REl - 0600346-85.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Preliminar de Nulidade por Ausência de Fundamentação

Proferida a sentença, a candidata interpôs embargos declaratórios, alegando a existência de omissão, eis que não teria sido enfrentado o teor das provas produzidas nos autos (ID 45007181).

Sobreveio decisão, nos seguintes termos: "Deixo de acolher os embargos, mantendo a decisão por seus fatos e fundamentos” (ID 45007185).

Após, tendo em vista a verificação de erro material no decisum, relativamente ao nome do magistrado subscritor, conforme constou em certidão lavrada pelo Cartório (ID 45007188), foi a decisão ratificada (ID 45007191).

No apelo, a recorrente arguiu nulidade da decisão, por falta de fundamentação.

Com efeito, tenho que a decisão exarada nos aclaratórios padece de nulidade, por ausência de mínima fundamentação.

Contudo, na esteira do parecer ministerial, não é o caso de determinar a devolução dos autos à origem, para que seja proferida nova decisão, pois o feito se apresenta maduro para imediato  julgamento pelo Tribunal.

Essa, aliás, é a solução preconizada pelo art. 1.013, § 3º, inc. IV, do CPC, que dispõe:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

(...).

§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:

I - reformar sentença fundada no art. 485;

II - decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;

III - constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;

IV - decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

 

Nesse sentido, colaciono a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INC. I, AL. "L', DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. PROVIMENTO.

(...).

4. Apesar da omissão do Tribunal de origem, é possível o conhecimento direto da matéria em sede de recurso ordinário, tendo em vista que foi devidamente exercido o contraditório na origem e a causa está madura, nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. III, do Código de Processo Civil.

(...)

(Recurso Ordinário n. 060098106, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27.11.2018.). Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. AIME. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINARES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUTOR DO ATO ABUSIVO E BENEFICIÁRIOS. DESNECESSIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA EXCLUSIVA DOS CANDIDATOS ELEITOS E DIPLOMADOS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA. ABUSO DO PODER POLÍTICO ENTRELAÇADO COM O ECONÔMICO. CONTRATAÇÃO MACIÇA DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS NA VÉSPERA DO PERÍODO ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DELINEADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME. INOCORRÊNCIA. PROVA DA PARTICIPAÇÃO, CIÊNCIA OU ANUÊNCIA DOS BENEFICIÁRIOS. DESNECESSIDADE. GRAVIDADE. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS DOS ELEITOS.

(...)

2.2. Da ampla devolutividade do recurso eleitoral e da teoria da causa madura

10. Consoante se extrai do relatório do acórdão recorrido, no juízo de piso, a AIME ajuizada por Raimundo Nonato Dias Santos - candidato a prefeito de Pilão Arcado/BA pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no pleito de 2016 - contra os candidatos da chapa majoritária vencedora, ora recorridos, foi extinta, sem exame do mérito (art. 485, inc. VI, do CPC), ante a ausência de interesse processual decorrente da inadequação da via eleita, tendo em vista não integrar o escopo da ação constitucional a apuração de eventual abuso do poder político.

11. Entretanto, o fundamento da sentença primeva foi superado quando examinado o recurso eleitoral, uma vez que o TRE/BA constatou a ocorrência, nos fatos articulados na petição inicial, de abuso do poder político entrelaçado ao abuso do poder econômico, circunstância que autoriza o manejo da AIME.

12. Ainda que o juízo eleitoral não tenha adentrado no meritum causae, é incontroverso que o recurso eleitoral, de devolutividade ampla, possibilita a revisão, pela instância superior, de toda a matéria versada na decisão impugnada, a teor do que preveem os arts. 1.013 e 1.014 do CPC, aplicáveis subsidiariamente aos processos cíveis-eleitorais.

13. A suficiência da instrução probatória assentada pela Corte Regional permite, por aplicação da teoria da causa madura, a análise do mérito da AIME em sede de recurso eleitoral (art. 1.013, § 3º, do CPC).

(...)

(REspEl n 142, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE, Tomo 242, Data 17.12.2019, pp. 20-22). Grifei.

 

Destarte, em que pese a nulidade verificada, deixo de comandar o retorno do processo à origem, para que seja apreciado o mérito da causa nesta instância, ante a devolutividade ampla do recurso, a suficiência da instrução probatória e a possibilidade de imediato julgamento.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de ALIS HELENA RODRIGUES e lhe determinou a devolução ao Tesouro Nacional de R$ 1.600,00.

As irregularidades reconhecidas na sentença envolvem gastos com verbas do FEFC, com a prestação de serviços de militância, cujos contratos foram carreados aos autos, porém os respectivos pagamentos foram reputados irregulares, um no valor de R$ 400,00 e dois na monta de R$ 600,00, tendo em vista que os débitos registrados no extrato bancário da conta n. 592455, agência n. 628, do Banco do Brasil, pertinente à movimentação de quantias do FEFC, possuem a informação “CHEQUE PAGO EM OUTRA AGENCIA”, não havendo identificação do beneficiário no campo “CPF/CNPJ Contraparte”.

Reproduzo, abaixo, a imagem do documento bancário, extraído do sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89630/210000882048/extratos):

 

Na sentença, concluiu o magistrado a quo o seguinte (ID 45007176):

1) Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$ 1.600,00, que descumpriram a previsão do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária. Saliento que o valor apontado como irregular no item 2.2. do parecer conclusivo constou equivocadamente como R$ 1.400,00.

Em sua manifestação o candidato alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no art. 79, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

No recurso, a candidata defende que não se resumiu a informar que as informações constavam no sistema SPCE, mas que identificou o CPF dos destinatários, por meio de contratos, recibos e relatório de despesa, bem como manifestação após relatório preliminar, assim consignando:

Houve a devida informação do CPF dos destinatários, junto ao SPCE e também constam dos contratos acima ilustrados. De todo modo, seguem as correspondentes identificações:

Destinatária: Carise Pinto da Silva, CPF 019.424.230-71

Destinatária: Cassiane Pinto da Silva, CPF 007.130.790-70

Destinatária: Michele Escandiel, CPF 986.703.280-20

Registre-se que a destinatária Michele recebeu total de R$ 800,00 em dois cheques de R$ 400,00, conforme extrato que segue abaixo repetido:

Por impossibilidade técnica, repete-se, tornou-se impossível acostar telas do SPCE que comprovam que houve adequada alimentação de sistema com o fornecimento das informações ora mencionadas.

Diante do exposto, REQUER pelo recebimento do presente e consideração da documentação acostada, aos fins de aprovar as contas da candidata; ou, em entendo necessário que se junte as telas do SPCE para comprovação do que já mencionado, REQUER pelo deferimento de prorrogação de prazo, a possibilitar exame técnico nos aparelhos onde o SPCE se acha instalado, a viabilizar acesso e consulta.

 

Pois bem.

Ab initio, assinalo que os gastos eleitorais devem observar a forma prescrita no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

Em julgamentos envolvendo o presente tema, pontuei meu entendimento no sentido de que, não obstante o desatendimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, a ausência do cruzamento dos cheques não impediria, por si só, a comprovação dos gastos quando apresentados documentos hábeis e fidedignos, aptos a comprovar os serviços e os pagamentos realizados, com a estrita vinculação dos cheques nominativos emitidos aos correspondentes contratos, sem trazer maiores prejuízos à análise das contas.

Na hipótese, entretanto, não há nos autos as cópias ou microfilmagens das cártulas, o que permitiria aferir se foram preenchidas nominalmente e com cruzamento aos fornecedores, como determina o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Os demais documentos encartados aos autos resumem-se aos instrumentos de contratos firmados entre a candidata e os cabos eleitorais (IDs 45007170, 45007171 e 45007172), os quais se mostram insuficientes para demonstrar se os descontos bancários na conta de campanha foram efetivamente creditados em favor dos referidos contratados.

Portanto, na situação em exame, houve carência na comprovação do direcionamento dos recursos públicos manejados em campanha, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e o ressarcimento ao erário dos respectivos valores, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por fim, registro que o conjunto de falhas abrange R$ 1.600,00, que representa 76% da arrecadação total de recursos (R$ 2.100,00), inviabilizando a aprovação das contas com ressalvas com fundamento na aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de ALIS HELENA RODRIGUES e determinou o recolhimento de R$ 1.600,00 ao Tesouro Nacional.