. O Ministério Público Eleitoral representou, neste expediente, buscando garantir o bom andamento do trânsito, pessoas e veículos.

Compreende-se, outrossim, a apreensão dos candidatos e partidos, pois por erro de interpretação podem crer que não poderão fazer propaganda em lugar algum. Por isso, importante esclarecer que a decisão foi cristalina ao determinar de que os requeridos e todos os diretórios de partidos se abstenham de colocar propaganda nos jardins e canteiros e rótulas de trânsito localizados em áreas públicas, bem como para que promovam a remoção de todas as propagandas colocadas e/ou afixadas nos canteiros/ jardins públicos e rótulas das Avenidas Presidente Vargas, Roberto Socoowiski, Rio Grande e RS 734, no prazo de 48 horas.

Veja-se que não se está a coibir o exercício da propaganda, que continua permitida ao longo das vias públicas, todavia vedada por determinação legal do art. 37 da Lei 9504/97 em jardins e canteiros e rótulas de trânsito localizados em áreas públicas.

Para ficar ainda mais claro: não se pode afixar a propaganda nos canteiros, rótulas, divisores de pista, jardins. As propagandas em vias públicas, como calçadas por exemplo, segue sendo permitida, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos, nos exatos termos do § 6º do artigo 37 da Lei das Eleições.

Feito este esclarecimento, vai indeferido o pedido de reunião, pois como dito há candidatos de todo o RS, que não tomariam conhecimento do fosse eventualmente decidido.

Opta-se, portanto, em seguir regularmente o que está posto na legislação eleitoral e é de conhecimento de todos.

Outrossim, sobre a notícia de irregularidade de propaganda do candidato Alexandre Lindenmeyer, determino a notificação para que retire os artefatos publicitários eventualmente ainda existentes na esquina das ruas Buarque de Macedo com Major Carlos Pinto.

Em caso de descumprimento, fica desde já determinada a retirada pela equipe de limpeza pública do município. Requisite-se força policial, se necessário.

Certifique-se o cumprimento.

Dê-se vista ao Ministério Público Eleitoral.

Tudo cumprido, arquive-se.

 

Percebe-se que a ordem foi direcionada a todas as coligações, partidos e candidatos e vedou, de forma ampla, a propaganda eleitoral “nos canteiros, rótulas, divisores de pista, jardins”, bem como determinou “a remoção de todas as propagandas colocadas e/ou afixadas nos canteiros/ jardins públicos e rótulas das Avenidas Presidente Vargas, Roberto Socoowiski, Rio Grande e RS 734, no prazo de 48 horas”.

Ao indeferir o pedido de tutela de urgência, manifestei que:

Em que pese seja reconhecido o poder de polícia aos juízes eleitorais, destinado a garantir a ordem pública e a prevenir eventual inobservância à legislação eleitoral, a decisão adversada prescreveu uma vedação ampla e inespecífica, aparentemente, exorbitando do poder conferido à Justiça Eleitoral, distanciando-se, por via de consequência, daquilo que preconiza a legislação eleitoral, que “se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais”.

 

Vale dizer, o poder de polícia somente compreende a prática de atos inibitórios de propaganda irregular, de modo minimamente danosa às campanhas eleitorais, não se prestando para tolher, de forma geral e inespecífica, o direito dos candidatos de lançarem mão de meio de propaganda lícito e promoverem regularmente sua campanha.

 

Por outro lado, a decisão teve por base um apurado levantamento realizado pelo Ministério Público Eleitoral, bem como refere notícias de acidentes ocorridos em momentos anteriores, não se podendo, de plano, ignorar a conjugação de cautelas adotadas pelas Autoridades próximas aos fatos.

 

(…).

 

Assim, em análise sumária, não vislumbro, de plano, a plausibilidade do direito invocado para a concessão imediata do pleito liminar, cabendo a análise da questão em avaliação exauriente, após as informações a Autoridade Impetrada e manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, as quais devem ser prestadas com urgência.

 

Ocorre que, sobrevindas aos autos, as informações prestadas pela apontada Autoridade Coatora não sanaram as questões pendentes sobre os acontecimentos que teriam motivado a gravosa cautela sobre a propaganda eleitoral.

O levantamento fotográfico realizado pelo Ministério Público Eleitoral não revela impedimento indiscriminado e patente ao trânsito de pessoas e veículos, ainda que possam existir transtornos pontuais (ID 45129581, fls. 31-43).

Ademais, as referências de que o vento deslocaria as peças de propaganda e que teriam ocorrido acidentes em pleitos anteriores não estão subsidiadas por fatos concretos, que possibilitassem colocar precisão sobre os pontos passíveis de risco.

Ocorre que a legislação eleitoral permite a colocação de bandeiras e similares ao longo de vias públicas, somente o proibindo “nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios” (art. 37, § 5º, da Lei n. 9.504/97), ou seja, a restrição não abrange canteiros, rótulas e divisores de pista.

Como toda intervenção administrativa sobre direitos de particulares, o poder de polícia sobre a propaganda eleitoral deve observar a legalidade e a proporcionalidade das medidas adotadas. Nesse sentido, prescrição legal da atribuição, insculpida no art. 41 da Lei n. 9.504/97, resguarda o direto à propaganda eleitoral lícita diante do exercício do poder de polícia, verbis:

Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

(…).

§ 2º O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Pertinente, nesse ponto, trazer a lume o escólio de Marcílio Nunes Medeiros, consoante o qual:

O poder de polícia deve limitar-se à inibição das práticas ilícitas na propaganda eleitoral, devendo ser observada a proporcionalidade dos meios empregados no exercício desse poder para o fim de atender o interesse público de respeito às regras da propaganda eleitoral por candidatos e partidos políticos. (Legislação eleitoral comentada e anotada. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1108)

 

Cumpre ressaltar que o respeito à legalidade e à proporcionalidade não elimina a possibilidade de a Justiça Eleitoral, diante de um quadro de deturpação dos atos de campanha, em severa contrariedade à segurança, tomar as medidas necessárias para a restauração da ordem e da paz social. Porém, tais elementos não se vislumbram nos autos.

Não é razoável concluir que todas as propagandas de rua, independente de sua localização específica, prejudiquem o trânsito, a despeito da forma como posicionadas ou da localização do canteiro, rótula ou divisor de pista, e, da mesma forma, em toda a extensão das Avenidas Presidente Vargas, Roberto Socoowiski, Rio Grande e RS-734.

A medida tomada, ainda que considerado o poder geral de cautela, exigiria a fundamentação por localização específica e determinada, a fim de interferir minimamente no direito à propaganda eleitoral, sem a criação de vedações abstratas e gerais não previstas em lei.

Assim, entendo que a proscrição ampla e geral que limitou a propaganda eleitoral de rua, permitindo-a apenas em calçadas, representa cerceamento ao direito líquido e certo de exercício de campanha nos termos legais, exceto no que se refere à propaganda em jardins públicos, expressamente vedada pelo art. 37, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

Ressalva-se, de toda forma, a possibilidade de futura renovação da decisão pelo Juízo da 163ª Zona, com mitigação da abrangência da ordem, ante a fundamentação por pontos geográficos das áreas críticas a serem abrangidas pela proibição.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão parcial da segurança para cassar a decisão impugnada, exceto em relação à vedação de afixação de propaganda eleitoral em jardins públicos, salvaguardada eventual atuação do poder de polícia de forma pontual e concreta sobre infrações específicas e determinadas.

Comunique-se para imediato cumprimento, independentemente de publicação.