REl - 0600473-13.2020.6.21.0140 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, analiso as preliminares suscitadas.

Os recorrentes alegam que a inicial é um conjunto de inúmeros diálogos e mensagens de WhatsApp, sem apontar exatamente os fatos que seriam ilícitos e sem descrever como esse fato se tornou algo ilícito, violando os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Sem razão.

Conforme análise do juízo a quo, a exordial está devidamente fundamentada, com a descrição dos fatos, os autores dos ilícitos e as irregularidades cometidas. Ademais, foi possível aos ora recorrentes apresentar defesa quanto aos fatos imputados.

A inicial descreveu que a Promotoria Eleitoral da 140ª Zona Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul, por meio dos autos 0600443-75.20206 21.0140, tomou conhecimento da prática de ilícitos de captação ilícita de sufrágio (art. 41 -A da Lei n. 9.504/97), mediante a compra de votos, distribuição de vales-gasolina, vales-cerveja e alimentos, e abuso do poder econômico (art. 22 da LC n. 22/90), realizados pelo candidato a prefeito Luiz Carlos Cordeiro Machado, candidato a vice -prefeito Leomar Douglas Ribeiro, dos candidatos a vereador Airton Ribeiro e Manoel Vitor de Moura Aguiar e dos cabos eleitorais /apoiadores políticos Marsal Cordeiro Machado, Diore Alex de Aguiar Foguesatto, Jair Correa de Lima, Thiago Duarte Fialho, Marciano Viana Dal Carobo, Mário Luiz Gemelli, e Gelci Gonçalves de Lima.

Com base na notícia, o Ministério Público Eleitoral instaurou o Procedimento Preparatório Eleitoral n. 00941.001.006/2020 para apuração de abuso do poder econômico (art. 22 da LC n. 22/90) e captação ilícita de sufrágio (art. 41 -A da Lei n. 9.504/97).

E, diante do apurado no Procedimento Preparatório Eleitoral, por meio da transcrição de diversos áudios do telefone celular apreendido de Marsal Cordeiro Machado (filho do candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado) e de outros elementos de prova, ingressou com a representação de 72 laudas, com a descrição minuciosa dos atos que caracterizariam compra de votos e abuso do poder econômico (ID 44884828).

Rejeito a preliminar.

Quanto à abordagem policial, sustentam os recorrentes a ilicitude do ato pois o então comandante da Brigada Militar local, NARCISO ANGELI, era não só apoiador da campanha adversária, como, no dia do pleito, às 22h53min, portanto após conhecer o resultado da eleição, enviou mensagem de comemoração e agradecimentos aos seus colegas de farda pelo livramento que o município de Redentora teve por não estar “nas mãos de pessoas que não têm respeito ao próximo e não agem com honestidade”.

Dizem que, na ocasião da abordagem policial, dos inúmeros veículos que estavam estacionados ou em circulação nas adjacências do local do fato, apenas dois foram abordados, um conduzido por MARSAL, acompanhado por seu pai, o então candidato CORDEIRO, e o outro conduzido por sua irmã, CAMILA CORDEIRO DE CARLI, filha de LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO. Afirmam que se tratou, na verdade, de flagrante preparado, prática ilícita e que visava contrabalancear os fatos até então existentes no Município de Redentora, qual seja, a apreensão de vultosa quantia em dinheiro e vales-combustível com o então prefeito e candidato à reeleição no dia anterior, após denúncias de compra de votos, tudo sendo comandado pelo chefe da Brigada Militar no município e apoiador da candidatura adversária dos recorrentes. Argumentam que a ação policial foi “premeditada”, à semelhança de flagrante preparado, tendo sido escolhidos para revista apenas os veículos de familiares de LUIZ CARLOS MACHADO, tudo com o fim de causar danos à sua campanha eleitoral.

Não houve ilicitude na apreensão.

O resultado da abordagem policial realizada pela Brigada Militar, ocorrida no sábado anterior ao pleito de 2020, dia 14/11, por volta das 19h, foi no seguinte sentido: “apreendido com o então candidato a Prefeito LUIZ CARLO CORDEIRO MACHADO a quantia de R$ 1.550,00 e com seu filho MARSAL CORDEIRO MACHADO 12 vales-combustível de 10 litros cada, 02 vales - gasolina de 5 litros cada, ambos do Posto do Chico de Miraguaí, 11 vales-cerveja do Posto Gemelli de Miraguaí, além de um aparelho celular (IPhone) e uma faca (boletim de ocorrência da s fls. 5-9 do PPE)”.

Primeiramente, conforme bem ponderado pelo decisor a quo, a mensagem do então comandante da Brigada Militar local, NARCISO ANGELI, não dá suporte à suspeita levantada pelo investigado contra os policiais militares, tampouco respalda a ilicitude alegada. A propósito, a mensagem sugere uma reverência aos colegas pelo intenso trabalho desenvolvido durante o pleito, sem qualquer menção a eventual posicionamento político partidário dos integrantes da Brigada Militar, e menos ainda à existência de ações direcionadas a favorecer ou prejudicar candidatos participantes do prélio.

A sentença, quanto ao ponto, assim se manifestou (ID 44884918):

[...]

Assevero que a afirmação de que os investigados tinham pleno conhecimento acerca do posicionamento político-partidário defendido pelo comandante da Brigada Militar de Redentora, o qual, mesmo afastado de suas atribuições, dava ordens aos demais servidores da segurança pública, não restou comprovada. Asseguro, inclusive, que todo cidadão é livre para escolher seus representantes, o que inclui os servidores públicos civis e militares, observada a postura que o cargo requer, inexistindo, até então, qualquer registro em sentido contrário ou impontualidade anotada em relação ao policial nominado pelos investigados. Aliás, conforme afirmado na peça contestatória, dito policial estava afastado de suas atribuições, não sendo crível cogitar a hipótese de que continuava a dar ordens aos colegas, seja porque não respaldada em nenhum fato concreto, seja porque a instituição militar segue rigorosos padrões de hierarquia, ordem, disciplina e escalas, de modo que, no caso de afastamento ou falta de um comandante, outro é investido na função, com todas as prerrogativas e responsabilidades que lhe são afetas, sem qualquer subordinação deste ou do efetivo ao titular afastado, ainda que temporariamente.

Cumpre referir, para melhor contextualização dos fatos ensejadores da atuação policial que “descontentou” os investigados e seus apoiadores, o depoimento da testemunha Dyeike Francieli de Bona (ID. 95202239). Dita testemunha, indicada pela defesa como Coordenadora da campanha de Luiz Carlos Cordeiro Machado, afirmou que, na data dos fatos, organizou um movimento de apoiadores da candidatura do investigado, no Posto de Combustível Gemelli, chamando o pessoal para tomar umas cervejas. Afirmou que tal movimento iniciara por volta das 14h30min, sendo que quando começou a escurecer, chegou o carro da polícia e foram feitas revistas pessoais em muitos dos presentes. Referiu que, em dado momento, o então candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado passou pelo local, momento em que se deu a abordagem e apreensão dos bens com os investigados.

Em que pese as afirmações feitas pela testemunha Dyeike no sentido de que não estava acontecendo “nada errado” no local, que, na época, vigiam normas sanitárias de distanciamento social, decorrentes da pandemia da covid-19, que restringiam movimentos ou eventos que pudessem acarretar aglomerações. Em tais circunstâncias, não vislumbro irregularidades na ação policial, tampouco há elementos para atribuir cunho eleitoreiro à abordagem, uma vez que, conforme referiu o investigante, na data imediatamente anterior ao fato, também fora abordado e revistado o então candidato Nilson Paulo Costa (fato notório), principal adversário político do investigado.

Pondero, a despeito da irresignação defensiva acerca da ausência de provocação pelo Ministério Público Eleitoral e de autorização judicial para a abordagem, realizada pela Brigada Militar, que resultou na apreensão de dinheiro, vales e outros objetos encontrados com os investigados, que a polícia militar, enquanto responsável pelo policiamento ostensivo, voltado à preservação da ordem, prevenção e repressão de crimes, está autorizada a realizar abordagens e revistas pessoais e em veículos, independentemente de requerimento pelo Ministério Público Eleitoral ou autorização judicial específica, sob pena de se esvaziar o poder de polícia conferido ao policial militar para o exercício de suas funções, sendo que eventuais excessos são suscetíveis de apuração em alçada própria, autônoma e independente do desfecho dado ao presente feito.

Com isso, resta afastada a hipótese de ilicitude suscitada pelos investigados em relação à abordagem e apreensão de valores, vales e do celular de Marsal Cordeiro Machado, porque decorreu de ação legítima e pertinente – em circunstâncias semelhantes às verificadas no dia anterior, que envolveu o candidato adversário, conforme alhures referido. Pondero, conforme afirmado pelas testemunhas que se encontravam no local da abordagem, que, na oportunidade, foram revistadas várias pessoas, sendo que com os investigados foram encontrados bens, que, na ocasião, indicavam possível prática de ilícitos eleitorais.

Nesse contexto, a extração de dados do aparelho telefônico apreendido era medida inarredável e necessária, haja vista a probabilidade de se encontrarem no aparelho provas capazes de contribuir para a elucidação dos fatos apurados. Acrescento que o celular deixou de ser um aparelho para simples comunicação de voz, permitindo o acesso a múltiplas funções como aplicativos de mensagens instantâneas, redes sociais, verificação de e-mails e informações de dados que ficam armazenadas no dispositivo móvel. Daí porque a medida foi precedida de autorização judicial (ID. 62761967, p. 21/32), não subsistindo máculas sobre a prova obtida, porquanto observados os preceitos legais afetos à proteção de inviolabilidades de ordem constitucional. (grifo nosso)

 

E o cenário daquele dia era o seguinte: a) véspera da eleição, 14.11.2020; b) evento de campanha com inúmeros presentes no Posto de Combustível Gemelli, organizado pelos apoiadores do candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado para “tomar umas cervejas”, em plena pandemia da Covid-19.

Por oportuno, transcrevo ementa de recente julgado desta Corte, no qual houve ampla discussão acerca da licitude de abordagem policial, prevalecendo a divergência do Desembargador El. Oyama Assis Brasil de Moraes, em relação à matéria preliminar:

RECURSOS. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PARCIALMENTE PROCEDENTE. DESTAQUE. PRELIMINAR. NULIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. REJEITADA. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. MANTIDA A CONDENAÇÃO. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgências contra sentença que julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), com fundamento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, declarou a prática de captação ilícita de sufrágio, cassou o diploma de vereador do representado e declarou a nulidade de seus votos, mantendo-os íntegros para a legenda.

2. Rejeitada a preliminar de nulidade do conjunto probatório. Mérito. Restou incontroverso nos autos que, durante a abordagem feita pela Polícia Militar, foram encontrados no interior do veículo dinheiro em espécie, bloco de notas com anotações – escritas de próprio punho pelo candidato demandado – e santinhos. A planilha carreada ao feito demonstra de forma inequívoca que se cuida de registro físico de pagamento a eleitores em troca do voto. Inexiste nos autos explicação do motivo pelo qual tenham sido elaboradas as colunas pertinentes aos valores prometidos, antes e depois do pleito, constituindo prova cabal da conduta direta e pessoal de compra de votos pelo candidato recorrente. Multa aplicada adequada em relação às balizas estipuladas no art. 109 da Resolução TSE n. 23.610/19, pois a prática envolveu extenso rol de eleitores, conspurcando a higidez de parcela do pleito proporcional, de modo que a sanção não se revela desproporcional.

3. Inexistência de ofensa ao princípio da anterioridade. A Resolução TSE n. 23.611/19, ao estabelecer, em seu art. 198, a anulação para todos os efeitos dos votos dados a candidato cujo registro venha a ser cassado após a eleição, em ação autônoma, prestigiou as regras plasmadas nos arts. 222 e 237 do Código Eleitoral, em detrimento do art. 175, §§ 3º e 4º, do mesmo Estatuto. Logo, o art. 198 da Resolução em testilha tem por fundamento dispositivos do próprio Código Eleitoral interpretados de forma sistemática pela Corte Superior, não se tratando de norma independente e autônoma. Tal entendimento já vinha sendo aplicado às eleições de 2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Dessa forma, declarados nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao candidato, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário.

4. Litigância de má-fé por “alteração da verdade dos fatos” não acolhida. No caso, houve típico exercício do direto de defesa e do contraditório, não havendo no comportamento dos recorrentes elementos indicativos do dolo processual de alteração da verdade dos fatos a justificarem a imposição de sancionamento.

5. Mantida a sentença na íntegra. Multa. Cassação do diploma de vereador. Desprovimento dos recursos. (grifo nosso)

(Rel 0600661-31.2020.6.21.0067, Relator Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado em 19.09.2022) (Grifo nosso)

 

Dessa forma, a ação da polícia militar foi lícita, de modo que afasto a alegada ilicitude suscitada pelos recorrentes.

No mérito, trata-se de recurso interposto por Luiz Carlos Cordeiro Machado e Airton Ribeiro contra a sentença que, nos autos da Ação de Investigação Judicial eleitoral - AIJE movida pelo Ministério Público Eleitoral, julgou a demanda, nos seguintes termos (ID 44884918):

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a AÇÃO ELEITORAL ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face de LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO e outros, reconhecendo a captação ilícita de sufrágio que beneficiou os candidatos Luiz Carlos Cordeiro Machado e Airton Ribeiro no pleito eleitoral 2020 e CONDENO os investigados LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO e AIRTON RIBEIRO à pena de multa pecuniária no valor de R$ 1.064,10 (um mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), a ser suportada individualmente pelos condenados.

 

Inicialmente, consigno que o ilícito reconhecido nesses autos está disciplinado no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4º O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Os elementos necessários a comprovar a captação ilícita de sufrágio são:(a) a prática de qualquer das condutas previstas no art. 41-A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito.

Diferentemente do abuso do poder econômico, que não foi reconhecido nos presentes autos, à procedência da ação por compra de votos NÃO HÁ a necessidade de demonstração da gravidade das circunstâncias, daí a razão pela qual a comprovação da negociação de um único voto é suficiente à incidência das penas de cassação e multa, que devem ser aplicadas cumulativamente.

A jurisprudência do TSE é clara no sentido de que “a compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, uma vez que o bem jurídico tutelado pelo art. 41-A da Lei 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir potencial lesivo dessa nefasta conduta para desequilibrar a disputa” (REspe 545-42/SP, redator para acórdão Min. Herman Benjamin, DJE de 18.10.2016). Com esse mesmo teor, o REspe 462-65/SP, Rel. Min. Rosa Weber, sessão de 19.3.2019, unânime.

Mais recentemente, trago o seguinte julgado:

[...] Captação ilícita de sufrágio. Arts. 41–A da Lei nº 9.504/97 [...] Aferição. Potencialidade. Desnecessidade [...] 1. A compra de um único voto é suficiente para configurar captação ilícita de sufrágio, pois o bem jurídico tutelado pelo art. 41–A da Lei nº 9.504/97 é a livre vontade do eleitor, sendo desnecessário aferir eventual desequilíbrio da disputa [...] Cuida–se de circunstância que por si só basta para a procedência dos pedidos, independentemente do impacto na disputa [...] 4. Os seguintes elementos denotam a gravidade no caso concreto: a) o grande número de beneficiados com a entrega indiscriminada dos vales–combustível, em especial se tratando de município com apenas 12.197 (doze mil cento e noventa e sete) habitantes; b) os showmícios ocorreram em datas muito próximas ao dia da eleição; e c) o notório desvio de finalidade no ato de fechar ruas em benefício da campanha. Ademais, descabe condicionar o reconhecimento do ilícito à vitória nas urnas. 5. No que tange ao consentimento ou à anuência dos candidatos com as práticas ilícitas para a decretação da inelegibilidade, encontram–se comprovados diante do liame existente entre eles e o coordenador da campanha (preso em flagrante por compra de voto), bem como pela expressa indicação, no aresto regional, de que admitiram ter autorizado a oferta de vales–combustível [...]”

(Ac. de 26.5.2020 no AgR-REspe n. 18961, rel. Min. Jorge Mussi; red. designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.) (Grifo nosso)

 

Com essa compreensão, passo a analisar o recurso interposto e adianto que a sentença analisou com extrema acuidade o conjunto probatório reunido nos autos, motivo pelo qual tenho que a sua manutenção é medida de justiça.

Registro, inicialmente, não ter havido recurso do Ministério Público Eleitoral em relação aos demais ilícitos imputados na inicial.

A sentença reconheceu a captação ilícita de sufrágio em relação a 3 (três) fatos: a) emprego de R$ 600,00 para o custeio do deslocamento de eleitores de outras cidades para Redentora; b) transporte de eleitores indígenas às seções eleitorais no dia do pleito, em troca de votos; c) entrega de duas caixas de coxas de frango e refrigerantes para o almoço de nove famílias indígenas.

Como muito bem apreendido pelo eminente Procurador Regional Eleitoral, os fatos restaram demonstrados pelas mensagens e áudios de WhatsApp, extraídos, com autorização judicial, do telefone celular de Marsal Cordeiro Machado, filho do então candidato a prefeito Luiz Carlos Cordeiro Machado.

Em relação ao primeiro fato (emprego de R$ 600,00 para o custeio do deslocamento de eleitores de outras cidades para Redentora), as conversas entre Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho (vulgo “Tchuko”); e entre o primeiro e AIRTON RIBEIRO (vulgo “Macaco”), então candidato a vereador (suplente), referentes ao transporte de eleitores de outras cidades para Redentora, próximo à data do pleito, constaram especificadas na petição inicial, ID 44884828, fls. 18 a 25 do arquivo digital.

O fornecimento de transporte pode ser verificado das mensagens de texto e de voz, em que os interlocutores negociam abertamente o deslocamento de eleitores que pretendiam votar no candidato a prefeito LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, pai do interlocutor Marsal Cordeiro Machado. São diálogos com eleitores oriundos das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre, que precisariam de uma ajuda com o deslocamento, seja por meio de carona ou do custeio de passagens de ônibus de, pelo menos, um dos trechos (ida e/ou volta) para o Município de Redentora, na data do pleito de 2020.

Os diálogos entre Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho (suposto apoiador ou cabo eleitoral de Luiz Carlos Cordeiro Machado) extraídos do celular de Marsal, a partir de auto de constatação e verificação lavrado pela Polícia Civil, demonstram o fato relatado. Seguem os trechos mais significativos dos áudios transcritos na sentença (ID 44884918):

29) Áudio de 09/11/2020, 16hs23min04s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Oh Thiago Duarte Fialho esse de Passo Fundo tem carona no sábado da eleição. Pode dizer pra ele se organizar aí que a gente vai dar carona pra ele. Não tem problema. E de Porto Alegre vamos ver, acho que veio aí mais gente pra votar também. Aí vamos organizar. Mas esse de Passo Fundo pode adiantar pra ele. Que sábado tem carona. Beleza?”

32) Áudio de 09/11/2020, 16hs34min30s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Viu Thiago Duarte Fialho. Tem lugar pros três, cara. Só que daí eles vão querer voltar quando? Aí a gente dá um jeito, ou senão a gente manda o valor aí”

33) Áudio de 09/11/2020, 16hs34min56s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“O de POA também, homem, manda, só vão ver como é que vão fazer.

Pagamos aqui ele, o que, tá?”

34) Áudio de 09/11/2020, 16hs37min26s

Voz de: Thiago Duarte Fialho

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Lá, se eu mandasse o valor que ele pediu ali, ou se não se incomodaria

mais, né? Só deposita na conta lá dele, já era.”

35)Áudio de 09/11/2020, 16hs37min27s

Voz de:Thiago Duarte Fialho

Para: Marsal Cordeiro Machado

“E o de POA também, né? Se depositar o dinheiro da passagem lá, ele vem, eu voto é certo, é sem totó.”

37)Áudio de 09/11/2020, 16hs38min56s

Voz de: Thiago Duarte Fialho

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Tá, então eu vou falar ali por na manhã ou quarta-feira, daí você deposita

no dia pra ele. Eu vou mandar ele esperar. Pode ser?”

38)Áudio de 09/11/2020, 16hs40min03s

Voz de:Thiago Duarte Fialho:

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Na quinta-feira então tá na mão.”

39) Áudio de 09/11/2020, 16hs46min03s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Feito meu galo, feito”

40) Áudio de 12/11/2020, 16hs52min00s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Viu essa gurizada aí? Tem vereador? Eu vou largar quente na mão dum

aí. Vai bancar tudo, tá?”

41) Áudio de 12/11/2020, 16hs53min00s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Viu, o de Passo Fundo eu vou, eu vou, eu vou te arrumar um Vereador

que vai, quanto eles precisam?”

43) Áudio de 14/11/2020, 18hs07min52s

Voz de: Marsal Cordeiro Machado:

Para: Thiago Duarte Fialho

“Eu tô aqui no depósito home e o vereador tá aqui também.”

44) Áudio de 14/11/2020, 18hs10min03s

Voz de: Thiago Duarte Fialho

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Pergunta pelo Carlos aí, que daí chama ele pro, pro lado aí, fale com ele.

Esse é o de trezentos, né, meu. É três votos”

45) Áudio de 14/11/2020, 18hs10min13s

Voz de: Thiago Duarte Fialho

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Daí o de, de POA, tá aceitou esse aí. Só que tem mais um com ele, daí se quiser arrumar mais cem é mais um voto, né?”

 

A muito bem-lançada sentença analisa com rigor, além dos áudios acima transcritos, igualmente as mensagens de texto entabuladas entre Marsal e Thiago, transcritas na sentença (ID 44884918), especialmente nos trechos grifados:

Além das transcrições acima elencadas, a peça incoativa reproduz, também, quadros que expõem mensagens de texto, trocadas pelos investigados Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho.

Os diálogos travados entre Marsal e Thiago evidenciam o ajuste de transporte, por meio de carona ou pagamento de passagens, para que eleitores de Redentora, que se encontravam em outras cidades, pudessem se deslocar para votar nos candidatos da Coligação Unidos por Redentora. No caso, três eleitores viriam de Passo Fundo e outros três de Porto Alegre, sendo que aos eleitores de Passo Fundo primeiramente foi oferecida carona, a qual pelo visto não se confirmou, resolvendo-se em ressarcimento do valor da passagem, ao passo que aos eleitores de Porto Alegre desde logo cogitou-se o pagamento do valor equivalente à passagem de ônibus.

Deveras, os registros constantes no celular de Marsal, aferidos pelos policiais civis, evidenciam, com clareza, que houve negociação de votos com eleitores que vieram de Passo Fundo e de Porto Alegre, mediante a oferta e entrega de R$ 100,00 (cem reais) para cada um, para votarem no candidato a Prefeito do 45 (Luiz Carlos Cordeiro Machado) e Vereadores (quadros das pgs. 22/24 da inicial).

Em que pese a defesa tenha alegado, genericamente, que se tratavam de meras conversas com apoiadores de Luiz Carlos Cordeiro Machado sobre possíveis caronas a eleitores, sem qualquer ilicitude, tais afirmações não correspondem ao contexto fático presente.

Com efeito, os diálogos mantidos trouxeram à tona ilícitos eleitorais que se perpetraram durante a campanha eleitoral dos investigados, alguns não suficientemente demonstrados, enquanto que outros foram satisfatoriamente elucidados, como se observa no presente caso, envolvendo o investigado Thiago.

De fato, especificamente em relação às conversas de Marsal com Thiago, não restam dúvidas quanto à oferta de dinheiro, a título de pagamento de despesas com transporte de eleitores que residiam fora do município de Redentora, para que votassem nos candidatos investigados, conforme elucidaram as transcrições dos áudios e mensagens acima referidas. Deveras, o conteúdo das mensagens evidencia todas as tratativas e atesta não só que os eleitores chegaram em Redentora na véspera do pleito, mas também que foram procurados pelos investigados para a entrega do valor prometido, cuja certeza de cumprimento restou externalizada na afirmação “acertemos agora”, feita por Thiago na oportunidade, conforme o registro constante num dos quadros que exibem fotos da tela do celular de Marsal, reproduzidos na peça incoativa. Pondero, em relação aos argumentos defensivos, que não há como confundir um ato solidário de carona com o ilícito eleitoral de transporte ilegal de eleitores, verificado no caso, porque neste não há altruísmo algum, antes o contrário. De um lado está o eleitor que, mantendo o domicílio eleitoral em município distinto de sua residência, quer ver custeada por terceiro, de regra candidato, as despesas relacionadas ao deslocamento necessário para o cumprimento de suas obrigações eleitorais. De outro, o candidato que pretende obter o voto do eleitor, oferecendo-lhe vantagens, qual seja, bancar suas despesas de transporte.

Registro que a proibição ao transporte de eleitores na data da eleição (ou como no presente caso, na véspera) não representa novidade na legislação eleitoral que pudesse acarretar surpresa a qualquer dos envolvidos (eleitores e candidatos). Aliás, trata-se de matéria que é objeto da mais ampla e repetida informação, divulgada reiterada e incansavelmente pela Justiça Eleitoral, durante todo o período de campanha eleitoral. De sorte que ninguém agiu desavisadamente, mas com plena ciência da ilicitude praticada.

Assinalo, com base em julgamentos da Corte Superior, que o transporte ilegal de eleitor, além de subsumir-se à conduta tipificada no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, também configura captação ilícita de sufrágio, mesmo que levado a efeito por meio de carona, porque esta é tida como uma vantagem oferecida ao eleitor com potencial para “conquistar-lhe” o voto, exatamente nos moldes cogitados pelos investigados.

Ademais, conforme entendimento assente na jurisprudência dos Tribunais Eleitorais, não se faz indispensável a identificação nominal do(s) eleitor(es) beneficiado(s), bastando para a caracterização do ilícito a solicitação do voto e a promessa ou entrega de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, porquanto eventual pluralidade não desfigura a ilicitude praticada.

Portanto, há prova contundente e induvidosa acerca da participação de Marsal Cordeiro Machado e Thiago Duarte Fialho (Tchuko) na captação ilícita dos votos perpetrada durante a campanha do candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado. Afinal, Thiago foi quem realizou a negociação de votos com eleitores que vieram das cidades de Passo Fundo e Porto Alegre, mediante a entrega de R$ 100,00 (cem reais) para cada um, a fim de que votassem no candidato, confirmando a entrega dos valores, alcançados por Marsal, com a chancela do candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado.

(…)

 

Como bem analisado pelo Procurador Eleitoral, não procede a alegação da defesa de que as conversas de WhatsApp encontradas no celular de Marsal Cordeiro Machado não se revestem da robustez necessária para fins de condenação por captação ilícita de sufrágio por tratar-se de “prova indireta”, porque os interlocutores não são testemunhas, são, na verdade, os próprios intermediários da captação.

Igualmente, a defesa argumenta que os eleitores não foram identificados. Entretanto, importa mencionar que são pessoas sobre as quais os interlocutores estavam falando e, ademais, para condenação à compra de votos, não há a necessidade de identificação pormenorizada dos eleitores corrompidos, que devem, apenas, ser identificáveis, exatamente a hipótese em análise.

Com relação à alegação da defesa de que o valor de R$ 100,00 apenas seria suficiente para custear um trecho do deslocamento rodoviário entre Porto Alegre e Redentora, adoto como razões de decidir o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

[…]

A defesa também alega que o valor de R$ 100,00 supostamente debatido nos diálogos entre Marsal e Thiago sequer cobriria o custo de um trecho de deslocamento rodoviário entre Porto Alegre e Redentora (R$ 132,85), de modo que não haveria benefício ao eleitor. O argumento não procede, pois a pesquisa de valores realizada pelos advogados dos recorrentes (ID 44884932, p. 23 do arquivo digital) tem data de 28.11.2021, um ano depois da data do pleito. A defesa não juntou nenhum comprovante do preço das passagens contemporâneo à data do pleito.

No que concerne à alegação de inexistência de linha de ônibus entre Passo Fundo e Redentora (ID 44884932, p. 24 do arquivo digital), além da pesquisa realizada pelos advogados dos recorrentes também não ser contemporânea à data do pleito, as conversas localizadas no celular de Marsal Cordeiro Machado versam, em relação aos residentes em Passo Fundo, sobre caronas ou ressarcimento (do valor da gasolina), e não passagens de ônibus. Logo, a suposta inexistência de linha de ônibus não descaracteriza o fato.

Dessa forma, não havendo escusas para as conversas que deram suporte à condenação por captação ilícita de sufrágio envolvendo o dispêndio de R$ 600,00 para o transporte de eleitores de Porto Alegre e de Passo Fundo para Redentora na época do pleito 2020, deve ser mantida a condenação quanto a esse ponto.

 

Dessarte, tenho por manter a sentença no que refere ao emprego de R$ 600,00 para o custeio do deslocamento de eleitores de outras cidades para Redentora.

No que refere aos dois outros fatos reconhecidos na decisão do juízo a quo (transporte de eleitores indígenas às seções eleitorais no dia do pleito, em troca de votos, e entrega de duas caixas de coxas de frango e refrigerantes para o almoço de nove famílias indígenas), adoto, da mesma forma, o que constou no parecer ministerial:

Por sua vez, as conversas entre Marsal Cordeiro Machado e AIRTON RIBEIRO (vulgo “Macaco”), então candidato a vereador (suplente), referentes ao transporte de eleitores indígenas às seções eleitorais e ao fornecimento de coxas de frango e refrigerante a famílias indígenas em troca dos seus votos, constaram especificadas na petição inicial, ID 44884828, fls. 28 a 33 do arquivo digital.

Trata-se de mensagens de texto e de voz, durante as quais os interlocutores falam abertamente sobre o fornecimento de transporte para eleitores provenientes de áreas indígenas acessarem suas seções eleitorais. O então candidato a vereador AIRTON afirma que irá disponibilizar dez veículos para transportar os eleitores mas precisa da gasolina. Marsal, filho do candidato a prefeito, concorda com o pedido e afirma que fará a entrega de vales-combustível. Na véspera do pleito, Marsal foi flagrado na posse de diversos vales-combustível. Ao final da conversa AIRTON afirma que esteve com o pai de Marsal, o candidato a prefeito LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, e que este liberou “duzentos” (litros), então Marsal tem que completar cinquenta (litros). Concordam que seria melhor que esses cinquenta litros fossem acertados em dinheiro. Em uma das conversas, os interlocutores falam abertamente sobre o fornecimento de alimentos (coxas de frango) e bebida (refrigerantes) para famílias indígenas que trocaram seus votos.

Nessas conversas resta incontroverso que o fornecimento do transporte e de provisões estava sendo negociado para eleitores que pretendiam votar no candidato a prefeito LUIS CARLOS CORDEIRO MACHADO, pai do interlocutor Marsal Cordeiro Machado, e no candidato a vereador e também interlocutor da conversa AIRTON RIBEIRO, vulgo “Macaco”.

Reproduzimos as conversas transcritas na sentença (ID 44884918), com grifos em relação aos trechos mais contundentes:

 

Diálogos com Airton Ribeiro

Os áudios 69/92, a seguir transcritos, foram extraídos do celular de Marsal Cordeiro Machado, a partir de auto de constatação e verificação, lavrado pela Polícia Civil, o qual reproduz conversas mantidas entre Marsal e Airton Ribeiro, conhecido por Macaco, Candidato a Vereador pelo Partido Socialista Brasileiro de Redentora, apoiador do candidato a Prefeito Luiz Carlos Cordeiro Machado:

69) Áudio de 10/11/2020, 10hs54min31s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Em meu galo, viu? Temos que providenciar pra, pra, pra sábado, né? Ah, as gasolina pra nós poder puxar esse pessoal aqui, que a outra vez, nós tinha dois, três carros puxando o pessoal, que o setor aqui é, vem tudo pro Irapuã, né? E nós, enquanto eles tinha uns trinta carro puxando na estrada, tu sabe, né? Faz os brique! e daí nós tinha dois, três carro, então nós temos que providenciar pra sábado já. As gasolina, né? Eu tenho dez carro que vai puxar. Só que vai puxar daí, que nós contar aqui com o camarada aqui, ele sabe que não adianta, né? Tem que contar aí! Se nós ficar parado, com os carros no domingo e daí nós tamo morto! Seis horas da manhã os cara já vão tá na estrada, né? Esperando o pessoal da começa às sete horas, né? E nós temos de todos os setor puxar aqui, depender do homem ali, né? Não temos nenhum carro pra puxar sem gasolina, né? Daí eu quero ver contigo isso aí pros meus carros da Estiva aqui quem vai puxar os, vai ter dois carro no Irapuá! Vai ter três na Katiu? Vai ter na Bananeira, no Pau Escrito, puxando pro Irapuá. Os dai tiro aqui é tranquilo, só tem uns que leva pra votar no Irapuã, porque aqui é perto! Nessas urna aí, que nem na São João lá, no Mato Queimado, pra São João, Missão, Katiu, né? Temos que, que tá garantido, né? Tá? Já vai preparando aí pra mim pro sábado à noite de tarde, de sábado, de tarde, já tem que pegar antes de fechar o posto pra abastecer, né??”

70) Áudio de 10/11/2020, 10hs59min20s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco”

“Ô macaco, bom dia. Viu? Só me, não, eu sei que, que, quem tem que pegar na, na peiteira é nós aí, não adianta. E, em você, nós confiamos de, de olhos fechado, né? Tu sabe disso, tu é de casa. Ãh, só me diz, quanto tu precisa eu deixo os vale na na mão. Tá? vou hoje comprar a gasolina e tudo mais, até tô tô resolvendo isso agora e aí me diz tudo certinho, ó, eu preciso tantos litro que tá tudo resolvido, tá beleza? Vamos, nós vamos frouxar agora que a eleição tá boa, nós vamos ganhar.?”

71) Áudio de 10/11/2020, 11hs22min06s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Eu tenho, temos dez carro meu, vamos puxar, né? Em todo setor pro Irapuã, né? Tu sabe que é pra mim e pro teu pai. E daí, mas eu creio que se tu me conseguir aí uns uns cento e, uns cento e vinte litro, o resto o resto eu dou conta por aqui, tá? Esse aí já tá bom pra tu me passar pra me segurar pro domingo, que nós não podemos no domingo, né? Tá?”

72) Áudio de 10/11/2020, 19hs12min09s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Daí meu amigo Marçal, viu? Depois tu vê com teu pai aí, depois tu me manda que ele, ontem, ontem ali nós se encontramos ali, daí eu fechei com nove família da missão que tavam, que tavam indo no quinze, né? E uns tavam com o Alexandro, daí eu passei pro teu pai, daí eu só preciso, teu pai vai arrumar duas caixa de coxa e um fardo de refrigerante. Daí tu quer pra amanhã que eu tenho que levar pra eles fazer eles vão fazer lá né? Já tá tudo acertado, tudo combinado, fechado. E daí eu só preciso saber o horário pra mim pegar isso aí. Daí tu pergunta pro, pro, pro nosso prefeito aí. Que que hora que eu posso pegar que eles vão fazer meio-dia lá! Daí tu me dá um retorno depois, tá bom?

Um abraço!”

73) Áudio de 10/11/2020, 19hs45min20s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco

“Ô macaco, beleza? Viu? Amanhã vai tá na mão essas coisa aí. Eu vou providenciar até meio-dia. Aí eu entro em contato com vossa senhoria.

Feito o brique!”

74) Áudio de 10/11/2020, 19hs49min02s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Beleza, beleza, beleza meu galo? Combinado então, daí eu já aviso lá que vai ficar pra de tarde, lá depois de meio-dia!”

75) Áudio de 11/11/2020, 10hs42min39s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco”

“Daí macaco, já vou resolver isso aí até meio dia. Deixa comigo!”

76) Áudio de 11/11/2020, 10hs57min07s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Tô por aqui, cheguei na tua casa, vida do teu pai agora!”

77) Áudio de 11/11/2020, 11hs22min16s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Meu amigo, meu galo, só não, não esquece da gasolina pra, pra sábado, né? Pra deixar os carro tudo abastecido, pro domingo pra puxar, tá? Não, não, não esqueça mesmo gente!”

86) Áudio de 13/11/2020, 16hs37min15s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Marsal, tudo bem? Só problema piá! Não se esqueça da gasolina que nós combinemos? Se nós ficarmos sem gasolina estamos mortos!”

87) Áudio de 13/11/2020, 16hs39min37s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco”

“Macaco ó, daqui uma hora eu tô no Chiquinho ó, fica aí, tá? Daí já até alcanço, não volta a deixar mal, eu sei que tu vai, vai ajudar nós ganhar eleição aí na Estiva. Confio em você, tu sabe disso!”

88) Áudio de 13/11/2020, 16hs49min;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Tá Beleza meu galo!”

89) Áudio de 13/11/2020, 17hs27min16s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco”

“O Macaco, eu deixei cento e cinquenta pra ti lá, e eu tô acelerando pois estão na minha cola!”

90) Áudio de 13/11/2020, 17hs38min30s;

Voz de: Marsal Cordeiro Machado

Para: Airton vulgo “Macaco”

“O Macaco, eu deixei cento e cinquenta, mas eu sei que é um pouquinho mais aí tu pega aqui comigo, né? Mais cinquenta, amanhã, ou depois, esse cara aí tava me, me, me, me arrodeando lá.!”

91) Áudio de 13/11/2020, 17hs39min25s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Viu? Eu combinei com teu pai cento e cinquenta lá. Tem que mandar mais cinquenta. Entendeu? Que eu vou coordenar tudo aqui os nossos carros aqui. Aí tu deixou cento e cinquenta. Ele te mandou. Eu estava lá na casa dele. Ele pediu ele mandou dar duzentos, né.!”

92) Áudio de 13/11/2020, 17hs40min38s;

Voz de: Airton vulgo “Macaco”

Para: Marsal Cordeiro Machado

“Tá! Melhor o dinheiro que daí é mais fácil!

Conforme corretamente analisado pelo ilustre magistrado a quo (ID 44884918):

As conversas travadas entre Marsal e Airton aconteceram entre os dias 10 e 14/11/2020, as quais revelam tratativas sobre o fornecimento de gasolina para transportar eleitores no domingo da eleição, a fim de levá-los às seções eleitorais para votarem nos candidatos Airton Ribeiro e Luiz Carlos Cordeiro Machado, conforme demonstram os áudios 69/71, bem como o fornecimento de alimentos (duas caixas de coxas e um fardo de refrigerante) para nove famílias da Missão Indígena, que estavam inclinadas a votar Nilson e Alexsandro, mas “fecharam” apoio aos investigados por conta do acerto realizado por Airton (áudio 72).

A defesa dos investigados, a seu turno, buscou mitigar a coerência da prova, referindo-se aleatoriamente a algumas das conversas, às quais buscou atribuir sentido diverso e descontextualizado, inclusive utilizando-se de pretextos não coerentes e desconexos (…)

(...)

No entanto, a clareza e especificidade dos pedidos feitos por Airton não deixam dúvida de que se trata, sim, de captação ilícita de sufrágio, levada a efeito de modo claro e pontual, seja por meio do fornecimento de alimentos que seriam/foram preparados ao meio-dia do dia 11/11/2020 para nove famílias da missão indígena, que mudaram seus votos, passando a apoiar os investigados Airton e Cordeiro, seja mediante o fornecimento de gasolina (150 litros em produto e 50 litros em dinheiro) para custear o transporte ilegal de eleitores às seções eleitorais, no domingo da eleição, em todo o setor indígena, a fim de que votassem nos investigados Airton e Cordeiro.

A seu turno, o atendimento das solicitações de Airton por parte de Luiz Carlos Cordeiro Machado, por intermédio de Marsal, restou sobejamente confirmado nos áudios 75, 76, 89, 90, 91 e 92.

Deveras, as condutas praticadas por Airton Ribeiro, Marsal Cordeiro Machado e Luiz Carlos Cordeiro Machado (autores diretos/indiretos das condutas) estão robusta e irretorquivelmente comprovadas e atraem a reprimenda legal, porquanto configuram vantagens ao eleitor e enquadram-se nas hipóteses de captação ilícita de sufrágio, contempladas no art. 41-A da Lei Eleitoral. Assevero, ainda, que há prova contundente e irrefutável acerca da participação do investigado Luiz Carlos Cordeiro Machado nos ilícitos praticados, porque não só tinha ciência mas combinou previamente com Airton a oferta das benesses, chancelando sua entrega, conforme constam nos áudios 72, 76 e 91.

Registro que para configuração da captação ilícita de sufrágio é necessário o oferecimento, promessa ou entrega de qualquer vantagem ou benesse a eleitor, com a finalidade de obter-lhe o voto, sendo que tanto a carona ou o transporte do eleitor até a seção eleitoral como o fornecimento de alimentos, seguramente, representam uma forma de vantagem que atrai a incidência das vedações descritas na Lei Eleitoral.

É inegável que tais vantagens foram entregues ou fornecidas a eleitores, se não determinados, ao menos determináveis, sejam os moradores da Estiva, Katiu, Bananeira, Pau Escrito, Irapuá - que foram “puxados”/levados às seções eleitorais, sejam as nove famílias da missão indígena que receberam os alimentos e bebidas, para votarem em Airton e Luiz Carlos Cordeiro Machado.

Acrescento, no que diz à participação e consentimento do candidato Cordeiro com as práticas ilícitas, que o próprio Airton afirmou que havia combinado previamente com Luiz Carlos Cordeiro Machado o fornecimento de alimentos para as nove famílias da missão indígena que “fecharam” apoio aos candidatos investigados (áudio 72). Do mesmo modo é inegável que ele participou dos ajustes relativos ao combustível para o transporte dos eleitores (áudio 91), porque também referido expressamente por Airton essa condição. Assim sendo, coube a Marsal a coordenação e intermediação da entrega das benesses. Cumpre anotar, também, que Airton era pessoa inteiramente da confiança de Marsal e do candidato Cordeiro, conforme expressamente referido por Marsal (áudios 70 e 87).

Não é demais destacar que o candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado venceu as eleições em todas as seções situadas no interior da reserva indígena (seções nº 27, 31, 32 e 51) com larga diferença de votos em relação ao segundo colocado, conforme a informação disponível no site do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul https://capa.tre- rs.jus.br/eleicoes/2020/426/88110/secoes.html).

Portanto, há prova sólida e irretorquível acerca da captação ilícita de sufrágio atribuída a Airton Ribeiro, candidato beneficiado, que teve participação direta no ato ilícito, e Luiz Carlos Cordeito Machado, candidato beneficiado, que consentiu previamente e autorizou Marsal Cordeiro Machado a adquirir e entregar as benesses solicitadas por Airton (alimentos, bebidas e combustível), para fornecimento aos eleitores, atraindo, ambos os candidatos, a reprimenda legal aplicável à espécie.

Em suas razões recursais, a defesa alega que as conversas entre os interlocutores AIRTON e Marsal não passaram de bravatas, já que evidentemente o primeiro não teria dez veículos e o segundo ficava apenas “enrolando” no sentido de que iria fornecer a gasolina, sem, contudo, cumprir a promessa.

A alegação não se presta para desconstituir os fundamentos da sentença. Primeiro, porque não se imagina que os dez veículos mencionados nas conversas entre os interlocutores sejam de propriedade de AIRTON e, sim, como costuma acontecer nesses casos, de cabos eleitorais e apoiadores. Segundo, porque as tratativas evoluíram de 150 litros de gasolina para 200 litros, tendo AIRTON dito que Marsal teria que completar os cinquenta que faltavam, indicando já ter recebido os primeiros 150 litros.

Ademais, pouco crível que, às vésperas do pleito, o candidato a vereador e o filho do candidato a prefeito gastassem tanto tempo em conversas por mera bravata.

Finalmente, mostra-se inaceitável a versão de que as coxas de frango e o refrigerante seriam para um ato de campanha, quando cediço que o fornecimento de alimentos consubstancia corrupção eleitoral, sendo vedado o fornecimento de alimentos a eleitores às vésperas do pleito, independentemente de se tratar ou não de um “ato de campanha”.

Dessa forma, as alegações recursais não conseguiram justificar as conversas que deram suporte à condenação por captação ilícita de sufrágio referente ao fornecimento de transporte e de provisões (coxas de frango e refrigerantes) a famílias indígenas.

Não procede, ademais, a alegação defensiva subsidiária, restrita ao recorrente LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO, no sentido de que não teria ciência das negociações que resultaram em captação ilícita de sufrágio.

Conforme corretamente analisado pelo(a) magistrado(a) a quo (ID 44884918):

O candidato a Prefeito Luiz Carlos Cordeiro Machado, a seu turno, não só estava ciente do ilícito como patrocinou o transporte dos eleitores, mediante o fornecimento de duzentos litros de gasolina para abastecimento dos veículos que seriam utilizados por Airton, dos quais cento e cinquenta foram alcançados por meio de vales do Posto de Combustível do Chiquinho e cinquenta litros foram alcançados em dinheiro (áudios 89, 91 e 92). De igual modo, o candidato Cordeiro forneceu os alimentos e bebidas que seriam preparados pelas famílias indígenas no dia 11/11/2020 (áudios 72/76). Tudo isso foi alcançado por Marsal, filho do candidato Cordeiro, ao investigado Airton Ribeiro.

Acrescento, ainda, que em outras oportunidades nas quais Marsal tratou sobre as compras de votos com cabos eleitorais, sempre houve referência acerca da necessidade de obter a confirmação ou o consentimento de Luiz Carlos Cordeiro Machado, o que confere certeza de que, além de ser beneficiado com os ajustes espúrios, o referido candidato era conhecedor e participava das práticas ilícitas autorizando as concessões realizadas, como evidenciam os áudios 72 e 91.

Ademais, a despeito das expressas menções acerca da ciência do candidato Cordeiro e sua concordância com os atos ilícitos praticados, cumpre anotar que tão só o explícito envolvimento de seu filho Marsal já seria o bastante para demonstrar a anuência do candidato, isso porque foi notória a proximidade dos dois durante a campanha eleitoral. Aliás, a testemunha Marcos Cesar Giacomini afirmou que Marsal tirou férias do trabalho para acompanhar a campanha eleitoral de seu pai. Aliás, na oportunidade em que se deu a abordagem policial com a apreensão de valores, vales combustível e outros objetos com os investigados, Marsal comprovadamente acompanhava o pai.

Nada obstante, é pertinente anotar o registro feito pelos policiais que realizaram a verificação e constatação dos dados extraídos do celular de Marsal Cordeiro Machado:

Cabe frisar que toda grande parte das conversas via aplicativo WathsApp entre Marsal Cordeiro Machado e Luiz Carlos Cordeiro Machado foram apagadas do presente aparelho telefônico. Neste sentido, cabe salientar que as conversas via WathsApp entre Marsal Cordeiro Machado e o candidato a vice-prefeito Leomar Douglas Ribeiro também foram apagadas em quase toda a sua totalidade.

Em tempo, saliento que Marsal Cordeiro Machado, após a apreensão de seu aparelho telefônico em 14/11/2020, de imediato habilitou uma nova linha telefônica e um novo aplicativo de WathsApp com a mesma numeração da linha telefônica de WathsApp (55-9-9613-1278) a qual continha em seu aparelho apreendido. Que de posse do Icloud apagou todas as conversas de maneira remota na tentativa de acabar com as provas de seus crimes eleitorais realizados no corrente ano na cidade de Redentora. Entretanto os analistas conseguiram realizar de maneira eficaz, a transferência (backup) das conversações, áudios e notas de voz do aparelho telefônico, ora analisado, de maneira que não se prejudicasse a presente extração, compilação e análise telefônica. É o relatório.

Assevero que o fato de Marsal ter excluído conversas, possivelmente travadas entre ele e os candidatos Cordeiro e Leomar Douglas Ribeiro (Prefeito e Vice), via whatsapp, embora possa ter prejudicado parte da prova, há entre os registros recuperados prova suficiente para a necessária elucidação não só dos ilícitos eleitorais perpetrados por apoiadores e cabos eleitorais, durante a campanha dos investigados como também que tais práticas se davam por ordem ou com a autorização de Luiz Carlos Cordeiro Machado, como pontualmente anotado alhures.

Com efeito, não há dúvidas de que foram perpetradas práticas não legítimas durante a campanha eleitoral, as quais consistiram no fornecimento de duas caixas de coxas de frango e refrigerantes para o almoço de nove famílias indígenas, bem como na entrega do valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) para custear o deslocamento de eleitores que vieram de outras cidades e, também, no transporte de eleitores indígenas às seções eleitorais no dia do pleito, tudo com a finalidade de angariar votos, incorrendo os investigados em captação ilícita de sufrágio, na forma prevista na lei eleitoral. (grifo nosso)

 

Reitero que as conversas travadas entre Marsal e Airton ocorreram entre os dias 10 e 14.11.2020, sobre o fornecimento de gasolina para transportar eleitores no domingo da eleição com o propósito de levá-los às seções eleitorais para votarem nos candidatos Airton Ribeiro e Luiz Carlos Cordeiro Machado, conforme demonstram os áudios 69/71, assim como o fornecimento de alimentos (duas caixas de coxas e um fardo de refrigerante) para nove famílias da Missão Indígena, que estavam inclinadas a votar em Nilson e Alexsandro, mas “fecharam” apoio aos investigados por conta do acerto realizado por Airton (áudio 72).

Saliento que todas essas negociações foram corroboradas pela apreensão, com o então candidato a prefeito LUIZ CARLO CORDEIRO MACHADO, da quantia de R$ 1.550,00, e com seu filho MARSAL CORDEIRO MACHADO, de 12 vales-combustível de 10 litros cada, 02 vales - gasolina de 5 litros cada, ambos do Posto do Chico de Miraguaí, 11 vales-cerveja do Posto Gemelli de Miraguaí, além de um aparelho celular (IPhone) e uma faca (boletim de ocorrência das fls. 5-9 do PPE).

Assim, tenho por manter a sentença que considerou configurada a prática de captação ilícita de sufrágio, na forma de utilização de R$ 600,00 para transporte de eleitores de outros municípios para Redentora, fornecimento de 200 litros de gasolina e utilização de diversos veículos para subsidiar o transporte de indígenas às seções eleitorais, e fornecimento de provisões (coxas de frango e refrigerantes) a famílias indígenas.

A minuciosa decisão do juízo a quo está alinhada com a jurisprudência do TSE:

[...] Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41–A da Lei 9.504/97. Pagamento em troca de votos. Transporte de eleitores. Boca de urna. Cassação do diploma. Multa. [...] 7. Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) o dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; e (d) a participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado, concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito. [...] 12. A partir dos fatos narrados, conclui–se que a captação ilícita de sufrágio restou devidamente comprovada, caracterizada tanto pela oferta de trabalho remunerado em troca de voto quanto pelo transporte gratuito de eleitores aos locais de votação com a finalidade de obter voto, ocorrida na véspera e no dia do primeiro turno das Eleições 2018, preenchendo–se, assim, todos os elementos necessários para sua configuração. 13. Há farto conjunto probatório que demonstra não só o conhecimento e a anuência do candidato com o ilícito praticado por terceiro, mas sua participação direta na reunião em que se organizou a forma de atuação dos referidos trabalhadores e se acertou a remuneração em troca de voto, o que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, atrai o art. 41–A da Lei 9.504/97. [...]”

(Ac. de 28.10.2021 no AgR-RO-El nº 060186731, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)

 

[...] Vereador. Art. 41-A da Lei n° 9.504/97. [...] Captação ilícita de sufrágio. Oferta de benesses em troca de voto. [...] 7. O ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 se consubstancia com a oferta, a doação, a promessa ou a entrega de benefícios de qualquer natureza, pelo candidato, ao eleitor, em troca de voto, que, comprovado por meio de acervo probatório robusto, acarreta a cominação de sanção pecuniária e a cassação do registro ou do diploma. 8. Acertada a decisão regional, visto que, a partir do teor da conversa anteriormente transcrito, objeto da gravação ambiental, depreende-se ter havido espontânea oferta de benesses, pelos recorrentes, à eleitora [...] - oferecimento da quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais), facilitação do uso dos serviços médicos da Unidade de Saúde Moisés Dias, oferta de gasolina e de veículos para transportar, no dia das eleições, os parentes que moram em outro município e promessa de emprego para o marido da eleitora -, vinculada ao especial fim de obter votos para o então candidato [...] que participou ativamente da conduta.[...]”

(Ac. de 9.5.2019 no REspe nº 40898, rel. Min. Edson Fachin.)

 

Quanto à concordância ou anuência com os fatos configuradores da captação ilícita de sufrágio, conforme já decidiu este Tribunal, ela pode se revelar tanto a partir de elementos que denotem estreito vínculo político ou de cunho afetivo entre o candidato beneficiário e quem oferece a benesse em troca de votos quanto a partir de indícios, vedando-se apenas condenações baseadas em presunções sem nenhum liame com o contexto fático descrito nos autos.

No caso, inegável que, sendo o candidato Luiz Carlos Cordeiro Machado Cordeiro pai de Marsal Cordeiro Machado, intermediador da compra de votos, evidente a ciência dos ilícitos praticados; e Airton Ribeiro é o próprio interlocutor nos áudios.

Nesse sentido:

[...] Imputação de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/1997) ao governador e vice-governador [...] Configuração. [...] 1. Em relação à imputação da prática de captação de sufrágio, há, no caso concreto, conjunto probatório suficientemente denso a evidenciar tanto a compra de votos por parte de terceiro não candidato, quanto a ciência do candidato em relação ao ilícito. Possibilidade de utilização de indícios para a comprovação da participação, direta ou indireta, do candidato ou do seu consentimento ou, ao menos, conhecimento da infração eleitoral, vedada apenas a condenação baseada em presunções sem nenhum liame com os fatos narrados nos autos (art. 23 da LC 64/1990). Precedentes [...]. No caso, são elementos capazes de comprovar, além de qualquer dúvida razoável, a ciência do candidato quanto à operação de captação ilícita de sufrágio: (i) o local em que ocorreu a oferta e promessa de vantagens em troca de votos, (ii) o envolvimento, direto ou indireto, de pessoas ligadas ao candidato por vínculos político e familiar, e (iii) a relação contratual da autora da conduta com o governo estadual. Precedentes [...]”

(Ac. de 4.5.2017 no RO nº 224661, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, red. designado Min. Luis Roberto Barroso.)

 

Por derradeiro, cumpre tecer considerações quanto ao sancionamento imposto aos recorrentes.

O juízo aplicou apenas a sanção de multa aos candidatos LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO e AIRTON RIBEIRO.

Entretanto, “uma vez praticada a conduta de captação ilícita de sufrágio, é inafastável a aplicação da pena de cassação do registro ou do diploma e da multa, não sendo uma imposição objeto de juízo de discricionariedade do julgador. (AgR-RO nº 97917/PA – j. 05.10.2010 – PSESS).”

No mesmo sentido tem decidido a nossa Egrégia Corte Regional, em feito de minha relatoria:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROCEDÊNCIA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. INELEGIBILIDADE. MULTAS. PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA ANALISADA COM O MÉRITO. CONFIGURADAS CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE A CARACTERIZAR OS ILÍCITOS. COMPROVADA A ENTREGA DE BENESSES EM TROCA DE VOTOS POR SERVIDOR PÚBLICO EM ÓRGÃO MUNICIPAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência em face de sentença que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE. Condenação à cassação do diploma de suplente, inelegibilidade por 8 anos subsequentes à eleição de 2020 e aplicação de multas, com base nos arts. 41-A e 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, ao entender caracterizada a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada.

2. A suscitada preliminar de nulidade confunde-se com o mérito do recurso e nele será examinada.

3. Inequívoca a conduta irregular do recorrente, que promoveu verdadeiro palanque eleitoral, por meio da entrega de benesses a eleitores em situação de extrema pobreza, em troca de votos. Além da distribuição generalizada de cestas básicas por intermédio de servidora pública, a prova demonstra que o candidato, direta e pessoalmente, negociava a concessão de outras benesses (cargas de terra, poste de luz, medicamentos, promessa de entrega de material de construção, pagamento de conta de luz, gasolina, gás) para angariar dividendos eleitorais.

4. Configuradas a captação ilícita de sufrágio e a prática de conduta vedada. Acervo probatório suficiente a demonstrar a ocorrência dos ilícitos. Improcedência da alegação recursal, no sentido de não considerar como compra de voto o encaminhamento de eleitores aos entes públicos, visto a conduta não ter alterado o desfecho do pleito no qual logrou apenas a suplência. A caracterização dos ilícitos independe do resultado da eleição, importando para sua configuração a violação ao bem jurídico protegido, vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a normalidade do pleito, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado da contenda eleitoral seria diferente. Manutenção da sentença de procedência da ação.

5. Desprovimento.

(Rel 0600901-86.2020.6.21.0045 - Santo Ângelo, julgado em 10.03.2022.) (Grifo nosso)


 

Na espécie, LUIZ CARLOS CORDEIRO MACHADO não foi eleito e, assim, não há que se falar em cassação do diploma.

Contudo, AIRTON RIBEIRO foi eleito suplente de vereador, sendo de rigor que houvesse a declaração da nulidade dos votos a ele atribuídos (94 votos). Mas, inexistindo recurso do Ministério Público Eleitoral, inviável a reforma da sentença em prejuízo do recorrente.

Ante o exposto, voto pela rejeição das preliminares e pelo desprovimento do recurso.