REl - 0600834-58.2020.6.21.0163 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

1. Preliminar. Alegação de ocorrência de cerceamento de defesa

Suscitam os recorrentes a preliminar de nulidade da sentença, ao entendimento de que as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que consideram preclusa a oportunidade de esclarecimentos após o parecer conclusivo seriam injustas, pois, “quando apontado pelo Parecer Conclusivo/Relatório de Diligências do Cartório Eleitoral, não terá (o prestador) vistas destes apontamentos e não poderá exercer o contraditório e ampla defesa”.

Sem razão.

A preclusão da oportunidade para manifestação a respeito das falhas apontadas pela análise realizada por órgão técnico da Justiça Eleitoral não decorre apenas das decisões dos órgãos julgadores, seja o Tribunal Superior ou os tribunais regionais, mas sim tem previsão na legislação de regência, à qual estão sujeitos todos os concorrentes ao pleito. Cito, ao que importa de momento, o art. 69 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 69. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, § 4º).

§ 1º As diligências devem ser cumpridas pelas candidatas ou pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, sob pena de preclusão.

§ 2º Na fase de exame técnico, inclusive de contas parciais, a unidade ou a(o) responsável pela análise técnica das contas pode promover circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento.

§ 3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados, ou não, de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou a(o) responsável pela análise técnica para emissão de parecer conclusivo acerca das contas.

§ 4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado à prestadora ou ao prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou a(o) responsável pela análise técnica deve notificá-las(os), no prazo e na forma do art. 98 desta Resolução.

§ 5º Somente a autoridade judicial pode, em decisão fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico, do Ministério Público ou da(o) impugnante, determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário da candidata ou do candidato, dos partidos políticos, das doadoras ou dos doadores ou das fornecedoras ou dos fornecedores da campanha.

§ 6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade de a interessada ou o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas, identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo. (Grifei)

Verifico que o andamento processual observou integralmente o dispositivo.

Ou seja, após a apresentação das contas foi publicado o edital e houve elaboração do Relatório de Diligências (ID 44888100) nominando as falhas que exigiam esclarecimentos, quais sejam: (1) atraso na entrega dos relatórios financeiros; (2) ausência de extratos bancários; (3) omissão de gastos eleitorais; (4) omissão de registro de movimentação financeira; (5) recibos duplicados; (6) pagamento de despesa em espécie sem apresentação de nota fiscal ou termo de doação; (7) pagamentos em espécie acima do limite legal; e (8) ausência de comprovação de gastos com recursos do FEFC.

Intimados, os prestadores apresentaram prestação de contas retificadora e notas explicativas, ID 44888103 e seguintes.

Após novo exame, foi elaborado o parecer conclusivo indicando que “restaram sem saneamento as irregularidades apontadas nos itens 5 e 6, relacionadas à utilização indevida dos recursos do fundo de caixa. Entende-se que, s.m.j., os documentos nos autos não corroboram os argumentos apresentados pelo candidato, tampouco tais argumentos encontram respaldo na Resolução TSE 23.607/2019”. O analista das contas entendeu sanados os demais apontamentos.

Destaco não ter havido no relatório conclusivo constatação de falha, impropriedade ou irregularidade diferentes daquelas registradas por ocasião do parecer preliminar, não dando ensejo, assim, à concessão de novo prazo aos prestadores.

Portanto, as oportunidades foram facultadas sob observância da legislação de regência, não merecendo anulação a sentença hostilizada.

Nestes termos, afasto a preliminar suscitada.

2. Mérito

ROSBERGUER DE ALMEIDA CAMARGO e KARINE CORREA HALLAL, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Rio Grande em 2020, recorrem contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha. A sentença destacou (1) o pagamento de despesa em espécie sem apresentação de nota fiscal ou termo de doação e (2) pagamentos em espécie acima do limite legal.

Verifico que as irregularidades afrontam os mesmos dispositivos legais e recebem as mesmas explicações por parte dos recorrentes. Ainda, a integralidade das verbas utilizadas, R$ 415.000,00, é oriunda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Portanto, passarei à análise conjunta das falhas.

A sentença destaca “o pagamento de valores para os quais não foi encontrados quaisquer sorte de nota fiscal ou recibo a comprovar a doação” e “pagamentos em espécie para o mesmo fornecedor e com mesmo documento fiscal a ultrapassar o limite estabelecido para pagamentos de pequeno valor”. A decisão hostilizada aponta que ambas as práticas afrontaram os arts. 39 e 40 da Resolução TSE n 23.607/19, que transcrevo:

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e a candidata ou o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I - observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II - os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III - o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor da(o) própria(o) sacada(o).

Parágrafo único. A candidata ou o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

Art. 40. Para efeito do disposto no art. 39 desta Resolução, consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa.

Parágrafo único. Os pagamentos de pequeno valor realizados por meio do Fundo de Caixa não dispensam a respectiva comprovação na forma do art. 60 desta Resolução.

Nomeadamente, as irregularidades são pagamentos de despesas em espécie para dois fornecedores: (1) Carlos André Lopes Souto, R$ 800,00, representados por três diferentes recibos, um de R$ 400,00 e dois de R$ 200,00, referente a serviços contábeis; e (2) Wesley Coutinho de Santana, em montante de R$ 3.122,00, representados por seis diferentes recibos, dois de R$ 521,00 e quatro de R$ 520,00, a título de despesas com pessoal. A data declarada de todos os gastos é a mesma, 26.10.2020.

Os recorrentes apresentaram nota explicativa alegando a regularidade das despesas com base na constituição de fundo de caixa, formado a partir da emissão do cheque n. 850004 da conta 1200-9, agência 5672-3 do Banco do Brasil, no valor de R$ 4.122,00, sendo a quantia utilizada da seguinte forma, nos termos do recurso:

a) em 26/10/2020 a Marcelo Barros Dias, CPF 742.791.900-97, com recibo individual de R $ 80,00;

b) em 26/10/2020 a Josias Lages Ribeiro, CPF 011.940.220-30, com recibo individual de R$ 120,00;

c) em 26, 27 e 28/10/2020 a Carlos Andre Lopes Souto, CPF 535.438.660-87, com recibo consolidado no valor de R$ 800,00; as quantias individuais de R$ 400,00, R$ 200,00 e R$ 200,00 respectivamente;

d) em 26 e 29/10/2020 e em 01, 05, 10 e 14/11/2021 a Wesley Coutinho de Santana, CPF 055.649.940-94, com recibo consolidado no valor de R$ 3.122,00; as quantias individuais de R$ 520,00, R$ 520,00, R$ 521,00, R$ 521,00 e R$ 520,00 respectivamente;

 

De fato, analisando o extrato bancário da referida conta, verifico na data de 26.10.2022 o débito do cheque n. 850004, no valor de R$ 4.122,00, com a operação registrada como “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGÊNCIA”.

Contudo, a legislação de regência exige que “o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor da(o) própria(o) sacada(o)”, prática que não ocorreu no caso dos autos, e isto fica evidenciado pela ausência de contraparte no extrato bancário e, ademais, tratando-se de constituição de fundo de caixa de campanha, “consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa”.

Ora, no ano de 2020 o salário-mínimo estava estabelecido em R$ 1.045,00, de maneira que o limite para despesa paga com recursos de fundo de caixa de campanha alcançava R$ 522,50. Noto que a despesa com serviços contábeis totalizou R$ 800,00, valor registrado de modo fracionado na prestação: R$ 400,00, R$ 200,00 e R$ 200,00, o que igualmente ocorreu com o gasto de R$ 3.122,00, pago ao mesmo fornecedor, informado em seis parcelas, duas de R$ 521,00 e quatro de R$ 520,00, em tentativa de burla ao sistema eleitoral.

Restam mantidas as irregularidades.

Por fim, destaco que a sentença, ao desaprovar as contas em razão da constituição irregular de fundo de caixa com utilização de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, deixou de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme estabelece o art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo inviável a revisão no ponto, pois apenas o prestador de contas interpôs recurso.

Tal circunstância, ademais, impede que as contas sejam aprovadas com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade, pois tais postulados devem abordar todos os elementos do caso concreto, e aqui entendo demasiado que os recorrentes recebam aprovação com ressalvas em situação, já consolidada, de indevida desoneração de recolhimento de valores, o qual seria obrigatório conforme a legislação de regência.

Diante do exposto, VOTO para afastar a preliminar e negar provimento ao recurso.