MSCiv - 0602356-56.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

De início, sublinho o cabimento hipotético de mandado de segurança contra decisão de juízo eleitoral proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme já assentado por esta Corte. Exemplificativamente, trago ementa de decisão recente, no Recurso Eleitoral n. 0600185-73, Relator Des. Francisco José Moesch, julgado em 03.5.2022:

RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DETERMINADA A REMOÇÃO DE OUTDOOR. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIDO.

1. Insurgência contra decisão que acolheu o pedido do órgão ministerial e determinou a remoção de outdoor, por considerar caracterizada a propaganda eleitoral antecipada por meio vedado pela legislação. O juízo sentenciante, após descumprimento da ordem de retirada da propaganda, determinou que o Município realizasse a remoção do outdoor, autorizando a cobrança de valores dispendidos com a retirada do artefato. Acolhido ainda, pedido para a extração de cópia integral da representação e instauração de expediente criminal, para análise da eventual prática de crime de desobediência.

2. O parágrafo 3º do artigo 54 da Resolução TSE n. 23.608/19, estabelece que o mandado de segurança é a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

3. No caso dos autos, trata-se de procedimento administrativo em que o Ministério Público Eleitoral invocou o exercício do poder de polícia pela Juíza Eleitoral do local do fato para a remoção de propaganda eleitoral antecipada por meio de outdoor. As decisões prolatadas no âmbito do poder de polícia, conferido aos juízes eleitorais, não têm caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo, de modo que devem ser judicialmente impugnadas por meio de mandado de segurança.

4. Recurso manifestamente incabível para o controle jurisdicional dos atos praticados no exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, razão pela qual é inviável o seu conhecimento.

5. Não conhecido.

 

Passo ao mérito, e antecipo que mantenho os termos de fundamentação já exarados por ocasião da análise do pedido de concessão de medida liminar:

Vistos.

A FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA RIO GRANDE DO SUL – FE BRASIL (PT, PCdoB e PV) impetra mandado de segurança, com pedido de concessão de medida liminar, contra ato do Juízo da 46ª Zona Eleitoral, que no exercício do poder de polícia deixou de acolher pedido de retirada de outdoor contendo mensagens e imagens do atual Presidente da República e candidato à reeleição. Utilizo transcrição de decisão impetrada para o detalhamento das circunstâncias de aposição dos artefatos:

(...)

Com efeito, o artefato em exame consiste em um outdoor afixado em terreno particular e contém uma foto do candidato a Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, tendo como pano de fundo a bandeira do Rio Grande do Sul e do Brasil e os seguintes dizeres: “#AGRICULTURAEPECUÁRIA, SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA/RS, #CAMINHONEIROS, #COMÉRCIOEINDÚSTRIA, Os cidadãos de BEM confiam no seu trabalho, #ESTAMOSCONTIGOPRESIDENTE e ‘Deus, Pátria e Família’”

Afirma que a decisão impetrada configura ato coator na medida em que com o advento do período de propaganda eleitoral, aos 16.8.2022, o meio outdoor se tornou proscrito, e que o apelo eleitoral é claro, com evidente intenção de influenciar na formação da vontade dos eleitores no pleito eleitoral 2022, e que o fato há de ser “lido com chave hermenêutica distinta daquelas utilizadas ao tempo da pré-campanha”.

Aduz que a vedação estipulada pela Resolução TSE n. 23.610/2019 se aplica ao caso posto. Apresenta precedentes do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal Regional Eleitoral, que entende como paradigmáticos ao caso posto. Requer, liminarmente, a concessão de providência para remover o artefato e, no mérito, a concessão da segurança.

Foi determinado o aditamento à peça inicial para detalhamento do pedido e, aditada, vieram conclusos.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, registro a possibilidade de cabimento de mandado de segurança contra ato judicial, com suporte no art. 19 da Resolução TSE n. 23.478/2016, o qual preconiza a irrecorribilidade das decisões interlocutórias (ou aquelas sem caráter definitivo) proferidas nos feitos eleitorais, conforme já assentado por esta Corte – exemplificativamente, o MS n. 19.498, Rel. Des. El. Hamilton Langaro Dipp, e o MS n. 30.573, Rel. Des. El. Ingo Wolfgang Sarlet.

Antecipo que a medida liminar é de ser concedida.

Ainda que não apresente pedido explícito de voto, a publicidade em outdoor como a retratada nos autos foi realizada em meio proscrito para a veiculação de propaganda eleitoral, e apresenta elementos diretamente vinculados ao pleito de 2022 e à campanha de reeleição do atual Presidente República, inclusive com alusão à disputa nas urnas.

A menção de apoio pela expressão “estamos contigo PRESIDENTE” associada ao lema divulgado massivamente pelo agora candidato, tanto na campanha de 2018, quanto atualmente na campanha de 2022: “Deus”, “Pátria” e “Família” remete inequivocamente às vindouras eleições.

Ou seja, há violação ao disposto no art. 36-A da Lei das Eleições, trazendo prejuízos decorrentes da quebra da isonomia entre os candidatos.

Recentemente, este Tribunal assim decidiu em situação idêntica, modificando o posicionamento antes exarado, exatamente pelo fato de ter iniciado o período de campanha eleitoral, em voto de relatoria do Des. El. Amadeo Henrique Ramella Butelli. A única diferença se dá no fato de que, naquele caso, o pedido de concessão de medida liminar havia sido indeferido porque ainda não iniciado o período de propaganda eleitoral:

MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2022. PROPAGANDA ELEITORAL. LIMINAR INDEFERIDA. ARTEFATO PUBLICITÁRIO. OUTDOOR. DEFLAGRADO PERÍODO PERMITIDO DE PROPAGANDA ELEITORAL. VEDAÇÃO. CONCEDIDA A SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado em face de decisão proferida pelo Juízo da Zona Eleitoral que, no exercício do poder de polícia, indeferiu pedido para remoção de artefato publicitário relativo à propaganda eleitoral. Liminar indeferida. 2. Viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa, conforme assentado por esta Corte. 3. Deflagrado o período permitido de propaganda eleitoral em 16.08.2022, não remanesce dúvida quanto à vedação do meio outdoor para veiculação de imagem de candidato à Presidência, fixados em rodovias de intenso trânsito.4. Concessão da segurança.

Diante do exposto, defiro o pedido de concessão de medida liminar, e determino que, no prazo de 2 (dois) dias, seja cumprida a ordem de retirada do artefato.

Notifique-se a autoridade coatora para dar eficácia e efetividade à retirada do artefato, afixado na ERS-474, próximo ao aceso à Freeway, em Santo Antônio da Patrulha/RS, podendo ser realizada por Oficial de Justiça acompanhado por força policial e/ou servidores da Prefeitura Municipal.

Prestadas as informações ou ultrapassado o prazo fixado sem manifestação, abra-se vista dos autos à Procuradoria Regional Eleitoral nos termos do art. 12 da Lei n. 12.016/09.

 

Nesse norte, entendo que os elementos apresentados no artefato publicitário apontado nos autos são característicos de propaganda eleitoral, pois, ainda que não tragam pedido explícito de voto, remetem inequivocamente à eleição do atual Presidente República, Jair Messias Bolsonaro, concorrente à reeleição, inclusive pela menção a “Deus, Pátria e Família”, tema constante nos discursos e integrante do próprio lema de campanha. Ademais, o apoio se torna explícito na expressão “estamoscontigopresidente”, presente no outdoor.

Tais circunstâncias, somadas ao meio pelo qual a mensagem foi veiculada, outdoor, demonstram que, no caso em tela o equipamento viola o disposto no art. 39, § 8º, da Lei das Eleições:

Art. 39 […]

§ 8o É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais). (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

 

Portanto, no concernente ao conteúdo da propaganda e ao meio de publicidade, entendo que resta caracterizada a irregularidade.

Por fim, anoto que o juízo, ao prestar as informações previstas no art. 7°, inc. I, da Lei n. 12.016/09, destacou a ocorrência da retirada do artefato, ID 45123290.

Ainda assim, entendo que se trata de caso de confirmação da segurança, e não de perda do objeto da presente demanda, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a concessão de medida liminar satisfativa não afasta a necessidade de manifestação jurisdicional no que diz respeito ao provimento definitivo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. IMPORTAÇÃO DE LEITE. RISCO DE CONTAMINAÇÃO. ACIDENTE NUCLEAR DE USINA EM CHERNOBIL. PRODUTORES DE PAÍSES EUROPEUS. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CONCESSÃO DE LIMINAR SATISFATIVA. INEXISTÊNCIA DE PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE DE AGIR. PRECEDENTES. ATO NORMATIVO INFRALEGAL. INADEQUAÇÃO RECURSAL. CERTEZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. AUSÊNCIA DE SUJEIÇÕES CONDICIONAIS.

1. O deferimento de tutela provisória ou de medida liminar, por ostentar caráter precário, não implica a perda de objeto por falta de interesse de agir na hipótese de eventual satisfatividade. Precedentes. 2. Ato normativo infralegal, como portarias e resoluções, não configuram lei federal, para efeito da caracterização da hipótese de cabimento do art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição da República. Precedentes. 3. Tampouco se admite o apelo extremo quando o exame das teses levantadas pelo recorrente não prescinde do revolvimento fático-probatório. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Ao solver a controvérsia e pôr fim à lide, o provimento do juiz deve ser certo, ou seja, não pode deixar dúvidas quanto à composição do litígio, nem pode condicionar a procedência ou a improcedência do pedido a evento futuro e incerto. Ao contrário, deve declarar a existência ou não do direito da parte, ou condená-la a uma prestação, deferindo-lhe ou não a pretensão.

(REsp 164.110/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 21.03.2000, DJ 08.05.2000, p. 96). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (RECURSO ESPECIAL n. 1670267/SP (2017/0104711-5) Rel. Min. MAURO CAMPBELL)

 

Diante do exposto, VOTO pela concessão da segurança, tornando definitiva a decisão liminar e mantendo a caracterização de propaganda irregular.