ED no(a) REl - 0601196-25.2020.6.21.0110 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/09/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que os declaratórios podem ser acolhidos em parte, sem efeitos modificativos, tão somente para aclarar o termo módico referido na frase “ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico”, contida no seguinte trecho das razões de decidir:

Nesses termos, o recurso não comporta provimento em virtude das irregularidades de recurso de origem não identificada na quantia de R$ 4.625,00 e do excesso de recursos próprios no valor de R$ 25.997,77, totalizando R$ 30.622,77, que representa 44,89% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 68.209,00, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

 

Nesse ponto, os embargantes afirmam que o acórdão é omisso e contraditório ao afirmar que as irregularidades teriam ultrapassado o valor de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera como módico, mas que, na verdade, o normativo não menciona o que seria considerado como módico.

Esclareço, assim, que a modicidade em questão deriva do entendimento amplamente sufragado na jurisprudência do TSE e das Cortes Regionais do país, ao qual este Tribunal há muito tempo se filia, no sentido da possibilidade de aprovação de contas com ressalvas, por aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, quando o total das irregularidades representem montante reduzido e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 que a disciplina normativa das contas de campanha, disposta na Resolução TSE n. 23.607/19, considera diminuto, de modo a permitir o gasto por qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

A quantia módica se revela quando o montante das irregularidades possui valor inferior ao parâmetro legal admitido pela jurisprudência “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 05.11.2019.). A propósito:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DOAÇÃO A TÍTULO DE RECURSOS PRÓPRIOS MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VALOR DIMINUTO DA IRREGULARIDADE CONSIDERADO SEU VALOR ABSOLUTO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes.

2. No caso dos autos, embora o percentual da irregularidade seja elevado, aproximadamente 76%, seu valor absoluto (R$ 950,00) deve ser considerado módico, uma vez que inferior a R$ 1.064,10 (mil, sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs).

3. Manutenção da decisão.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, AgR–REspEl 639–67/CE, Rel. Min. Edson Fachin)

 

Portanto, neste ponto o acórdão pode ser aclarado para o fim de fazer parte da fundamentação o esclarecimento de que, ao considerar módico o valor de R$ 1.064,10, as razões de decidir se reportam ao entendimento jurisprudencial decorrente da interpretação das disposições contidas nos arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 “como espécie de tarifação do princípio da insignificância”.

Os demais temas invocados demonstram o claro intuito de rediscussão de matéria já decidida pelo Colegiado, pois o acórdão embargado julgou a lide de forma clara e fundamentada.

A decisão foi expressa ao afastar as teses defensivas deduzidas nos declaratórios, pois foi consignado que a Resolução TSE n. 23.665/21 dispõe que o limite de aplicação de recursos próprios é para a chapa majoritária, tal como o entendimento doutrinário e jurisprudencial já expressava, consoante se observa do seguinte excerto das razões de decidir:

Pelo raciocínio exposto na peça recursal, os candidatos defendem que o limite de aplicação de recursos próprios seria considerado isoladamente, ou seja, à razão de R$ 20.411,23 para o candidato a prefeito, e também de R$ 20.411,23 para o candidato a vice-prefeito, raciocínio que culminaria com um patamar máximo de autofinanciamento de R$ 40.822,46.

Alegam que essa é a melhor interpretação ao dispositivo legal inserido na norma eleitoral em 03.10.2019, pela Lei n. 13.878 e que inexistem precedentes jurisprudenciais do Tribunal Superior Eleitoral.

De fato, até dezembro de 2021 não havia um normativo ou posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral expresso sobre o tema, somente em dezembro de 2021 o TSE, por meio da Resolução TSE n. 23.665/21, acrescentou o § 1º-A ao art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, a fim de conferir mais clareza ao tema.

Todavia, é entendimento doutrinário e jurisprudencial uníssono que, em matéria de financiamento de campanha, a sistemática geral é de que as regras sobre limites de gastos devem ser observadas pela chapa e pelo partido ou coligação por qual concorrem os candidatos.

Não há limites individualizados em razão do princípio da unicidade ou indivisibilidade da chapa majoritária – previsto no art. 91 do Código Eleitoral, no § 1º do art. 3º da Lei n. 9.504/97, e arts. 77, § 1º, e 28 da Constituição Federal – o qual restringe candidaturas isoladas para os cargos concebidos para ter natureza dúplice.

A lição doutrinária bem explica que o cargo de vice não pode ser considerado isolado do cargo de prefeito, o que corrobora a conclusão pelo acerto da sentença recorrida ao somar os recursos aplicados na campanha para fins de limite de autofinanciamento:

Em regra, o Vice tem recebido – doutrinária e jurisprudencialmente – tratamento similar ao do Chefe do Poder Executivo respectivo, porquanto é sua atribuição básica e fundamental o exercício das atribuições do titular quando configurada a situação de ausência – seja eventual ou definitiva. Corrobora tal assertiva, aliás, a adoção do princípio da unicidade de chapa, pelo qual o registro dos candidatos ao Executivo “far-se-á sempre em chapa única e indivisível” (art. 91 do CE). No entanto, não se pode olvidar uma elementar distinção: ao contrário do titular do mandato, o Vice não possui inato poder de mando – já que somente exerce as atribuições de governo constitucional e legalmente previstas quando em efetivo exercício no cargo do titular.

Com a edição da EC n. 16/97 (que instituiu a reeleição para os cargos do Poder Executivo) e em face da similitude de tratamento entre o titular ao cargo de Chefe do Poder Executivo e seu respectivo Vice, resta superado o entendimento sumular do enunciado nº 8 do TSE, que dispunha que o Vice-Prefeito é inelegível para o mesmo cargo. Consoante NERI DA SILVEIRA (p. 63), “o TSE adotou jurisprudência no sentido da íntima convicção entre os titulares do Poder Executivo e o respectivo Vice”. Com efeito, é princípio basilar do Direito Eleitoral que o candidato a Vice possui uma relação de dependência com o pretendente ao cargo máximo do Executivo respectivo. Esta regra é excepcionada em situações específicas e pontuais. Assim, v.g., a declaração de inelegibilidade do candidato ao cargo de Chefe do Poder Executivo, se fundada em motivo de cunho pessoal, não atinge a do respectivo Vice (art. 18 da LC n. 64/90). A correta compreensão da relação do Chefe do Poder Executivo e seu Vice pode ser assim delineada: existe relação de dependência no que pertine a submissão a vontade popular, já que o voto é exarado sempre na chapa; inexiste a relação de dependência quando a declaração de inelegibilidade é calcada em motivos pessoais (não, contudo, quando a inelegibilidade decorre de ato de abuso de poder, apurado em regular processo eleitoral, havendo a contaminação da respectiva chapa).

(Zilio, Rodrigo López; Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 3.ed, p. 241.)

 

Por conta da máxima da indivisibilidade da chapa, a Resolução TSE n. 23.607/19, ao dispor sobre a arrecadação, os gastos e a prestação de contas nas eleições, prevê que o candidato ao cargo de vice deve observar as limitações estabelecidas para o titular em diversas hipóteses: a) no caso de arrecadação realizada pelo vice ou pelo suplente, devem ser utilizados os recibos eleitorais do titular (§ 8º do art. 7o); b) os candidatos a vice e suplente não são obrigados a abrir conta bancária (§ 3º do art. 8o); c) o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa (parágrafo único do art. 39); d) para a aferição dos limites de gastos com atividades de militância, serão consideradas e somadas as contratações realizadas pelo titular e as realizadas pelo vice ou suplente (art. 41, § 5o); e) a prestação de contas do titular abrangerá o vice ou o suplente (art. 45, § 3º); f) a decisão que julgar as contas abrangerá o vice ou o suplente (art. 77).

Por esses fundamentos, comungo do entendimento de que o § 1º do art. 27 Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta o art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, não estabeleceu um limite de autofinanciamento individualizado para os cargos de prefeito.

 

Os princípios invocados nos declaratórios também foram expressamente considerados e mencionados nas razões de decidir, como se vê da leitura das conclusões das razões de decidir: “Com essas considerações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira”.

Ademais, é desnecessário que a Corte prolate manifestação explícita sobre princípios e artigos de lei, pois os argumentos trazidos em sede defensiva foram rechaçados.

Assim, não há mais espaço para a discussão pretendida, pois se os embargantes não concordam com o raciocínio do acórdão embargado, devem interpor o respectivo recurso à instância superior.

Por fim, o pedido de prequestionamento segue alcançado pelo art. 1.025 do CPC.

Diante do exposto, VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração, sem efeitos infringentes, para o fim de fazer parte da fundamentação o esclarecimento de que, ao considerar módico o valor de R$ 1.064,10, as razões de decidir se reportam ao entendimento jurisprudencial decorrente da interpretação das disposições contidas nos arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 “como espécie de tarifação do princípio da insignificância”.