PCE - 0600432-78.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, o Diretório Regional do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB apresentou sua prestação de contas referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos nas eleições municipais de 2020.

Após o exame preliminar e com a apresentação de prestação de contas retificadora, o órgão técnico deste Tribunal considerou sanados vários dos apontamentos realizados, à exceção do repasse de recursos do Fundo Partidário a candidaturas femininas e de pessoas negras.

No parecer de ID 44966774 estão descritas as transferências de recursos apuradas e as despesas efetuadas em benefício de candidatas e pessoas negras, além da identificação dos documentos considerados insuficientes para comprovar a destinação de valores, com glosa de R$ 198.078,79 (R$ 140.912,63 + R$ 21.393,50 + R$ 35.772,66).

A partir dos dados apresentados posteriormente pelo partido (ID 45000875), o montante tido como irregular pelo órgão técnico foi reduzido para R$ 98.250,79 (ID 45013191).

A aplicação dos recursos do Fundo Partidário em campanhas eleitorais está regulamentada no art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo a redação da norma para as eleições 2020 a seguinte:

Art. 19. Os partidos políticos podem aplicar nas campanhas eleitorais os recursos do Fundo Partidário, inclusive aqueles recebidos em exercícios anteriores.

§ 1º A aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário nas campanhas eleitorais pode ser realizada mediante:

I - transferência bancária eletrônica para conta bancária do candidato, aberta nos termos do art. 9º desta Resolução;

II - pagamento dos custos e das despesas diretamente relacionados às campanhas eleitorais dos candidatos e dos partidos políticos, procedendo-se à sua individualização.

§ 2º Os partidos políticos devem manter as anotações relativas à origem e à transferência dos recursos na sua prestação de contas anual e devem registrá-las na prestação de contas de campanha eleitoral de forma a permitir a identificação do destinatário dos recursos ou do seu beneficiário.

§ 3º Os partidos políticos, em cada esfera, devem destinar ao financiamento de campanhas de suas candidatas no mínimo 30% dos gastos totais contratados nas campanhas eleitorais com recursos do Fundo Partidário, incluídos nesse valor os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096/95 (Lei n. 13.165/15, art. 9º).

§ 4º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do Fundo Partidário destinados a campanhas deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 5º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Partidário, destinada ao custeio das candidaturas femininas, deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 6º O disposto no § 5º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 7º É vedado o repasse de recursos do Fundo Partidário, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Partidário nos termos dos §§ 5º e 6º deste artigo sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do Fundo Partidário em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado. (grifei)

 

Apesar de os termos da resolução preverem, na oportunidade,  apenas a destinação de percentual de valores ao financiamento de candidaturas femininas, sabe-se que o Tribunal Superior Eleitoral respondeu afirmativamente à Consulta n. 0600306-47.2019.6.00.0000, asseverando a viabilidade do fomento das candidaturas de pessoas negras com recursos oriundos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, assim como o Supremo Tribunal Federal, na ADPF n. 738, determinou a imediata aplicação, ainda nas eleições 2020, desses incentivos às candidaturas de pessoas negras (ADPF 738 MC-Ref, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 05.10.2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28.10.2020 PUBLIC 29.10.2020.).

A redação do dispositivo foi alterada para as eleições 2022, de modo que o regulamento refletisse essas decisões. Vejamos:

§ 3º Para o financiamento de candidaturas femininas e de pessoas negras, a representação do partido político na circunscrição do pleito deve destinar os seguintes percentuais relativos aos seus gastos contratados com recursos do Fundo Partidário: (Redação dada pela Resolução TSE n. 23.665/21)

I - para as candidaturas femininas o percentual corresponderá a proporção dessas candidaturas em relação a soma das candidaturas masculinas e femininas do partido, não podendo ser inferior a 30% (trinta por cento); (Incluído pela Resolução TSE n. 23.665/21)

II - para as candidaturas de pessoas negras o percentual corresponderá à proporção de: (Incluído pela Resolução TSE n. 23.665/21)

a) mulheres negras e não negras do gênero feminino do partido; e (Incluído pela Resolução TSE n. 23.665/21)

b) homens negros e não negros do gênero masculino do partido; e (Incluído pela Resolução TSE n. 23.665/21)

III - os percentuais de candidaturas femininas e de pessoas negras será obtido pela razão dessas candidaturas em relação ao total de candidaturas da representação do partido político na circunscrição do pleito. (Incluído pela Resolução TSE n. 23.665/21)

§ 4º (revogado)

§ 4º-A A regularidade da aplicação mínima dos percentuais mencionados nos incs. I e II do § 3º deste artigo será apurada na prestação de contas da representação do partido político na circunscrição do pleito. (Incluído pela Resolução  TSE n. 23.665/21)

§ 5º A verba do Fundo Partidário destinada ao custeio das campanhas femininas e de pessoas negras deve ser aplicada exclusivamente nestas campanhas, sendo ilícito o seu emprego no financiamento de outras campanhas não contempladas nas cotas a que se destinam. (Redação dada pela Resolução TSE n. 23.665/21)

§ 6º O disposto no § 5º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino e de pessoas não negras; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas, desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras. (Redação dada pela Resolução TSE n. 23.665/21)

 

Na hipótese, a análise técnica (ID 44919961) pontuou que o partido, "nas Eleições de 2020, contou com um total de 2.213 candidatos, dos quais 761 candidaturas femininas, dentre elas, 103 candidaturas de mulheres negras e pardas; e quanto ao gênero masculino identificaram-se 1.452 candidaturas no total, dentre os quais 176 se autodeclararam negros e pardos".

A manifestação do órgão técnico (ID 45013191) apontou a inexistência de comprovação da destinação de R$ 52.502,63 às candidaturas de mulheres; em relação às candidaturas femininas negras e pardas, deixou de ser comprovada a distribuição de recursos no valor de R$ 9.975,50; e, em relação às candidaturas masculinas negras e pardas, a ausência de comprovação atingiu o montante de R$ 35.772,66.

Tais irregularidades não foram sanadas pelos documentos juntados na prestação de contas, as quais alcançam o valor total de R$ 98.250,79 e representam 1,61% da receita declarada pelo prestador (R$ 6.096.009,57).

No ponto, a Procuradoria Regional Eleitoral argumenta que:

Embora o partido tenha recebido R$6.096.009,57, o montante de R$5.397.726,70 foi doado a candidatos ou outros partidos (ID 44940519), aonde serão devidamente considerados para fins de quantificação das receitas e ponderação das irregularidades. Nesse sentido, deve ser considerado unicamente o montante de R$698.282,87 para fins de mensuração das irregularidades. (ID 44995315)

 

O prestador de contas sustenta que não há razão para se afastar o valor doado aos candidatos ou outros partidos no cálculo realizado para fins de apuração do percentual. Em sua defesa, menciona parecer da Procuradoria lançado nos autos do processo n. 0600464-52.2020.6.21.0075.

Pois bem, assiste razão ao partido.

Para fins de apuração do percentual de irregularidades, esse Tribunal Regional vem considerando o total de recursos recebidos (receitas declaradas) pelos partidos políticos nas eleições 2020, o que recomenda que o prestador de contas tenha o mesmo tratamento nestes autos. Nesse sentido, menciono os seguintes processos de prestação de contas de partido político relativas às eleições 2020, ambos de relatoria do Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo: PCE n. 0600426-71.2020.6.21.0000 (Publicação DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 24.8.2022.) e PCE n. 0600523-71.2020.6.21.0000 (DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 83, Data 13.5.2022, Página 4).

É necessário também lembrar que, embora nestes autos a irregularidade não superada envolva apenas parcela das despesas contratadas, nos processos da espécie podem ser sindicadas máculas de outras naturezas, o que impõe que o total de receitas declaradas seja considerado como o parâmetro adequado para medir o comprometimento das contas em razão de eventuais glosas.

Dito de outro modo, o Ministério Público Eleitoral sugere que os recursos repassados a terceiros não foram “geridos” pelo partido político, que teria atuado apenas como intermediador, de forma que não devem ser considerados como parâmetro para verificação do percentual de irregularidades. Ocorre que mesmo os recursos repassados a terceiros estão sujeitos à fiscalização e sua distribuição pode conter máculas, as quais não foram verificadas no caso dos autos. Nesse sentido, menciono, exemplificativamente, a transferência de valores para custeio de candidaturas proporcionais de outro partido (TRE-AL, PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n. 060029357, Acórdão, Relator(a) Des. Mauricio Cesar Breda Filho, Publicação: DJE - DJE, Tomo 107, Data 15.6.2022.) e o repasse de recursos para candidatos e candidatas por outro meio que não transferência bancária eletrônica entre as contas do doador e do beneficiário da doação, ou cheque cruzado e nominal (TRE-PA, Prestação de Contas n. 06003374320206140000, Relator(a) Des. JUIZ ALVARO JOSÉ NORAT DE VASCONCELOS, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 141, Data 29.7.2022, Página 67-69).

Para fins de apuração do percentual de irregularidades, portanto, será considerado o total de recursos recebidos (receitas declaradas).

Prosseguindo, embora o § 9º do já mencionado art. 19 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabeleça que o repasse irregular de recursos do Fundo Partidário implique recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional, o art. 3º da Emenda Constitucional n. 117, de 05.4.2022, vedou a aplicação de sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes de sua promulgação.

Nessa linha, a constatação do descumprimento das ações afirmativas em pleitos anteriores à promulgação da EC n. 117 pode ensejar a aposição de ressalvas ou a desaprovação das contas partidárias, ficando afastada, em relação a irregularidades dessa natureza, a imposição de sanções ou da condenação à devolução de valores.

Considerado o montante das máculas não superadas e seu valor irrisório em termos percentuais (1,61% das receitas declaradas), não havendo nos autos qualquer elemento que ateste má–fé do partido, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, as contas devem ser aprovadas com ressalvas (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 060267574, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 215, Data 26.10.2020.).

Diante da aprovação com ressalvas e das previsões constantes na EC n. 117/22, inaplicáveis quaisquer penalidades adicionais de suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário ou devolução de valores pelo prestador de contas.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela aprovação com ressalvas das contas do Diretório Regional do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB, referentes às eleições 2020, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.