REC no(a) DR - 0602118-37.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

DESEMBARGADORA ELEITORAL VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

 

Eminentes Colegas,

O Desembargador Federal Rogério Favreto consignou em seu culto voto, em apertada síntese, que a propaganda impugnada veiculou declaração manifestamente inverídica, deturpada e promotora de insegurança e medo aos ouvintes com o fim de desestimular o voto em adversários políticos dos recorrentes, pelo que negava provimento ao recurso.

Conforme consta no voto, “o pedido de resposta é dirigido contra a propaganda eleitoral veiculada em TV, no dia 09.9.2022, em bloco das 13 horas, no espaço destinado aos candidatos do Senado, na qual a recorrente Nádia Rodrigues Silveira Gerhard afirmou que o Partido dos Trabalhadores quer ‘acabar com a Brigada Militar’ […]”.

Ocorre que este colegiado apreciou, na sessão de 21.09.2022, processo que discutia inserção com idêntico conteúdo: nos autos do Recurso no Direito de Resposta n. 0601957-27.2022.6.21.0000, de relatoria da Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, foi postulado o direito de resposta em razão de exibição, no dia 05.09.2022, peça de propaganda de TV em rede no bloco das 20:30h, no espaço destinado aos candidatos ao Senado, com a mesma manifestação da candidata Nádia Rodrigues Silveira Gerhard.

O julgamento ficou resumido na seguinte ementa:

RECURSO. ELEIÇÕES 2022. REPRESENTAÇÃO. DIREITO DE RESPOSTA. IMPROCEDENTE. TEMA PROPOSTO NA PROPAGANDA NÃO SE QUALIFICA COMO SABIDAMENTE INVERÍDICO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO. AUSENTE ILICITUDE. NEGADO PROVIMENTO.

1. Insurgência em face de decisão que julgou improcedente representação com pedido de direito de resposta.

2. Cabe à Justiça Eleitoral, como premissa de política judiciária, atuação minimalista, de intervenção apenas em casos extremos, sob pena de que demandas de direito de resposta se tornem um emaranhado, um verdadeiro cipoal de “respostas às respostas”, pois, não raro, a parte demandada entende que o demandante extrapolou, abusou do direito de esclarecimento primeiramente concedido e, ao que se sabe, tal situação já começa a operar nas presentes eleições.

3. O tema proposto na propaganda não pode ser tomado por inverídico, o que se dirá manifesto, tendo em vista que a desmilitarização da Polícia Militar - da qual uma das prováveis consequências seria a transformação, ainda que paulatina, da instituição - é, não raro, assunto abordado, tendo sido inclusive objeto de proposta de Emenda Constitucional. Ademais, a associação da propaganda com matérias veiculadas na imprensa é destituída de fundamento, visto que tal modalidade de reportagem é corrente, em período eleitoral ou fora dele, como já consignado na sentença.

4. Na hipótese, a notícia do fato não se qualifica como sabidamente inverídica, tratando-se, em realidade, de legítimo exercício do direito de liberdade de expressão, nos termos da jurisprudência. Igualmente, não há como entender pela violação do art. 9º da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a divulgação do fato não se qualifica como desinformação, inexistindo ilícito eleitoral.

5. Provimento negado.

 

Considerando que a questão foi decidida pelo Plenário na sessão de ontem, devo divergir do posicionamento manifestado pelo relator e propor solução diversa com a finalidade de evitar o inegável mal-estar criado por decisões conflitantes para situações fáticas afins.

Com vista à harmonização dos julgados, com a devida vênia aos judiciosos argumentos expostos pelo relator e em prestígio à decisão capitaneada pela Desembargadora Eleitoral Elaine Maria Canto da Fonseca, adoto os argumentos consignados no precedente como fundamentos para a divergência:

É certo que as questões relativas ao direito de resposta, nas eleições de 2022, têm sido objeto de intensos debates, com respeitáveis argumentos de quaisquer dos entendimentos adotados, e prova objetiva de tal constatação é o placar mínimo pelo qual, com frequência, o Plenário do TRE-RS tem decidido pela concessão, ou não concessão, de espaço para resposta a eventuais comentários de um candidato em relação ao concorrente.

Desse modo, desde já indico a ciência relativamente a posicionamento no sentido de concessão de direito de resposta em casos similares ao que ora se analisa, notadamente em decisões monocráticas, com a ressalva de que, ao menos até o momento da prolação da presente decisão, não há precedente do Plenário, no que toca às circunstâncias da presente demanda.

Sigo, contudo, convicta de que à Justiça Eleitoral cabe, como premissa de política judiciária, atuação minimalista, de intervenção apenas em casos extremos, sob pena de que demandas de direito de resposta se tornem – e é comum que assim ocorra – um emaranhado, um verdadeiro cipoal de “respostas às respostas”, pois não raro a parte demandada entende que o demandante extrapolou, abusou do direito de esclarecimento primeiramente concedido e, ao que se sabe, tal situação já começa a operar nas presentes eleições, no Estado do Rio Grande do Sul.

Nesse norte, adianto que não trago modificação relativa a posicionamentos anteriores, como, v.g., no DR n. 0603318-79.2022.6.21.0000, ainda que, no pertinente àquela demanda, a (mesma) parte representante tenha aqui agregado argumentos (em saudável relação dialética), como uma maior diferenciação semântica, a qual seria “oceânica”, entre (1) debater desmilitarização do policiamento ostensivo e (2) afirmar que o Partido dos Trabalhadores pretende extinguir a Brigada Militar, ou ainda que, (3) por se tratar de vídeo, o julgador dever apreender todos os elementos audiovisuais incorporados à peça publicitária.

Explico.

Julgo que tais alegações são periféricas ao âmago do debate. O cerne da questão, aqui, é o limite do atuar do Poder Judiciário, no comportamento dos candidatos em debates de cunho político, que se presta para esclarecer o eleitorado sobre diferentes visões dos fatos.

A parte recorrente tem plenas condições, por exemplo, de demonstrar o contexto histórico trazido na petição inicial, de que um Governo do Partido dos Trabalhadores deu ensejo à importante programa de segurança - a Patrulha Maria da Penha - o qual teria, ainda conforme o demandante, projetado a figura pública da própria requerida.

Essa é a posição pacífica, histórica, da jurisprudência, no sentido de que “a mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias” (Rp n. 367516, Rel. Min. Henrique Neves, publicado em 26.10.2010) e, na mesma linha argumentativa, entende-se que o direito de resposta há de ser concedido apenas nas hipóteses de desvirtuamento da discussão política e do interesse público, quando se passa a agredir a pessoa mediante afirmações caluniosas, injuriosas, difamatórias ou sabidamente inverídicas (TSE, REspe n. 26.377. Rel. Min. Marcelo Henrique, julgado em 31.08.2006), bem como que o instituto do direito de resposta está previsto na legislação para casos graves, quando a propaganda eleitoral transborda os limites do questionamento político ou administrativo e descamba para o insulto pessoal de forma incontroversa (TSE, REspe n. 26.777, publicado em 02.10.2006, Rel. Min. Ayres Britto).

No caso sob exame, a gravação tida como irregular possui o seguinte conteúdo:

Locução Masculina: Agora é Comandante Nádia Senadora! (00” até 02”)

Jingle: Bora lá, tchê! (03” até 04”)

Locução Feminina: Você ligou para a Brigada Militar. No momento não podemos atendê-lo. É, nem no momento e nem nunca mais. (04” até 14”) Comandante Nádia: É isso que o PT quer fazer: acabar com a Brigada Militar e deixar a tua família sem proteção. Comigo no Senado, com o apoio do Bolsonaro, isso não vai acontecer. Bora lá, tchê! (15” até 27”)

Destaco, ademais, em respeito ao argumento recursal, que os demais elementos do vídeo foram sim considerados por ocasião da decisão monocrática, até porque são aqueles característicos da propaganda eleitoral – há dramatização com a trilha sonora e agudização do tom alarmista do texto falado, convenhamos, em circunstâncias absolutamente naturais, razoáveis, no contexto da competição.

Sustenta a recorrente, ainda, que o vídeo veicularia fato sabidamente inverídico, manifestamente inconstitucional, e tenta criar no eleitor um estado mental alterado, de pânico, medo e insegurança – o que se mostra demasiado, fruto evidentemente do ingrediente subjetivo integrante daqueles que se encontram em disputa, e a prova objetiva disso é a afirmação, na inicial, de que o “vídeo efetivamente exibe é uma cena de extinção do policiamento ostensivo e consequente abandono da população”, inocorrente.

Com efeito, o tema proposto na propaganda não pode ser tomado por inverídico, o que se dirá manifesto, tendo em vista que a desmilitarização da Polícia Militar - da qual uma das prováveis consequências seria a transformação, ainda que paulatina, da instituição - é, não raro, assunto abordado, tendo sido inclusive objeto de proposta de Emenda Constitucional.

Ademais, a associação da propaganda com matérias veiculadas na imprensa é destituída de fundamento, visto que tal modalidade de reportagem é corrente, em período eleitoral ou fora dele, como já consignado na sentença.

Ora, com a desmilitarização, o cidadão não seria atendido pela Brigada Militar nem hoje, nem nunca mais. Inclusive, ainda que não deva ser objeto de análise na presente demanda, é possível que muitos eleitores tenham, em verdade, simpatia à ideia de desmilitarização, apenas a título argumentativo.

Entendo, ainda, fundamental a matéria constante no site do Partido dos Trabalhadores, trazida na contestação, a qual utiliza (no mesmo texto) os termos “desmilitarizar” e “fim da polícia militar”, para fazer significar, ainda conforme o site do PT, “uma polícia fora do regramento militar”. Acessível em https://pt.org.br/e-preciso-desmilitarizar-as-forcas-policiais-brasileiras/ , e acessado em 19.9.2022.

Desse modo, não assiste razão à recorrente, quando afirma ser “público e notório que jamais se viu intenção ou sinalização da FRENTE DA ESPERANÇA ou do PARTIDO DOS TRABALHADORES no sentido de acabar/liquidar com a Brigada Militar”, pois o próprio site do Partido dos Trabalhadores tem fala de integrante com a frase “fim da polícia militar”, inclusive para lhe conferir significado. A afirmação “fim da polícia militar” pode, a meu juízo, equivaler a “acabar com a Brigada Militar”.

Por conseguinte, tenho claro que a notícia do fato não se qualifica como sabidamente inverídica, tratando-se em realidade de legítimo exercício do direito de liberdade de expressão, nos termos da jurisprudência:

[...] Direito de resposta. Inserções. Veiculação. Emissora de televisão. [...] 1. Na linha de entendimento desta Corte, o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação. Precedente. 2. É entendimento deste Tribunal Superior Eleitoral que ‘se a propaganda tem foco em matéria jornalística, apenas noticiando conhecido episódio, não incide o disposto no art. 58 da Lei n° 9.504/97, ausente, no caso, qualquer dos requisitos que justifique o deferimento de direito de resposta’ [...] 3. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a ‘liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente as informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo’ [...] 4. A propaganda questionada localiza–se na seara da liberdade de expressão, pois enseja crítica política afeta ao período eleitoral. Cuida–se de acontecimentos amplamente divulgados pela mídia, os quais são inaptos, neste momento, a desequilibrar a disputa eleitoral. Em exame acurado, trata–se de declarações, cuja contestação deve emergir do debate político, não sendo capaz de atrair o disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997. Precedente.[...]. (Ac. de 3.10.2018 no R-Rp nº 060131056, rel. Min. Sérgio Banhos.)

[...] Direito de resposta. Fato sabidamente inverídico. Inexistência. 1. Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o exercício de direito de resposta, em prol da liberdade de expressão, é de ser concedido excepcionalmente. Viabiliza–se apenas quando for possível extrair, da afirmação apontada como sabidamente inverídica, ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação, situação não verificada na espécie. 2. A análise crítica sobre o pronunciamento de assessor econômico ligado à campanha de candidato a presidente da república, com a indicação de eventuais consequências negativas das propostas apresentadas, não caracteriza fato sabidamente inverídico, tampouco ofensa de caráter pessoal, situando–se nos limites da crítica política admissível. 3. O plano de governo, embora documento relevante, não se presta a limitar o debate público acerca de manifestações de candidatos e integrantes da campanha eleitoral [...] (Ac. de 2.10.2018 na Rp nº 060149412, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

Ou seja, não há ilícito eleitoral. Conforme o parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, em elucidativo trecho, o qual expressamente adoto como razões de decidir:

O direito de resposta se constitui em verdadeiro meio de propaganda adicional, pois quem o utilizará, além de trazer à baila a questão que aponta como uma injustiça contra si, se valerá de espaço destinado ao seu opositor eleitoral e em espaço a este destinado a expor suas ideias na busca do seu desiderato de vitória no pleito que se aproxima. Em outras palavras, com o direito de resposta, além da própria propaganda eleitoral em si, há supressão da propaganda do opositor. Face a essa asserção absoluta, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral firmou entendimento de que, tendo em vista que “é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social” 1 “o exercício do direito de resposta é viável apenas quando for possível extrair, das afirmações apontadas, fato sabidamente inverídico apto a ofender, em caráter pessoal, o candidato, partido ou coligação.” 2 (grifou-se) Com isso, reiteramos que na propaganda eleitoral dos Recorridos nada mais foi do que exposto pensamento que até mesmo foi objeto de emenda constitucional, porquanto é notório que há corrente política que defende a denominada “desmilitarização” das polícias, o que, por si só, pode ser trazido ao debate eleitoral, caso o opositor entenda que determinada grei partidária, coligação ou federação faça, mesmo que de forma sub-reptícia, defesa de tal ponto de vista de estrutura do efetivo policial estatal. O conteúdo veiculado pelos Recorridos, portanto, não se reveste de “sabidamente inverídico” ou com caráter calunioso, difamatório ou injuriante a ensejar o “rebate” por igual modo e tempo como prescrito na legislação eleitoral de regência.

Não houve, por conseguinte rompimento da margem própria dos acalorados “debates eleitorais” a justificar a sanção de direito de resposta.

Igualmente, tenho que não há como entender pela violação do art. 9º da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a divulgação do fato não se qualifica como desinformação. A matéria está fundada em elementos que permitem concluir pela fidedignidade da informação, inclusive com semântica idêntica àquela utilizada pelo Partido dos Trabalhadores, em seu site oficial.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso interposto.

 

Portanto, estou divergindo do relator para dar provimento ao recurso e julgar improcedente o pedido contido na inicial.