REl - 0600517-31.2020.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Trata-se de recurso interposto por MICHELE JOSE AROZI, candidata ao cargo de vereadora no Município de Sapucaia do Sul, contra sentença do Juízo da 108ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas de campanha, relativas às eleições 2020, em razão de irregularidade em gastos efetuados com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. A decisão hostilizada determinou o recolhimento do valor de R$ 3.790,62 ao Tesouro Nacional.

Os gastos apontados como irregulares são: (1) R$ 600,00, em 29.10.2020; (2) R$ 500,00, em 23.10.2020; (3) R$ 1.100,00, em 27.10.2020; (4) R$ 490,62, em 29.10.2020; e (5) R$ 1.100,00, em 03.11.2020.

Com efeito, verifico que o conjunto probatório não oferece cópia dos cheques nominais e cruzados utilizados para os pagamentos, e os extratos bancários somente identificam a contraparte sacadora “MARIA MARILENE S MALGAREZI” para os dois cheques emitidos no valor de R$ 1.100,00, estando os demais sem qualquer identificação.

A situação é regulamentada pelo art. 38 da Resolução n. 23.607/19, o qual determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Com o intuito de comprovar a regularidade na quitação das despesas, a parte recorrente sustenta que “houve pagamento dos valores às pessoas a que se destinam, tanto é que elas assinaram comprovantes de recebimento, os valores aparecem nos extratos bancários”.

Observo, desde já, que apenas a referência aos recibos e ao registro do valor da despesa no extrato bancário não atende à exigência de comprovação segura da aplicação das verbas usadas na campanha eleitoral, a qual se faz mediante documentos idôneos, corretamente preenchidos e movimentados como determinam as regras eleitorais, nos termos dos arts. 53, inc. II, al. "c", e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende comprovadas as duas despesas de R$ 1.100,00, realizadas em 27.10.2020 e 03.11.2020, com a compreensão de que “dizem respeito ao contrato de locação de bem imóvel para uso na campanha eleitoral, conforme contrato juntado pela candidata em resposta ao exame das contas (ID 44942593, p. 6/7)”.

Destaco, no ponto, que, isoladamente, o contrato de locação do imóvel, do modo e no momento em que foi apresentado, não comportaria a segurança exigida para comprovação, não houvesse nos autos outros elementos a amparar a operação. Ou seja, o contrato não firmado em cartório e desacompanhado de documento que comprove a propriedade do bem pelo locador – a exemplo do que se exige para fazer prova da doação de veículo para campanha –, apresentado somente após o apontamento da falha, não garante sua preexistência, podendo ter sido produzido a partir da anotação da irregularidade.

Porém, na linha do órgão ministerial, verifico que o extrato de prestação de contas (ID 44942557) contém no campo “locação/cessão de bem móvel (exceto veículos)”  o registo de uma despesa no valor de R$ 2.200,00 e no “demonstrativo (relatório de despesas a especificar)” (ID44942524) a correspondente “despesa efetuada”, nominando o fornecedor como Maria Marilene Sosim Malgarezi, cujas datas para quitação foram 27.10.2020 e 03.10.2020, com os cheques de n. 4 e 5. A contraparte, os números dos cheques e a primeira data conferem com operações encontradas no extrato bancário, apenas a data de 03.10.2020 não se verifica, mas sim a de 03.11.2020.

Nessa linha de raciocínio, ainda que a apresentação defensiva não esteja sob o manto da melhor técnica, entendo possível considerar que os dois gastos pagos com cheque, cada qual no valor de R$ 1.100,00 e ambos descontados por Maria Marilene Sosim Malgarezi, têm regular comprovação, e afasto as irregularidades.

Nas demais falhas, contudo, os argumentos não merecem acolhida. São graves as irregularidades, mormente porque realizadas com recursos do FEFC, não havendo falar em comprovação de gastos apenas por meio de recibos e de registro do valor da despesa no extrato bancário, quando ausentes as contrapartes e as cópias de cheques nominais cruzados. O emprego de verbas públicas sem comprovação do destino dos valores fere a lisura das contas e impede esta Justiça Especializada e a sociedade de exercerem a devida fiscalização das práticas financeiras dos candidatos.

Suprimidos R$ 2.200,00, as irregularidades remanescentes representam 20,59% das receitas financeiras auferidas, R$ 7.722,13, e alcançam o montante de R$ 1.590,62 (R$ 600,00 + R$ 500,00 + R$ 490,62), excedendo, nominalmente, ao parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), devendo ser mantida a desaprovação.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO para dar parcial provimento do recurso, reduzir a quantia de recolhimento ao Tesouro Nacional ao patamar de R$ 1.590,62, mantendo a desaprovação das contas.