REl - 0600707-22.2020.6.21.0034 - Divirjo em Parte com o(a) Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO SUL

Divergência PARCIAL

Des. eleitoral caetano cuervo lo pumo

 

Inicialmente, registro que estou de acordo com o voto do eminente Relator em relação à rejeição das preliminares suscitadas, mas, apenas em relação à ilicitude das provas, deixo de acatá-lo para analisar a questão junto ao mérito.

No mérito, estou igualmente de acordo com a judiciosa análise envolvendo o primeiro fato exposto no recurso, referente a doações de refeições, uma vez que inexistente prova suficiente para a caracterização de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Somente em relação ao segundo fato enfrentado, relacionado à exigência de apoio político para a manutenção do emprego de vigilantes, com as devidas vênias, divirjo do Relator.

Quanto ao ponto, narra a petição inicial que, no dia 03.06.2020, Cidiléia Costa da Rosa, vigilante terceirizada que atuava na Câmara Municipal de Pelotas, na condição de “chefe” ou representante de seu grupo de colegas, foi chamada para uma reunião com então Chefe do Poder Legislativo Municipal, “que durou praticamente uma hora”.

Nessa reunião, o ora recorrente teria dito que havia conversado com o proprietário da empresa de vigilância para que mantivesse todos os trabalhadores que atuavam na Câmara Municipal e que ele, José Sizenando, como político, gostaria que os empregados trabalhassem para ele em campanha eleitoral, pois era candidato à reeleição.

Assim, conforme defendem os demandantes, houve flagrante corrupção eleitoral, pois José Sizenando teria feito pedido explícito de votos e de apoio político em troca da preservação dos empregos do grupo de vigilantes.

A prova do fato consiste em uma gravação ambiental realizada por Cidiléia, durante a referida reunião, sem o conhecimento de seu interlocutor, e em declarações escritas de outros três funcionários da empresa de vigilância, que teriam sofrido a mesma imposição do voto como condição à manutenção do emprego.

Em relação aos termos de declarações assinadas pelos demais vigilantes, o Magistrado sentenciante, com acerto, desconsiderou a prova, diante da impugnação da parte contrário, “suscitando-se dúvida se realmente estavam vinculados ao falecido primeiro suplente, e atuando em favor e a pedido deste, como referiu o réu”.

De fato, as declarações foram produzidas de forma unilateral, sem reconhecimento de firma e não foram integralmente corroboradas em juízo por meio da oitiva de respectivos vigilantes.

Ouvido em audiência judicial, Oziel Lages Salvador confirmou que assinou o termo e que seu conteúdo é verdadeiro. Esclareceu, ainda, que a declaração foi elaborada na sede do sindicato, na presente do seu presidente, mas não ninguém lhe ditou o que foi escrito.

Cabe enfatizar que o Presidente do Sindicato de Vigilantes é marido de Cidiléia, a qual admitiu, em depoimento, que havia diversas disputas políticas e profissionais entre seu cônjuge e José Sizenando.

Também chama a atenção que os vigilantes, provavelmente representados por seu sindicato, nunca tiveram problemas com os presidentes anteriores.

No aspecto, Oziel relatou que ingressou na Câmara em outubro de 2015 e que “sempre trocou de empresa e a gente continuou trabalhando na Casa”. Afirmou que trabalhou em várias empresas lá dentro, dizendo: “entrei pela Conseg, passei pela Prisma, pela empresa Pelotense e pela JLCD, (…), tudo dentro da Casa”. Referiu que “passou vários Presidentes da Câmara e nunca tiveram esse problema (…), nunca tiveram problema com demissões, sempre mantiveram o quadro de segurança”.

O referido vigilante aduz que entrou pela Conseg, “na época do vereador Ademar Ornel”, ou seja, justamente o primeiro suplente do representado e potencial beneficiário de eventual procedência da ação à época do ajuizamento, mas falecido em 15.01.2021, pessoa para quem o vigilante Oziel admitiu ter feito campanha eleitoral.

Por sua vez, Leandro Ribeiro Pedroso, cujo depoimento foi colhido como testemunha compromissada, disse que a declaração foi elaborada no escritório de Ademar Ornel, primeiro suplente à vaga do demandado, também responsável pelos demais termos, e que a assinou sem ler. Disse que a intenção de Ornel era ocupar a vaga de José Sizenando e, posteriormente, ocupar uma Secretaria, assim favorecendo Cauê, ora demandante e segundo suplente da vaga. Referiu, outrossim, que nunca realizou campanha para o demandado e que o grupo de WhatsApp não envolvida campanha eleitoral, mas questões de trabalho da vigilância da Câmara, como escalas de trabalho, uniformes, etc.

As circunstâncias peculiares envolvendo o vigilante Leandro Ribeiro Pedroso estão bem apreendidas no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, consoante transcrevo:

A propósito, em postagem atribuída ao vigilante Leandro Ribeiro Pedroso e referida na inicial e na réplica (ID 44939283), consta vídeo12 que teria sido divulgado em tal grupo de Whatsapp, mostrando a aposição de voto na urna eletrônica ao vereador JOSÉ SIZENANDO. Com a inicial foi juntada declaração (ID 44939190) de Leandro no sentido de que fez a gravação e a enviou ao grupo. Ao ser ouvido na audiência de instrução na condição de testemunha compromissada, Leandro negou ter feito o vídeo cuja postagem lhe foi atribuída (Ids 44939189 e 44939190) e, ao ser confrontado com sua declaração, disse que a assinou de “olho fechado” a pedido do vereador Ornel. Ressalte-se que na oportunidade o advogado do impugnante questionou a testemunha para que esclarecesse se teria sido procurada pela parte contrária antes do depoimento, o que não foi respondido.

 

Grifei.

 

Tais declarações de negativa do envio do vídeo e admissão de que a declaração escrita foi orientada por terceiro opositor da parte demandada denotam a inconsistência e dubiedade, por demais frágil para conferir suporte a um decreto condenatório.

Cabe destacar que, submetido o telefone celular de Leandro à perícia técnica pela Polícia Federal (ID 44939412), não foi possível ratificar o envio do aludido vídeo, consoante transcrevo:

f) Smartphone marca Motorola, modelo XT1920-19, IMEI A: 357214105570812, IMEI B: 357214105570820, contendo em seu interior SIMcard CLARO ICCID 89550532970058050310. SISCRIM nº 394/2021 – NUTEC/DPF/PTS/RS. Aparelho entregue por LEANDRO RIBEIRO PEDROSO.

 

Não foi localizado o vídeo onde consta a filmagem de votação junto à urna eletrônica em 2020. Foram localizados arquivos apenas dos dias 08, 09 e 10/06/2021, não havendo vídeos ou outros arquivos extraídos anteriores a estas datas, aparentando que teriam sido apagados do celular ou a extração não foi completa.

 

A mesma situação constou relatada pelo órgão de perícia técnica sobre o aparelho do vigilante Oziel Lages Salvador, como segue:

c) Smartphone da marca Samsung, modelo SM-J200BT, com IMEI A: 353514076253338 e IMEI B: 353515076253335. Não possui SIMcard em seu interior e nem cartão de memória, com a parte superior da tela frontal quebrada. SISCRIM nº 391/2021 – NUTEC/DPF/PTS/RS; Aparelho entregue por OZIEL LAGES SALVADOR.

 

Aparelho apresentado sem cartão de memória e SIMcard, da análise dos dados extraídos, não foram localizados arquivos relevantes/conexos aos documentos aportados na inicial e contestação. Foi localizado um grupo de WhatsApp intitulado “Vigilantes Câmara”, criado em 13/12/2019 e extinto e/ou usuários removidos em 19/05/20, neste grupo não foi localizado o vídeo em que teria sido filmada a urna eletrônica no momento da votação.

 

Logo, a prova de autoria da gravação de uma votação em urna eletrônica e de seu envio no grupo de WhatsApp restringe-se aos prints trazidos pelos demandantes na petição inicial, contestados pelos demandados e pelo próprio suposto autor da ação.

De todo modo, o fato de o vigilante Leandro ter enviado um vídeo com a sua suposta votação na urna eletrônica ao grupo de colegas no WhatsApp e da perícia técnica ter apurado mensagens apagadas, nada confirmam sobre possível coação exercida, a qual não pode ser meramente presumida a partir disso.

Rafael Ribeiro Ávila, por sua vez, não foi ouvido em juízo.

Logo, os termos escritos e os depoimentos, porquanto frágeis e contraditórios, resultam imprestáveis para a comprovação pretendida.

A situação não é diferente com relação à Cidiléia, responsável pela captação ambiental do áudio utilizado como prova, que afirmou ser dirigente sindical e que foi ouvida como informante por ser esposa justamente do Presidente do Sindicato dos Vigilantes de Pelotas, pessoa com quem o demandado tinha públicos atritos.

Portanto, é flagrante a proximidade dos vigilantes, supostas vítimas do ato abusivo e responsáveis pela totalidade das provas produzidas, bem como de seu sindicato, cujo presidente é notório desafeto do demandado, com a pessoa que se beneficiaria com a procedência da presente ação.

Seguindo, antes de adentrar na análise do conteúdo do depoimento de Cidiléia, cumpre referir que entendo como ilícita a gravação ambiental por ela realizada, em ambiente reservado, sem o conhecimento dos demais interlocutores e sem autorização judicial, conforme jurisprudência atual do Colendo TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CANDIDATOS A PREFEITO E A VEREADOR. GRAVAÇÃO AMBIENTAL EM AMBIENTE PRIVADO. ILICITUDE DA PROVA. PROVIMENTO.

1. Nos termos do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019. a gravação ambiental é possível para fins de investigação ou instrução criminal, por determinação judicial mediante requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, demonstrando que por outro meio a prova não poderia ser realizada e houver elementos probatórios razoáveis do cometimento de crime cuja pena máxima supere quatro anos.

2. Nos termos do § 4°, do artigo 8°-A da Lei n° 9.296/96, introduzido pela Lei n° 13.964/2019, a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento das autoridades legitimadas no caput do mesmo artigo somente poderá ser utilizada em matéria de defesa, no âmbito de processo criminal e desde que comprovada a integridade de seu conteúdo.

3. Num ambiente caracterizado pela disputa, como é o político, notadamente acirrado pelo período eleitoral o desestímulo a subterfúgios espúrios voltados a tumultuar o enlace eleitoral resguardando assim a privacidade e intimidade constitucionalmente asseguradas, deve ser intensificado, de modo que reuniões políticas privadas travadas em ambientes residenciais ou inequivocamente reservados não se aprazem com gravações ambientais plantadas e clandestinas, pois vocacionadas tão só ao uso espúrio em jogo político ilegítimo, recrudescendo a possibilidade de manipulações.

4. São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art 5°, da Constituição Federal Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral.

5. A compreensão aqui firmada não se afigura incompatível com a tese firmada pelo E. STF no RE n° 583.937 (QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 19.11.2009 -Tema 237), que teve como perspectiva o prisma da instrução criminal sobremodo distinto do aqui tratado por força de expressa norma constitucional (art. 5°, XII, parte final) e legal.

6. E tanto há distinção de enfoques que o próprio STF, no RE 1040515 (Rel. Ministro Dias Toffoli - Tema 979), afetou a discussão da necessidade de autorização judicial para legitimar gravação ambiental realizada por um dos interlocutores ou por terceiro presente à conversa, para fins de instrução de ação de impugnação de mandato eletivo, à luz do art. 5°, incs. II e XII da Constituição da República.

7. Agravo Interno provido para julgar improcedente a Representação proposta com base no art. 41-A da Lei 9.504/1997.

(Agravo de Instrumento nº 29364, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 206, Data 09/11/2021) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. CARGOS PROPORCIONAIS. COTA DE GÊNERO. SUPOSTA FRAUDE. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CASSAÇÃO DOS REGISTROS DE CANDIDATURA NA AIJE. MANUTENÇÃO PELA CORTE REGIONAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROVIMENTO PARA IMEDIATO JULGAMENTO DO ESPECIAL. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. PROVA ILÍCITA. ORIENTAÇÃO VIGENTE NA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. PROVAS REMANESCENTES. AUSÊNCIA DE ROBUSTEZ. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. RECURSO ESPECIAL NA AIME. DETERMINAÇÃO, PELO JUIZ ELEITORAL, DE APENSAMENTO AOS AUTOS DA AIJE. REMESSA À INSTÂNCIA SUPERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 55, § 1º, DO CPC. VIOLAÇÃO. PROVIMENTO. RESTITUIÇÃO AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU PARA REGULAR INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.1. A orientação jurisprudencial vigente neste Tribunal Superior é no sentido da ilicitude da gravação ambiental como meio de prova para fins de comprovação da prática de ilícito eleitoral, ainda que captado o áudio por um dos interlocutores, mas sem a aceitação ou ciência dos demais partícipes do diálogo (AgR–AI n. 0000293–64/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe de 9.11.2021, por maioria). 2. No que concerne à AIJE, as provas remanescentes, consideradas conforme a moldura do acórdão regional, não se revestem da robustez necessária à confirmação do decreto condenatório por suposta fraude à cota de gênero, razão pela qual a improcedência do pedido se impõe.3. O apensamento dos feitos eleitorais por conexão, à luz do disposto no art. 96–B da Lei n. 9.504/97, deve obedecer à diretriz processual estabelecida no art. 55, § 1º, do CPC, de modo a ser inviável a remessa à superior instância de autos de ação em curso no primeiro grau de jurisdição.4. No caso, portanto, viola o art. 55, § 1º, do CPC, a determinação, pelo juiz eleitoral e confirmada pelo TRE, de apensamento dos autos da AIME, pendente de instrução, aos da AIJE, devidamente sentenciada e relativamente à qual tramitava recurso eleitoral na Corte Regional.5. Agravo e recurso especial formalizados por Eliel Prioli e outro providos para julgar improcedentes os pedidos formulados na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), determinando–se, independentemente da publicação do acórdão, o restabelecimento da totalização das eleições proporcionais de Monte Azul Paulista/SP, computando–se como votos válidos os votos recebidos pelos partidos e por seus candidatos a vereador. Recurso especial formalizado por Fabio Aparecido Balarini e outro provido, para determinar o desapensamento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) e seu retorno ao juízo eleitoral para regular processamento e julgamento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060053094, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 59, Data 01/04/2022) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DE PODER. PREFEITO. VICE–PREFEITO.

Recurso de Samuel Garcia Salomão

Ausência. Interesse recursal. Inexistência. Condenação. Participação. Fatos abusivos. 1. O recorrente não possui interesse recursal ante a ausência de sucumbência nos autos. 2. Recurso desprovido.

Recurso especial de Norair Cassiano da Silveira e outro

3. "São clandestinas e, portanto, ilícitas as gravações ambientais feitas em ambiente privado, ainda que por um dos interlocutores ou terceiros a seu rogo ou com seu consentimento, mas sem o consentimento ou ciência inequívoca dos demais, dada inequívoca afronta ao inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal. Ilícitas, do mesmo modo, as provas delas derivadas, não se prestando a fundamentar condenação em representação eleitoral" (AgR–AI nº 293–64/PR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7.10.2021, DJe de 9.11.2021). 4. Nos termos do art. 368–A do Código eleitoral, "a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato". 5. Recurso provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060070930, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 145, Data 02/08/2022) Grifei.

 

As garantias da inviolabilidade da privacidade e da intimidade não são afastadas pela circunstância de a conversa ter ocorrido no interior do Gabinete do Presidente da Câmara Municipal, que, embora contido em um bem público, representa um espaço de reservado, então restrito a três pessoas previamente definidas, José Sizenando, Cidiléia e o então Consultor Jurídico do Poder Legislativo, Felipe Matielo, reunidas para tratarem de assuntos afetos ao funcionamento da Casa.

No mesmo norte, destaco recente julgado do TRE-MG:

Recurso Eleitoral. AIJE. Eleições 2020. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41–A, da Lei 9.504/97. Abuso de poder político e econômico. Art. 22, LC 64/90. Sentença de parcial procedência. Cassação dos diplomas e cominação de multa e inelegibilidade. 1 – ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL JUNTADA COM A PETIÇÃO INICIAL.Arguição de ilicitude em sede de preliminar. Análise como matéria de mérito, por não se referir à irregularidade processual e confundir–se com o próprio mérito.Alegação de que a gravação ambiental é ilícita, nos termos do art. 5º, X, da CRFB, pois foi feita de forma clandestina, por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais e em ambiente privado.Alterações na jurisprudência do TSE sobre a licitude da gravação ambiental. Precedentes. Autos nº 0000293–64.2016.6.16.0095, 0000634–06.2016.6.13.0247 e 000385–19.2016.6.10.0092. Retorno ao entendimento pela ilicitude das gravações realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, agora com base no art. 8º–A, da Lei nº 9.296/96, incluído pela Lei nº 13.964/2019, e em maior extensão. Gravação de áudio de reunião realizada no gabinete do Prefeito, sem o conhecimento dos demais interlocutores. Embora a sede Prefeitura seja um bem público, não é um bem de uso comum do povo, mas, sim, um bem público de uso especial. Não se pode presumir que o interior do gabinete do Prefeito seja de acesso do público em geral, uma vez que se trata de local com controle de acesso e de uso restrito. Participantes convocados previamente para participarem da reunião, que não foi aberta ao público em geral, ou seja, foi realizada com pessoas definidas. Configuração de gravação clandestina. Ilicitude. DECLARAÇÃO DA ILICITUDE E AFASTAMENTO DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL E (áudio de ID 70308738). (...). IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO PREJUDICADO.

(TRE-MG - RE: 06008412520206130211 CRUZEIRO DA FORTALEZA - MG 060084125, Relator: Des. Patricia Henriques Ribeiro, Data de Julgamento: 05/04/2022, Data de Publicação: 18/04/2022) Grifei.

 

Não bastasse a ilicitude da prova e as que dela derivam, Cidiléia alegou que captou a conversa para se proteger de pressões e que a reunião teve cerca de uma hora de duração, porém consta nos autos um diminuto fragmento de, no máximo, de 41 segundos, alguns dos quais com falas incompreensíveis (ID 44939413).

Conforme afirmado na peça inicial, a reunião ocorreu em 03.06.2020, porém a gravação somente chegou aos conhecimento das autoridades em 31.12.2020, por ocasião do ajuizamento da presente demanda.

Aqui, faço uma observação sobre o tempo transcorrido entre os fatos e a propositura da ação. Isso porque os votos atribuídos ao demandado ajudariam o demandante e poderiam elegê-lo. Somente depois, conhecendo o resultado do pleito e podendo analisar o impacto de eventual nulidade dos votos, é que decide ingressar com a ação.

Por sua vez, o relatório técnico emitido pela equipe de perícia da Polícia Federal (ID 44939412), após análise do telefone celular de Cidiléia, atesta que a versão completa e original do arquivo de áudio foi excluída e substituída por outro, mais recente e de curtíssima duração, in verbis:

Foram verificados os arquivos constantes da extração realizada pelo SETEC/DPF/PTS, não sendo encontrados outros arquivos relevantes relacionados aos fatos investigados. Em pesquisa específica sobre o áudio que acompanha a inicial, identificado no evento 07 – AUDIOS ANEXOS (gravação 01.mp3), este arquivo foi localizado, porém em uma versão maior da conversa, denominado “Câmara Presidente Pedindo(2).mp3”. Trata-se de uma gravação ambiental, gravada diretamente com o aparelho celular de um dos interlocutores, in casu, Cidiléia, conforme áudio em anexo.

 

Efetivamente, comparando-se os arquivos de áudio, o constante da inicial tem 23 segundos, já o localizado no celular apresentado possui 41segundos, sendo que o primeir o está contido no segundo. O primeiro corresponde ao final do segundo.

 

Outro aspecto que se apresenta é a diferença de datas dos arquivos, sendo que não foi localizado o arquivo apresentado na inicial na respectiva data citada (03/06/20), em contato com Cidiléia esta referiu que seria 08/07/20 a data do arquivo, no entanto o arquivo localizado, em sua versão mais longa, possui data de 28/08/20.

 

Em contato com o setor responsável pela extração, sobre a data do arquivo, fomos informados de que se trata de um meta dado, não estando necessariamente a data vinculada ao teor da conversa, podendo, portando, haver diferenças.

 

Ou seja, trata-se de mera passagem de 41 segundos decorrente de uma reunião de uma hora e, mesmo enfrentando o mérito da prova, os pontos audíveis do diálogo, evocativos de alguma discussão sobre troca de favores com menção à palavra “campanha”, são enunciados como cogitação ou possibilidade, tais como: “Eu poderia ter dito assim: Troca todos que eu quero indicar os meus” e “hoje eu posso dizer assim ó, troca a Léia e bota um meu”.

No caso concreto, independentemente de qualquer valoração sobre o conteúdo anímico da denunciante Cidiléia, a gravação ambiental fornecida é manifestamente precária, duvidosa e incompleta.

A ausência dos diálogos subjacentes não permite que se conclua de modo seguro e cabal sobre a ocorrência de abuso ou corrupção eleitoral por meio da exigência do voto como condição à preservação do emprego, pois não é possível aferir o contexto, os diálogos prévios ou a efetiva conclusão da conversa.

Registro que, talvez, tal circunstância pudesse ser facilmente superável com a juntada de trecho mais longo do diálogo, o que, porém, não foi realizado e parece ter sido inviabilizado pela própria autora da gravação clandestina.

Assim, entendo que a prova, mesmo se aceita, é de pouca confiabilidade pelo fato de se tratar de mera passagem de longo diálogo, pinçada conforme os interesses dos demandantes, impossibilitando a compreensão de seu contexto.

Não fosse, isso, ouvida em juízo, Cidiléia esclareceu que não é chefe dos vigilantes, mas dirigente sindical, e reuniu-se com José Sizenando para tratar de questões afetas à fiscalização das condições de trabalho dos vigilantes e sobre atrasos de pagamentos.

Ainda conforme o relato de Cidiléia, o vereador José Sizenando disse que, como ele “segurou” os vigilantes na empresa, por isso “gostaria” que eles trabalhassem para a sua campanha, tendo ela interpretado a afirmação como uma ameaça de demissão. Mencionou também que foi efetivamente demitida em 12.07.2020, ou seja, antes do período eleitoral.

De seu turno, o recorrente, em suas razões, ratifica que solicitou o apoio da vigilante, mas não o exigiu para a manutenção do emprego, e que o restante da conversa foi excluído do celular da denunciante justamente para não expor o verdadeiro contexto das falas e possibilitar o uso do breve trecho em desfavor do vereador. Assevera, ainda, que, na época, a vigilante foi demitida pela empresa terceirizada em razão do encerramento do contrato de trabalho e pretendia uma retaliação contra o recorrente.

De fato, o pedido de voto ou apoio, por si só, não é suficiente para a configuração do abuso ou corrupção, porquanto comporta recusa ou adesão voluntária.

É necessário, portanto, uma prova idônea e clara da imposição do voto sob pena de consequências negativas para aqueles que recusassem a convocação, o que não se verifica no áudio e no vídeo juntados ao feito e, menos ainda, nos depoimentos em juízo dos vigilantes Oziel, Leandro e Cidiléia.

Em resumo: conjunto probatório é absolutamente insuficiente para justificar a cassação de mandato, mormente diante da situação posta, em que a peça chave da acusação, Cidiléia, era casada com o Presidente do Sindicato, pessoa com quem o representado mantinha severos atritos.

As cartas acusatórias, por sua vez, foram firmadas dentro do sindicato, na presença de seu presidente ou no escritório de Ornel, primeiro suplemente e beneficiário imediato da ação. Os fatos revelam que os mesmos vigilantes se mantinham nos mesmos cargos apesar da troca de empresas de segurança, ao que tudo indica, diante da influência do sindicato junto aos ex-presidentes, dentro os quais, novamente, Ornel.

Nesse contexto, fica extremamente claro que os presidentes da Casa Legislativa, de fato, podiam influenciar na permanência dos servidores, o que parece ter sido usual até a chegada de José Sizenando, quando o fato rigorosamente não aconteceu, não havendo prova do apontado na exordial.

Nos termos da jurisprudência do TSE, a procedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo requer “prova inconteste e contundente da ocorrência do ilícito eleitoral, inviabilizada qualquer pretensão articulada com respaldo em conjecturas e presunções” (RO n. 060000603, Acórdão, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 02.02.2021).

Por tais razões, ante a insuficiência das provas vertidas dos autos, não se pode concluir pela prática de abuso do poder, corrupção ou fraude, uma vez que não existe prova robusta e inconteste nesse sentido, impondo-se a reforma da sentença a fim de julgar improcedente a ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.