MSCiv - 0601945-13.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

De início, sublinho o cabimento hipotético de mandado de segurança contra decisão de juízo eleitoral proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme já assentado por esta Corte. Exemplificativamente, trago ementa de decisão recente, no Recurso Eleitoral n. 0600185-73, Relator Des. Francisco José Moesch, julgado em 03.5.2022:

RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DETERMINADA A REMOÇÃO DE OUTDOOR. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIDO.

1. Insurgência contra decisão que acolheu o pedido do órgão ministerial e determinou a remoção de outdoor, por considerar caracterizada a propaganda eleitoral antecipada por meio vedado pela legislação. O juízo sentenciante, após descumprimento da ordem de retirada da propaganda, determinou que o Município realizasse a remoção do outdoor, autorizando a cobrança de valores dispendidos com a retirada do artefato. Acolhido ainda, pedido para a extração de cópia integral da representação e instauração de expediente criminal, para análise da eventual prática de crime de desobediência.

2. O parágrafo 3º do artigo 54 da Resolução TSE n. 23.608/19, estabelece que o mandado de segurança é a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

3. No caso dos autos, trata-se de procedimento administrativo em que o Ministério Público Eleitoral invocou o exercício do poder de polícia pela Juíza Eleitoral do local do fato para a remoção de propaganda eleitoral antecipada por meio de outdoor. As decisões prolatadas no âmbito do poder de polícia, conferido aos juízes eleitorais, não têm caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo, de modo que devem ser judicialmente impugnadas por meio de mandado de segurança.

4. Recurso manifestamente incabível para o controle jurisdicional dos atos praticados no exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, razão pela qual é inviável o seu conhecimento.

5. Não conhecido.

Passo ao mérito, e antecipo que mantenho os termos de fundamentação já exarados por ocasião da análise do pedido de concessão de medida liminar:

Vistos.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL impetra mandado de segurança, com pedido de concessão de medida liminar, contra ato do Juízo da 93ª Zona Eleitoral, que no exercício do poder de polícia deixou de acolher pedido de retirada de 3 (três) outdoors contendo mensagens e imagens do atual Presidente da República e candidato à reeleição. Utilizo transcrição para o detalhamento das circunstâncias de aposição dos artefatos:

(...)

a) Acesso Dona Leopoldina, numa área de terras em frente ao número 4225, se depara com um painel ou outdoor em que figura o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro sorrindo e apontando para o alto, com o dedo indicador estendido, tendo como fundo a bandeira do Brasil; nesse mesmo plano de fundo, dominando a parte superior do painel, há a palavra “Liberdade” em letras maiúsculas, sendo que no quadrante direito, se encontram os dizeres “Deus, pátria e família!”, que, como é de conhecimento público, foi o lema, ou slogan, da campanha presidencial do político em questão em 2018, no imóvel de responsabilidade de MARCOLINO COUTINHO (CPF nº 291.313.670-20);

b) Av. Osvaldo Aranha, pelas imediações do número 1920, ao lado da revenda JM Automóveis, vislumbra outro outdoor com a imagem do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, tendo como fundo a Bandeira do Brasil e, no quadrante superior direto os seguintes dizeres: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.” Na parte inferior da placa consta a inscrição “Movimento Aliança Consevadora” e “Venâncio Aires – Capital Nacional do Chimarão # FechadoComBolsonaro.” O outdoor reproduz, igualmente, parte conhecida do slogan da campanha eleitoral de 2018, do então candidato Jair Bolsonaro, no imóvel de responsabilidade de PAULO ADRIANO FAGUNDES (CPF nº 535.313.290-49);

c) RSC 453, nas proximidades da Transportadora Expresso São Miguel, no Bairro Industrial de Venâncio Aires, avista outro outdoor com a imagem do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, o qual tem ao lado esquerdo a figura da bandeira do Brasil tremulando e, ao lado direito, a seguinte inscrição: “VENÂNCIO AIRES APOIA JAIR BOLSONARO. DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA.” Do mesmo modo que nos painéis acima descritos, verifica-se a reprodução do slogan da campanha presidencial de 2018 do então candidato Jair Bolsonaro, no imóvel de responsabilidade de PLÍNIO LUIS PENK (CPF nº 535.287.600-44).

Afirma que a decisão impetrada configura ato coator na medida em que com o advento do período de propaganda eleitoral o meio outdoor se tornou proscrito, e ainda que não contenham pedido explícito de voto, o apelo eleitoral é claro, com evidente intenção de influenciar na formação da vontade dos eleitores no pleito eleitoral 2022. Aduz que a vedação estipulada pelo art. 39, §8º, da Lei n. tem base nos altos custos de utilização do outdoor e no elevado impacto publicitário que alcança, capaz de vulnerar a igualdade de chances entre os candidatos em favor daquele que ostenta maior poder econômico, em estratégia de ostensiva impressão visual e de eficácia massificada, garantida pelas dimensões e forte apelo visual, e que apreende atenção de forma involuntária e desprevenida do eleitor, incorporando-se no curso dos dias à própria paisagem cotidiana do local, especialmente se tratando de pequeno município do interior do Estado.

Indica precedentes que entende se amoldarem ao caso.

Requer, liminarmente, a concessão de providência hábil a remover os artefatos, em prazo exíguo e, no mérito, a concessão da segurança.

Vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, registro a possibilidade de cabimento de mandado de segurança contra ato judicial, com suporte no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/2016, o qual preconiza a irrecorribilidade das decisões interlocutórias (ou aquelas sem caráter definitivo) proferidas nos feitos eleitorais, conforme já assentado por esta Corte – exemplificativamente, o MS n. 19.498, Rel. Des. El. Hamilton Langaro Dipp, e o MS n. 30.573, Rel. Des. El. Ingo Wolfgang Sarlet.

Antecipo que a medida liminar é de ser concedida.

Ainda que não apresente pedido explícito de voto, as publicidades em outdoors, retratadas nos autos, foram realizadas em meio proscrito para a veiculação de propaganda eleitoral, e apresentam elementos diretamente vinculados ao pleito de 2022 e à campanha de reeleição do atual Presidente República, o qual inclusive é retratado em clara alusão à disputa nas urnas.

A mera menção da existência de “apoio” associada ao lema divulgado massivamente pelo agora candidato, tanto na campanha de 2018, quanto atualmente na campanha de 2022: “Deus”, “Pátria” e “Família”, ou “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” remete inequivocamente às vindouras eleições.

Ou seja, há violação ao disposto no art. 36-A da Lei das Eleições, trazendo inequívocos prejuízos decorrentes da quebra da isonomia entre os candidatos.

Recentemente, este Tribunal assim decidiu em situação idêntica, modificando o posicionamento antes exarado, exatamente pelo fato de ter iniciado o período de campanha eleitoral, em voto de relatoria do Des. El. Amadeo Henrique Ramella Butelli. A única diferença se dá no fato de que, naquele caso, o pedido de concessão de medida liminar havia sido indeferido porque ainda não iniciado o período de propaganda eleitoral:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. OUTDOOR. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido para remoção de artefato publicitário relativo à propaganda eleitoral. Liminar indeferida. 2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte. 3. Deflagrado o período permitido de propaganda eleitoral em 16.08.2022, não remanesce dúvida quanto à vedação do meio outdoor para veiculação de imagem de candidato à Presidência, fixados em rodovias de intenso trânsito. 4. Concessão da segurança. (Mandado de Segurança n. 0600423-48, unânime).

Diante do exposto, defiro o pedido de concessão de medida liminar, e determino que, no prazo de 2 (dois) dias, seja cumprida a ordem de retirada, sob pena de possível prática de crime de desobediência, por:

a) MARCOLINO COUTINHO (CPF nº 291.313.670-20), do outdoor afixado no acesso Dona Leopoldina, numa área de terras em frente ao número 4225, em Venâncio Aires/RS;

b) PAULO ADRIANO FAGUNDES (CPF nº 535.313.290-49), do outdoor afixado na Av. Osvaldo Aranha, pelas imediações do número 1920, ao lado da revenda JM Automóveis, em Venâncio Aires/RS;

c) PLÍNIO LUIS PENK (CPF nº 535.287.600-44), do outdoor afixado na RSC 453, nas proximidades da Transportadora Expresso São Miguel, no Bairro Industrial de Venâncio Aires/RS.

Caso os indicados entendam não serem os responsáveis pelos artefatos, devem apresentar razões conforme tenham de direito, no mesmo prazo de 2 (dois) dias já concedido.

Decorrido o prazo sem cumprimento, ou com a mera apresentação de razões pelos indicados, faculta-se desde já ao impetrante que informe nestes autos a situação, notadamente para que sejam determinadas as imediatas retiradas mediante diligências por órgãos públicos.

Comunique-se ao juízo impetrado para prestar as informações que entender pertinentes, no prazo do art. 7°, inc. I, da Lei n. 12.016/09.

Após, seja dada vista dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral nos termos do art. 12 da Lei n. 12.016/09.

Na sequência, retornem conclusos.

Intime-se.

Cumpra-se.

 

Nesse norte, entendo que os elementos apresentados nos artefatos publicitários apontados nos autos são característicos de propaganda eleitoral, pois, ainda que não tragam pedido explícito de voto, remetem inequivocamente à eleição do atual Presidente República, Jair Messias Bolsonaro, concorrente à reeleição, inclusive pelas menções a “Deus, Pátria e Família”, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” temas constantes nos discursos e integrantes do próprio lema de campanha. Ademais, o apoio se torna explícito nas expressões “fechadocombolsonaro” ou “Venâncio Aires apoia Jair Bolsonaro”, presentes nos outdoors.

Tais circunstâncias, somadas ao meio pelo qual a mensagem foi veiculada, outdoor, demonstram que, no caso em tela, o equipamento viola o disposto no art. 39, § 8º, da Lei das Eleições:

Art. 39 […]

§ 8o É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

 

Portanto, no concernente ao conteúdo da propaganda e ao meio de publicidade, entendo que resta caracterizada a irregularidade.

Por fim, anoto que o juízo, ao prestar as informações previstas no art. 7°, inc. I, da Lei n. 12.016/09, destacou a retirada dos artefatos, Ids 45094902, 45094901 e 45094900.

Ainda assim, entendo que se trata de caso de confirmação da segurança, e não de perda do objeto da presente demanda, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a concessão de medida liminar satisfativa não afasta a necessidade de manifestação jurisdicional no que diz respeito ao provimento definitivo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. IMPORTAÇÃO DE LEITE. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. ACIDENTE NUCLEAR DE USINA EM CHERNOBIL. PRODUTORES DE PAÍSES EUROPEUS. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CONCESSÃO DE LIMINAR SATISFATIVA. INEXISTÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTES. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. CERTEZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÕES CONDICIONAIS.

1. O deferimento de tutela provisória ou de medida liminar, por ostentar caráter precário, não implica a perda de objeto por falta de interesse de agir na hipótese de eventual satisfatividade. Precedentes. 2. Ato normativo infralegal, como portarias e resoluções, não configuram lei federal, para efeito da caracterização da hipótese de cabimento do art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição da República. Precedentes. 3. Tampouco se admite o apelo extremo quando o exame das teses levantadas pelo recorrente não prescinde do revolvimento fático-probatório. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão.

(REsp 164.110/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21/03/2000, DJ 08/05/2000, p. 96). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (RECURSO ESPECIAL n. 1670267/SP (2017/0104711-5) Rel. Min. MAURO CAMPBELL)

 

Diante do exposto, VOTO pela concessão da segurança, tornando definitiva a decisão liminar e mantendo a caracterização das propagandas irregulares.