REl - 0600809-53.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/09/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que é desnecessário o pedido de recebimento do recurso no efeito suspensivo, uma vez que a determinação de recolhimento de valores ao erário, fixada na sentença, somente pode ser executada após o trânsito em julgado da decisão que julgar as contas, na forma do art. 32, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada devido ao recebimento de dois depósitos nos valores de R$ 750,00 e R$ 2,50 cada, na conta de campanha da candidata, identificados com o CNPJ da candidatura como depositante.

Por não terem sido informados os dados da pessoa física que efetuou o depósito, o fato infringe a disposição do art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativa à exigência de que as transações bancárias sejam realizadas com indicação do CPF do doador.

Conforme consta do seguinte trecho da sentença recorrida, o art. 32, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que a entrada do valor na campanha se caracteriza como recebimento de recursos de origem não identificada:

[...]
A área técnica identificou irregularidade no recebimento de doações financeiras no valor total de R$ 752,50, cujo extrato bancário da conta de campanha informava o CNPJ da candidata como doadora, o que tornava impossibilitada a identificação da real origem do recurso.

Diligenciado, o prestador apenas declarou se tratarem de recursos próprios depositados no caixa eletrônico através de envelope, e não transferidos para a conta de campanha por não possuir conta no Banrisul, quando não se atentou à dualidade pessoa física x pessoa jurídica, tendo informado o CNPJ de campanha ao invés do CPF. Juntou documento com registro de que prestou serviço temporário ao Governo do Estado do RS, desligando-se para concorrer a cargo eletivo, argumentando, também, que não solicitou doações a terceiros e que a ocorrência configura equívoco formal.

Contudo, não atendeu à solicitação de apresentação da comprovação bancária da origem, posto ter infringido o art. 21, inciso I, da Resolução TSE:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

Ressalte-se que não se está diante de mero equívoco formal, tampouco suprível por alegação de não possuir conta bancária ou na mesma instituição financeira, por parcas declarações de fato, suposições ou possibilidades de origem do recurso. Se assim o fosse, não haveria razão para a clara determinação normativa suprarreferida. A infração da norma pressupõe, de forma imperativa, a comprovação da efetiva origem do recurso, ou seja, de que o recurso pertencia ao doador declarado e, efetivamente, veio desse doador e não, apenas, de que poderia ter vindo do dador declarado. Caso contrário, restaria exaurido o objetivo da norma, que prevê a operação realizada com requisito, primordial, a ser observado.

Em que pese a transferência de valores entre contas bancárias possibilitar, com maior praticidade, a identificação da origem dos recursos, a impossibilidade de sua implementação, por qualquer razão, não pode ser aceita como justificativa para a inobservância de preceito legal para o recebimento de doação(ões) financeira(s) através da(s) operação(ões) realizada(s). De modo que inexiste irregularidade em relação ao tipo de operação. A falha consiste na inobservância quanto à identificação do(s) doador(es) quando da realização do(s) depósito(s), ou seja, do requisito para a sua efetivação.

A aludida ausência de comprovação impõe a caracterização do valor, que representa 74% do total de receita financeira e estimável declarada pelo prestador, como recurso de origem não identificada e o consequente recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, § 1º, da mesma Resolução:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§-1° Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I- a falta ou a identificação incorreta do doador;
[...]

 

Em suas razões, a candidata sustenta que a falha ocorreu por equívoco devido à dificuldade em compreender as regras eleitorais e o sistema de prestação de contas de campanha, e afirma que o valor é proveniente de recursos próprios.

Contudo, a alegação não foi acompanhada de mínima prova nesse sentido.

Embora a prestadora tenha registrado no demonstrativo de receitas financeiras a declaração de que o dinheiro é proveniente de recursos próprios (ID 44986741), observa-se que nos extratos bancários eletrônicos o depósito está identificado com o CNPJ da candidatura, conforme é possível consultar no sítio Divulga Cand Contas no endereço https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87025/210000800437/extratos.

Essa circunstância impossibilita a Justiça Eleitoral de verificar a autenticidade da declaração de que o valor constitui recurso pessoal aplicado na campanha.

A falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem do recurso não fica afastada pela declaração de que o depósito foi realizado pela própria prestadora, pois o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente determina que as doações de pessoas físicas e de valores próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, mediante transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado.

Portanto, ainda que a candidata demonstre a sua capacidade financeira para realizar a doação e justifique a falha apontando equívoco de procedimento, o certo é que a origem do recurso consiste em mera alegação que não se sustenta em prova fidedigna, permanecendo a irregularidade.

A exigência normativa de que as doações de campanha, mesmo que provenientes dos próprios candidatos, sejam feitas por meio de transferência eletrônica, visa a coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas.

Dessa forma, a confiabilidade e a transparência das contas de campanha da candidata restaram comprometidas pela irregularidade não esclarecida, devendo ser mantida a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

A irregularidade de R$ 752,50 representa 73,99% das receitas declaradas (R$ 1.017,00), valor inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, possibilitando a aprovação das contas com ressalvas em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, para reformar a sentença e aprovar as contas com ressalvas, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 752,50 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.