REl - 0600289-51.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

IVAN SOTILLI interpõe irresignação contra a sentença do Juízo da 142ª Zona Eleitoral que desaprovou as contas do candidato ao cargo de vereador no Município de Hulha Negra, relativas às eleições 2020, em razão (1) do recebimento de recursos de origem não identificada e (2) de despesas irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. A sentença hostilizada determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.930,00.

À análise das falhas.

1. Do recebimento de recursos de origem não identificada – RONI

Segundo o exame das contas, houve o recebimento de doação de R$ 70,00, realizada por Luiz Adilio Xavier, cidadão inscrito no programa “Auxílio Emergencial” do Governo Federal, e a sentença considerou a contribuição como de origem não identificada - RONI.

Com efeito, a análise do conjunto probatório revela a ausência de comprovante da capacidade econômica do doador, limitando-se o prestador a alegar que desconhecia a situação financeira do contribuinte.

Alegação recursal que merece guarida.

Ausente prova de ciência, de parte do candidato, de que o doador é beneficiário de programa assistencial, é inviável impor ao prestador de contas o ônus de devolução do valor ao Tesouro Nacional sob pena de presunção de culpa ou responsabilização de cunho objetivo, e não entendo como determinante o tamanho do eleitorado do município em que ocorrida a situação, de forma que julgo haver ao menos a necessidade de fortes indícios da ciência inequívoca do candidato, como este Tribunal já se manifestou no REl n. 0600599-11, Relator o Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, julgado em 22.7.2021.

Assim, entendo incabível a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional, fundamentalmente porque não há nos autos elementos suficientes de prova que indiquem a ciência, nos termos decididos pela Corte no REl n. 0600415-81, Relator o Des. Eleitoral CAETANO CUERVO LO PUMO, julgado em 21.7.2022:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DE DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA EM FASE RECURSAL. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DAS DESPESAS. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO ORIUNDA DE BENEFICIÁRIO DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. INEXISTÊNCIA DE ACERVO PROBATÓRIO DAS CONDIÇÕES ECONÔMICAS DA DOADORA. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES ACERCA DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. IRREGULARIDADES SANADAS. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovada prestação de contas de candidato a vereador, na forma dos art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em virtude da falta de comprovação de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e dos seus respectivos pagamentos por meio de cheque nominal cruzado ou transferência bancária; do recebimento de doação proveniente de pessoa física beneficiária do Auxílio Emergencial, configurando recursos de origem não identificada; e da omissão de informações relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha. 2. Conhecida a documentação apresentada com o recurso. Este Tribunal tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura pode sanar irregularidades, ictu primo oculi, sem a necessidade de nova análise técnica. 3. Documentos apresentados pelo prestador aptos a demonstrar o cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Os cheques trazidos comprovam a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85. 4. Recebimento de doação de beneficiário de auxílio emergencial. Irregularidade afastada. Não existindo acervo probatório que autorize a fundada conclusão de que a doadora não tinha condições econômicas de repassar a receita, e que o candidato beneficiado possuía conhecimento dessa realidade, inexiste irregularidade na doação recebida. Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação.

Afasto, assim, a irregularidade.

2. Das despesas irregulares com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC

A sentença considerou irregular as despesas realizadas por meio dos contratos de prestação de serviço firmados com Luiz Adilio Xavier e Rita Daiana Alves Xavier, na importância individual de R$ 930,00, sob o fundamento de inobservância do previsto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução(Lei nº 9.504/1997, art. 26):  (...)  § 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

O prestador alega que os contratos foram estabelecidos com base na média dos valores pagos pelos candidatos do mesmo partido “considerando-se o trabalho executado, a duração do contrato e a disponibilidade do prestador às necessidades da candidatura”.

O dispositivo exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço acordado. No entanto, ao consultar os contratos, verifico que os documentos omitem os locais, as horas trabalhadas e a justificativa de preço.

Saliento que a exigência normativa quanto ao detalhamento do contrato de prestação de serviços de campanha foi uma inovação trazida pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução n. 23.607/19 para as eleições de 2020. Por conta disso, a prática não tem mais recebido tratamento de falha meramente formal, mas de irregularidade de natureza grave, mormente quando envolve verbas públicas do FEFC.

No concernente ao valor, destaco que a diligente unidade técnica atuante na origem, em seu parecer conclusivo, registrou análise comparativa do mesmo tipo de gasto, a qual transcrevo:

Assim, esta analista realizou uma pesquisa no DivulgaCand, site do TSE que torna público os gastos dos candidatos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85316/210000654383/integra/despesas) - seguem anexos relatórios - e verificou que o prefeito eleito de Bagé, Divaldo Viera Lara gastou com panfletagem valores que variaram de R$200,00 a R$800,00. Realizou também pesquisa de alguns vereadores eleitos, e verificou que os gastos com serviço de apoio a candidatura variaram de R$150,00 a R$ 200,00. Verificou-se também que um dos candidatos a prefeito no município de Hulha Negra gastou R$1.000,00 com despesas de pessoal para manutenção do comitê, não tendo observado no divulgacand gastos com apoio a candidatura (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/20 30402020/86800/210000767319/integra/despesas), sendo que o prestador teve o expressivo gasto de R$930,00 com dois apoiadores. Ainda há de se destacar que Bagé é um município que tem 90.578 eleitores, enquanto Hulha Negra tem 4.696 eleitores (representa 5,18% do total do eleitorado de Bagé). Como já mencionado no relatório preliminar, chamou a atenção desta examinadora também o fato do contrato ter sido assinado em 03 de novembro e os recursos do FEFC terem sido recebidos na conta somente em 09 de novembro.

Ademais, indico que a realização dos pagamentos não foi demonstrada por qualquer meio, fossem cheques nominais cruzados ou transferências bancárias com registro de contraparte, inexistindo prova da efetiva quitação.

Em resumo, dou provimento parcial ao recurso, para afastar a ordem de recolhimento de R$ 70,00 reais, objeto do item um do presente voto, mantendo a sentença no relativo à irregularidade analisada no ponto 2, no valor total de R$ 1.860,00 (R$ 930,00 + R$ 930,00), o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, pois ausente a demonstração da aplicação dos recursos advindos do FEFC por documentos idôneos.

Diante do exposto, VOTO por dar parcial provimento ao recurso para, mantida a desaprovação das contas, reduzir o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 1.860,00.