REl - 0600707-22.2020.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, consigno que o recorrente, em 24.8.2022, após a inclusão em pauta de julgamento do feito, na sessão de 29.8.2022, apresentou petição (ID 45055391) sustentando a ilicitude probatória, matéria que não estaria sujeita à preclusão, segundo argumenta. Postula a baixa do feito em diligência para intimação da parte contrária.

Para análise da petição, retirei o feito de pauta.

Em 29.8.2022, o recorrido apresentou petição manifestando-se quanto à ilicitude da gravação ambiental e a alegação de preclusão e decadência quanto à apresentação do rol de testemunhas, esta última somente trazida em memoriais.

Passo a analisar as alegações de ilicitude da gravação ambiental (memoriais e petição de ID 45055391) e intempestividade do rol de testemunhas.

O recorrente manifestamente inova em sua peça recursal, matérias que, independentemente de sua natureza jurídica (pública ou privada), restam preclusas, nos termos da reiterada jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. VEREADOR. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97). AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DISCUSSÃO ACERCA DA VEDAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO NA SEARA ELEITORAL. ART. 105-A DA LEI Nº 9.504/97. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE DESPROVIMENTO.

1. O agravo regimental reclama, para o seu provimento, que os fundamentos da decisão agravada sejam especificamente infirmados, sob pena de subsistirem suas conclusões.

2. A tese assentada na ilicitude das provas por alegada inadmissibilidade de instauração de inquérito civil público na esfera eleitoral, nos termos do art. 105-A da Lei das Eleicoes, foi ventilada pela vez primeira nas razões do agravo regimental, configurando inovação recursal inadmitida pela jurisprudência desta Corte.

3. Agravo regimental desprovido e consequente prejuízo da Ação Cautelar nº 9451/RN vinculada a este processo, cujas ordens liminares de concessão de efeito suspensivo ao recurso especial e de manutenção do ora Agravante no cargo de vereador tornam-se insubsistentes.

(TSE - RESPE: 00002003720126200061 PEDRO VELHO - RN, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 01/12/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 052, Data 16/03/2016, Página 29/30) (Grifo nosso)

 

Como cediço, cumpria ao recorrente alegar as aventadas nulidades ainda perante o juízo de primeiro grau.

Nessa linha, confiram-se ainda os seguintes julgados da Corte Superior:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO (AIME). REPRESENTAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ARRECADAÇÃO E GASTOS ILÍCITOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. ARTS. 22 DA LC 64/90, 41-A E 30-A DA LEI 9.504/97.

[...]

3. Todavia, a matéria foi suscitada apenas em sede de terceiros embargos declaratórios opostos perante a Corte a quo, tendo-se operado a preclusão, porquanto incabível conhecer de nulidade tardiamente aduzida, sem que houvesse óbice anterior para sua oportuna arguição, ainda que envolva matéria de ordem pública. Precedentes.

4. Assim, não se admite que o agravante, em notória afronta ao princípio da boa-fé objetiva (art. 5º do CPC/2015), se utilize de reserva tática com o propósito de se beneficiar posteriormente de sua própria omissão no processo – a conhecida nulidade “de algibeira” ou “de bolso”.

[…]

12. Agravos internos a que se nega provimento.

(TSE - AI: 69359201660900000132 APARECIDA DE GOIÂNIA - GO, Relator: Min. Og Fernandes, Data de Julgamento: 24/09/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 216, Data: 27/10/2020.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. APRESENTAÇÃO POR ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PRECLUSÃO. IRREGULARIDADES QUE CONTAMINARAM PERCENTUAL ELEVADO DAS CONTAS. VALOR NOMINAL SIGNIFICATIVO. APLICAÇÃO LIMITADA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS ENFRENTADOS EM DECISÃO INDIVIDUAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 26 DO TSE.

1. A nulidade processual só pode ser pronunciada quando estiver demonstrado o efetivo prejuízo para a parte, devendo ser suscitada na primeira oportunidade que couber ao interessado se manifestar nos autos, sob pena de preclusão.

[...] Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE: AgR-REspe n. 1266-92/MS, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 8.11.2016, DJe de 21.11.2016)

 

Sob outro enfoque, é sólida a jurisprudência eleitoral no sentido de que não se declara a nulidade de ato processual sem a demonstração de efetivo prejuízo, na forma prescrita pelo art. 219 do Código Eleitoral, verbis: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

A esse respeito, o seguinte julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VII, DA LEI Nº 9.504/97. PREFEITO. CANDIDATO A REELEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE DESTAQUE. JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL MEDIANTE VOTAÇÃO EM LISTA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. REJEIÇÃO.

[…]

5. Vigora nos feitos eleitorais o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual o reconhecimento de eventual nulidade de ato processual é condicionado à demonstração de real e efetivo prejuízo, o que não ocorre nestes autos. 6. Embargos de declaração rejeitados.

(TSE - REspEl: 06000573020196240000 SOMBRIO - SC, Relator: Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Data de Julgamento: 15/10/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 221, Data 03/11/2020)

 

Não conheço, portanto, das alegações aduzidas por consubstanciarem inovação recursal (intempestividade do rol e ilicitude da gravação ambiental).

 

Preliminares do recurso

Passo agora a examinar as preliminares do recurso: (a) impossibilidade jurídica do pedido pelo descabimento da AIME, pois as condutas caracterizadas como captação ilícita de sufrágio foram praticadas antes do período de registro da candidatura, e (b) ilicitude da prova consubstanciada em prints de tela do Facebook.

(a) Impossibilidade jurídica do pedido pelo descabimento da AIME – Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

A Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) tem assento constitucional no art. 14, §§ 10 e 11, da Constituição Federal, sendo hipóteses de cabimento o abuso do poder econômico, corrupção ou fraude:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

§ 10 O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11 A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça,
respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé.

 

As condutas que podem caracterizar a procedência de uma AIME não são taxativas, constituindo atos ilícitos que extrapolam o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito, rompendo com a normalidade e legitimidade da eleição.

Nessa trilha, oportuno trazer à baila a doutrina de Rodrigo López Zílio (Direito Eleitoral - 8ª ed. rev., ampl. e atual., - São Paulo: Editora Jurispodivm, 2022, p. 717):

Portanto, da antinomia das normas, em uma interpretação sistemática, deve se sobrepor aquela que melhor observe o fim básico do Direito Eleitoral, que é a preservação da higidez da manifestação de vontade do corpo eleitoral. Em conclusão, não obstante a omissão do legislador constituinte ao estabelecer as hipóteses normativas do § 10 do art. 14 da CF, deve prevalecer o entendimento de que é cabível a apuração de toda e qualquer forma e espécie de abuso de poder – seja político, de autoridade, econômico ou uso indevidos dos veículos e meios de comunicação social – na AIME. (Grifo nosso)

 

Significa dizer, a ação constitucional (AIME) encontra lastro nas condutas que têm suficiente gravidade para ferir a normalidade e a legitimidade do pleito, não se confundindo com os critérios exigidos para outras ações eleitorais.

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Conceitualmente, o abuso de poder econômico constitui-se na utilização desproporcional de recursos financeiros em espécie, ou que tenham mensuração econômica, em proveito de uma determinada candidatura, partido ou coligação causando desequilíbrio entre os competidores do processo eleitoral.

O entendimento do TSE tem sido no sentido de que “o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura” (AgRg-Respe n. 105717/TO – j. 22.10.2019).

A corrupção pode ser conceituada como o negócio ilícito caracterizado pela relação personalizada entre o corruptor e o corrompido.

O TSE, ao julgar o REspe n. 73646/BA, j. 31.5.2016, assentou o entendimento de que “o vocábulo corrupção (art. 14, § 10, da CF/88) constitui gênero de abuso de poder político e deve ser entendido em seu significado coloquial, albergando condutas que atentem contra a normalidade e o equilíbrio do pleito”. Assim, a interpretação constitucional deste artigo consagra um significado aberto do termo corrupção, tal qual um conceito jurídico indeterminado, de modo a abarcar quaisquer condutas que afetem a legitimidade da eleição.

 Nesse sentido, ao considerarmos o termo corrupção em sentido lato como gênero de abuso de poder político, todas as condutas que possam comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito podem dar ensejo à propositura de Ação de Impugnação do Mandato Eletivo – AIME.

Portanto, não há que se falar em descabimento da AIME, pois ajuizada no prazo decadencial de 15 dias da diplomação, descrevendo condutas que, em tese, atingem o bem jurídico tutelado disposto no § 9º do art. 14 da CF: doação de refeições em ano eleitoral, por meio de assessoria; corrupção eleitoral configurada pela oferta de emprego em troca de apoio à campanha eleitoral; doação de sacola de alimentos em ano eleitoral; e, por fim, criação de vaga de estágio para benefício de terceiro de seu interesse. Ou seja, em tese, condutas configuradoras de abuso de poder político, abuso de poder econômico e corrupção, em que o réu teria promovido, participado ou tirado proveito pessoal.

Quanto à capitulação legal, a Súmula n. 62 do TSE é expressa no sentido de que os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.

Nesse sentido, recentíssimo julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVOS EM RECURSO ESPECIAL. PRIMEIRO AGRAVO NÃO CONHECIDO. INTEMPESTIVIDADE. SEGUNDO AGRAVO. FUNDAMENTOS PARCIALMENTE REFUTADOS. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE AGENTES PÚBLICOS EM HORÁRIO DE EXPEDIENTE E DE BENS MÓVEIS PÚBLICOS EM PROL DE CANDIDATURA. CARACTERIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. PRETENSÃO DE REFORMA DO ACÓRDÃO REGIONAL. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME. VERBETE SUMULAR Nº 24 DO TSE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. VERBETE SUMULAR Nº 62 DO TSE. SANÇÃO PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ISONOMIA E COERÊNCIA COM O PATAMAR FIXADO NA AIJE Nº 0608859–89/RJ. FATOS IDÊNTICOS. REDUÇÃO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO PARA PROSSEGUIMENTO NA ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL. APELO NOBRE PARCIALMENTE PROVIDO TÃO SOMENTE PARA REDUZIR O VALOR DA SANÇÃO PECUNIÁRIA.

1. Na espécie, o Tribunal local condenou o representado ao pagamento de multa no valor de R$ 106.410,00, em razão da prática da conduta vedada delineada no art. 73, I e III, da Lei nº 9.504/1997, consubstanciada na utilização de maquinário público e de serviços de agentes públicos em horário de expediente a fim de que participassem de reunião de cunho político–eleitoral em prol das candidaturas dos demais representados.

2. Concluir de forma diversa do TRE/RJ, a fim de afastar a caracterização da conduta vedada e julgar improcedente a demanda, implicaria, inevitavelmente, nova incursão no caderno probatório coligido no feito, medida vedada na atual fase processual, por força do Verbete Sumular nº 24 do TSE.

3. Não há falar em julgamento extra petita na hipótese em que o órgão julgador, com esteio nos elementos fáticos narrados na inicial e comprovados na instrução processual, atribui capitulação jurídica diversa da efetuada pelo autor da ação, a qual, como se sabe, não é vinculante. Verbete Sumular nº 62 do TSE.

4. Em um juízo de proporcionalidade e por questão de coerência, é forçosa a redução da multa imposta ao recorrente para o mesmo patamar fixado aos demais representados, que tiveram a sanção pecuniária que lhes foi imposta reduzida por este Tribunal Superior no julgamento da AIJE nº 0608859–89/RJ, que versa sobre os mesmo fatos.

5. Agravo em recurso especial parcialmente provido. Apelo nobre parcialmente provido tão somente para minorar o valor da multa imposta ao recorrente para R$ 15.000,00.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060795909, Acórdão, Relator(a) Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 167, Data 30/08/2022) (Grifo nosso)

Relativamente à alegação de incidência do art. 44, § 1º, da Resolução TSE n. 23.608/19 (intimação das partes quando os fatos narrados não correspondem à capitulação legal exposta na inicial), cuida-se de faculdade do magistrado. E, ademais, novamente aqui o recorrente traz esta alegação somente em memoriais.

Assim, não há que se falar em nulidade da sentença.

(b) Ilicitude das provas juntadas pelo autor, em razão da não comprovação de sua autenticidade por meio de ata notarial ou perícia.

As provas foram juntadas aos autos e submetidas ao contraditório, contudo não foram contestadas nas regulares oportunidades processuais, tendo incidência a preclusão da matéria.

Com efeito, a inicial colaciona um arcabouço de imagens extraídas das redes sociais do recorrente ou com ele compartilhadas por apoiadores.

Em sede de contestação, o ora recorrente não negou os fatos, tão somente alegou que as fotos seriam de maio de 2020, ou seja, anterior ao período de registro de candidatura.

Assim, não há controvérsia acerca da autenticidade das imagens, sendo aplicável à espécie o disposto no art. 374, inc. III, do CPC.

Com essas considerações, afasto as preliminares arguidas e passo ao exame do mérito recursal.

No mérito, cuida-se de recurso eleitoral interposto por JOSÉ SIZENANDO DOS SANTOS LOPES em face da sentença do Juízo Eleitoral da 034ª Zona de Pelotas, que julgou procedente o pedido formulado em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME ao efeito de cassar o mandato do Vereador José Sizenando Dos Santos Lopes.

No caso concreto, em que pese a exordial tenha elencado várias condutas, a sentença cassou o mandato do vereador em razão de duas condutas: a) promoção de doação de refeições em ano eleitoral, 2020, por meio do uso de assessores da Câmara de Vereadores; e, b) vinculação da manutenção do emprego aos vigilantes da Câmara de Vereadores em troca de apoio eleitoral.

(1) Doação de refeições em ano eleitoral, 2020, por meio de assessoria e uso de aparelho celular funcional para a prática abusiva.

Adianto que a sentença deve ser reformada no ponto.

Como é sabido, a AIME possui um ônus dúplice, ou seja, há de se provar a existência de alguma das hipóteses elencadas no § 10 do art. 14 da CF, isto é, abuso do poder econômico (também entrelaçado com abuso do poder político), corrupção ou fraude, e que haja gravidade nas circunstâncias apta a macular a legitimidade e a normalidade do pleito (§ 9º do art. 14 da CF).

 Não há controvérsia acerca da existência do fato, pois efetivamente houve a distribuição das marmitas pelo Vereador Sizenando, que também era o Presidente da Câmara de Vereadores, com o apoio de seus assessores, registrado pelo celular funcional do recorrente. Igualmente, não há dúvida de que as postagens acostadas com a petição inicial se referem a 13, 15 e 28 de maio e 8 de junho de 2020.

As eleições de 2020 ocorreram em cenário atípico, no qual se vivenciava o primeiro ano da pandemia do Covid-19, sendo que as convenções partidárias tiveram início apenas em 31.8.2020.

As mensagens e fotos foram postadas em páginas pessoais dos participantes da ação, a exemplo de Carmem Quevedo, Ana Paula Braga e Luis Carlos Silva que mencionam o vereador e “marcam” o seu perfil, o que reforça o caráter espontâneo das divulgações.

Ademais, as ações ocorreram em momento muito distante do início do período eleitoral, quase 3 meses antes das convenções, sem que haja prova exata quanto ao número de refeições e pessoas envolvidas, tampouco a frequência dos fatos.

Acrescenta-se, ainda, que as únicas divulgações de fotografias em que o recorrente aparece nitidamente entre os demais participantes foram realizadas na página pessoal do próprio José Sizenando, conforme trazido pelos demandantes em réplica (ID 44939283), e datam de 31.3.2020.

Não ignoro jurisprudência do TSE no sentido de que inexiste óbice a que o abuso de poder seja reconhecido com base em condutas praticadas antes do pedido de registro de candidatura.

Todavia, a distância do fato em relação ao pleito e a ausência de renovação das condutas com a aproximação do período eleitoral são fatores que mitigam a potencialidade necessária para afetar a lisura das eleições e a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Da mesma forma, não há elementos mínimos pelos quais se possa concluir que a atuação dos servidores públicos da Câmara Municipal ocorreu mediante imposição ou coação decorrente da superioridade hierárquica do candidato, de modo a induzir ao engajamento forçado àquelas atividades.

Em realidade, nada haveria de irregular na participação voluntária dos aludidos servidores em ações de cunho social ou partidário, desde que efetuadas fora do horário normal de expediente e sem o uso de instrumentos públicos.

Entretanto, não existe alegação ou comprovação mínima de que os agentes públicos estavam realizando as atividades contra as suas vontades ou em horário de trabalho.

Outrossim, a única suposta evidência de uso de recursos públicos para a ação social seriam as fotos tiradas com o telefone funcional do vereador para publicação nas redes sociais.

Ainda que o fato seja incontroverso, representa conduta de impacto nulo ou insignificante sobre o patrimônio público, facilmente substituível pelo telefone particular de qualquer pessoa, sendo incapaz de gerar qualquer tipo de vantagem ou privilégio ao concorrente.

De seu turno, a Ata n. 03/19 (ID 44939215), da “Associação Comunitária Zona Sul e Vilas Vizinhas”, lavrada em 30.12.2019, demonstra que o veículo utilizado nas distribuições de alimentos, reconhecido como “Ambulância Comunitária”, pertencia à própria entidade associativa, e não ao Vereador ou à sua equipe de Gabinete.

Além disso, consta no documento que o bem recebeu um adesivo com o nome de José Sizenando dos Santos Lopes Junior, filho do requerente, como forma de homenagem póstuma, uma vez que importante colaborador da entidade e, inclusive, doador do veículo em questão, conforme transcrevo:

A) Falou sobre o falecimento do nosso amigo e colaborador José Sizenando dos Santos Lopes Junior que foi uma perda grandíssima para a sociedade e para a associação em razão da grande pessoa que era e o quanto ajudava a associação, todos falaram emocionados sobre seus sentimentos. A Sra. Daniela Jaekel emocionada deu a ideia que por gratidão e reconhecimento a ele deveríamos homenagear ele (José Sizenando dos Santos Lopes Junior) no mínimo colocando o nome da nossa ambulância de “José Sizenando Jr.” uma vez que a mesma foi doada por ele, que quando ele nos doou nos disse “que estava fazendo essa doação em nome da Vozinha dele” (Vó Nina) que essa homenagem, estaríamos homenageando os dois, após varias falas e emoções ficou acertado que a ambulância seria batizada com o nome dele. Logo após o Sr. Fernando ficou encarregado de fazer os adesivos para colocar na ambulância. Com muitas lágrimas passamos para a próxima pauta.

 

Percebe-se, portanto, que a entrega de alimentos a pessoas carentes é atividade de longa data da Associação Comunitária, em parceria igualmente antiga da família de José Sizenando (é informado que Vó Nina seria uma das fundadoras da Associação), não havendo conotação eleitoral imediata na denominação do veículo utilizado com o nome “José Sizenando Jr.”, filho do recorrente.

Ainda que a petição inicial enfatize, com propriedade, que “a arte posta no veículo de entrega possui grande SEMELHANÇA com a arte utilizada pelo vereador no pleito eleitoral”, tal aproximação visual restringe-se ao tipo de fonte das letras, não havendo coincidência de cores ou de outros elementos gráficos.

Assim, embora oportunística, a semelhança não tem o condão de caracterizar a exploração eleitoral das ações da Associação Comunitária.

Em outro aspecto, o caderno probatório não contém elementos que identifiquem minimamente os eleitores beneficiados, a quantidade de eventos ou o volume de marmitas distribuídas em determinado espaço de tempo.

O TSE entende que o abuso de poder econômico “se caracteriza pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade e gravidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho” (TSE. AI 0000685-43.2016.6.14.0003; Relator: Min. Edson Fachin; julgado em 04.3.2021; DJE de 19.3.2021).

Na hipótese em análise, nenhum desses elementos restou demonstrado, inviabilizando, inclusive, mesmo em tese, o adequado dimensionamento da conduta em sua suposta gravidade.

Assim, muito embora a prova dos autos demonstre a estreita relação entre o recorrente e a Associação Comunitária, não há elementos suficientes para a caracterização de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.

Ressalto, ainda, que, apesar de a conduta assemelhar-se à tipificada no inc. IV do art. 73 da Lei n. 9.504/97, com ela não se confunde, pois não há demonstração de que as refeições tenham sido custeadas pelo poder público.

Assim, que tenho por dar provimento ao recurso nesse ponto.

(2) Quanto às alegações de promessa de manutenção de emprego em troca de apoio eleitoral.

Em relação ao item, assim se manifestou a decisão a quo (ID 44939444):

[…]

IV – Não bastasse tal conclusão, agiu também de forma censurável o réu no que tange às alegações de oferta de emprego em troca de apoio eleitoral, assim resumidas:

Ocorre que, no dia 03 de junho do corrente ano, a senhora CIDILÉIA COSTA DA ROSA, funcionária da Empresa supracitada, na qual exerce a função de vigilante, foi chamada para uma reunião com o vereador/presidente da Câmara, José Sizenando. A reunião durou praticamente uma hora. Segundo a senhora Cidiléia, antes de iniciar a reunião, ela teria comunicado ao senhor José Sizenando que não seria a pessoa mais indicada para tratar de assuntos concernentes às irregularidades apontadas pelo presidente do sindicado, referente à omissão de fiscalização por parte do Poder Público.

Sem saber qual a real intenção do Requerido, a vigilante gravou parte da reunião com o seu celular, a fim de se proteger de qualquer tipo de ameaça. No decorrer da conversa, o Presidente do Legislativo disse à funcionária que havia conversado com o proprietário da Empresa de Vigilância, pedindo a este que mantivesse nas suas vagas de emprego todos os vigilantes que atuavam na Câmara Municipal e que ele, José Sizenando, como político, gostaria que os empregados trabalhassem para ele em campanha eleitoral, pois era candidato à reeleição. Disse, ainda, que: “como político protegeria os funcionários vigilantes e estes ajudariam na política”

Com efeito, foi acostada aos autos gravação referente ao fato ora transcrito, noticiado na petição inicial, denotando interesse do requerido em manter o grupo de vigilantes contratado pelo Legislativo, se votassem a seu favor. No diálogo em questão, atestado por laudo técnico da Polícia Federal, há clara corrupção, e pedido explícito de apoio político em troca da manutenção de emprego envolvendo a vigilante Cidiléia:

“Tira todos que eu quero indicar os meus, então diria, a Léia é uma indicação de alguém, bom a Léia, hoje eu posso pedir assim ó, troca a Léia e bota um meu. Eu prefiro manter a Léia. Vou pedir Léia, me ajuda na minha campanha, pra fazer, isso eu pedi.”

Como referiu o Procurador do Autor, no curso do diálogo, o réu confessa que dispõe do privilégio de intervir na admissão e demissão de funcionários da empresa terceirizada de prestação de serviço de vigilância. E deixa claro na gravação que ele poderia substituir a referida funcionária por outro de sua confiança, caso a mesma não pudesse apoiá-lo no pleito eleitoral que se aproximava. Aliás, é necessário ratificar que a gravação foi efetuada no dia 03 de junho de 2020.

Se tinha ou não influência, ou poder para intervir em licitação, ao que parece dispensada, ou na contratação de terceirizados, vigilantes, pouco importa, na medida em que a simples menção de que aqueles que não o apoiassem poderiam ser demitidos já caracteriza ato de corrupção e abuso de poder, ao incutir nos subordinados receio de perderem o emprego.

 Mais se mostra agravada a conduta na medida em que o contestante não nega que fazia parte (por motivos não esclarecidos) de um grupo de “whatsapp” envolvendo os integrantes da equipe de vigilância, e por certo o receio gerado em relação a um deles, no caso Cidiléia, chefe dos demais à época, por certo tinha o condão de influir nos demais (deixo porém de considerar suposto lançamento de vídeo de votação na cabine eleitoral no referido grupo pela testemunha Leandro, não restando claro se houve incentivo por parte do candidato em questão, não se olvidando que tal conduta, negada, é atípica – Rodrigo López Zilio, Crimes Eleitorais, Juspodvm, 4ª ed. pg. 194).

E em que pese alegação de que houve equivocada interpretação da testemunha Cidiléia, pois na verdade o Vereador tão somente teria informado que gostaria de contar com os vigilantes em sua campanha, sem nada exigir, considerando que sempre os apoiou, não se sustenta tal versão, ante a gravação de áudio acostada. Os termos utilizados não dão guarida à versão declinada pelo contestante.

Restou claro o pedido de apoio político e explícita a garantia de que a vigilante seria mantida na função, se assim anuísse.

Aplicando-se subsidiariamente o Código de Processo Civil, e teoria da carga dinâmica da prova, incumbia ao réu desfazer tal presunção, ante as expressões utilizadas e melhor explicar a natureza do diálogo travado. Quedou-se inerte nesse sentido, em desconsideração ao art. 341 do referido diploma legal, que exige impugnação pormenorizada dos fatos alegados na inicial.

E quanto à gravação, envolvendo pessoa pública, em ambiente de atividade pública, reputa-se lícita, pois “o TSE sinaliza reconhecer a licitude da gravação ambiental, seja em ambiente público ou privado, realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial, relegando as excepcionalidades capazes de ensejar a invalidade do conteúdo gravado submetido à apreciação do julgador no caso concreto (REspe nº 40898/SC – j.09.05.2019)” (Rodrigo López Zilio, obra citada, pg. 657).

Assim, embora desconsideradas as declarações acostadas pelos demais vigilantes, de teor semelhante, suscitando-se dúvida se realmente estavam vinculados ao falecido primeiro suplente, e atuando em favor e a pedido deste, como referiu o réu, o fato é que tal conduta, somada ao fornecimento de refeições em ano eleitoral, denota grave fator de desequilíbrio na disputa eleitoral, tornando claro que JOSÉ SIZENANDO em mais de uma oportunidade não hesitou em usar a seu favor no pleito todo o aparato colocado a sua disposição pela Casa Legislativa.

 

No que refere à gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais e sem autorização judicial, em ambiente público ou privado, mantenho a posição desta Corte quanto à sua licitude.

No sentido da licitude da prova, cito os seguintes julgados relativos às eleições de 2020: REl 0600469-75, de minha relatoria, julgado na sessão de 28.11.2021; REl 0600412-08, relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 10.08.2021; REl 0600581-56, relator: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, da sessão do dia 20.10.2021; e REl 0600469-75, relator: Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, sessão de 28.11.2021, dentre outros.

Esta Corte também tem entendimento assentado de que a gravação ambiental pode ser usada como prova, desde que seja espontânea e registrada por um dos interlocutores da conversa. 

Não desconheço que o pacote “anticrime” (Lei n. 13.964/19) introduziu o art. 8-A na Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações, definindo que a captação ambiental deve ser realizada por autorização judicial mediante requerimento do Ministério Público ou da autoridade policial.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.040.515, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, interposto em sede de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME).

Assim, o STF ainda analisará a necessidade de autorização judicial para a utilização de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, ou por terceiro presente à conversa, como prova.

Todavia, considerando que ainda não houve julgamento da matéria, deve ser mantida a orientação jurisprudencial até o momento adotada, no sentido da licitude da prova.

Ademais, a Polícia Judiciária periciou 6 aparelhos celulares (ID 44939412), sendo que em relação ao telefone móvel de Cidiléia Costa da Rosa, cujo áudio pode ser conferido no ID 44939413, constou:

Transcrição do áudio localizado entre os interlocutores Léia e Presidente, onde a interlocutora Léia seria Cidiléia, e Presidente seria Sizenando, segundo depreende-se do histórico do celular analisado e cargo do segundo na Câmara de Pelotas.

...

Presidente: No meu entendimento, já não aconteceu.... que eu interferi no momento em que eu pedi pro rapaz não ter estorno... quando o rapaz se interessou, eu entendo como político que eu estou protegendo vocês.… inaudível.... tem que me ajudar na política.

Cidiléia: Sim, com certeza.

Presidente: Eu poderia ter dito assim: Troca todos que eu quero indicar os

meus.

Cidiléia: Sim, com certeza.

Presidente: Né... inaudível... indicação de alguém...inaudível. Bom Léia, o prazo terminou, hoje eu posso dizer assim ó, troca a Léia e bota um meu, eu preferi manter a Léia. Eu pedi, Léia! Se tu me ajudar na minha campanha, foi isso que eu pedi.

Cidiléia: Não, isso até almejo... inaudível... quando precisar… (Grifo nosso)

 

Na espécie, houve a contratação emergencial da empresa de vigilância Jeferson Luís Cabral Duarte Vigilância para a prestação de serviços de segurança na Câmara de Vereadores de Pelotas.

Conforme transcrição acima, resta evidente que o recorrente, valendo-se de sua condição de Presidente da Câmara, condicionou a manutenção do contrato com a empresa de vigilância ao apoio à candidatura de José Sizenando por Cidiléia Costa da Rosa, à época chefe dos vigilantes terceirizados. 

Ademais, havia um grupo de Whatsapp com a participação do recorrente e de vigilantes da empresa. O informante Jeferson Cabral Duarte, proprietário da empresa, disse que era um grupo “do pessoal do serviço” de “propaganda do vereador” e que pediu votos para o Vereador José Sizenando.

Soma-se ainda o fato de que o vigilante Leandro Ribeiro Pedroso divulgou vídeo no mencionado grupo de Whatsapp, no qual demonstra que teria realmente votado em José Sizenando.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 44972285):

A propósito, em postagem atribuída ao vigilante Leandro Ribeiro Pedroso e referida na inicial e na réplica (ID 44939283), consta vídeo que teria sido divulgado em tal grupo de Whatsapp, mostrando a aposição de voto na urna eletrônica ao vereador JOSÉ SIZENANDO. Com a inicial foi juntada declaração (ID 44939190) de Leandro no sentido de que fez a gravação e a enviou ao grupo. Ao ser ouvido na audiência de instrução na condição de testemunha compromissada, Leandro negou ter feito o vídeo cuja postagem lhe foi atribuída (Ids 44939189 e 44939190) e, ao ser confrontado com sua declaração, disse que a assinou de “olho fechado” a pedido do vereador Ornel. Ressalte-se que na oportunidade o advogado do impugnante questionou a testemunha para que esclarecesse se teria sido procurada pela parte contrária antes do depoimento, o que não foi respondido.

Digno de nota é o fato de que o chip/celular que Leandro Ribeiro Pedroso entregou para submissão à perícia pela Polícia Federal não tinha registros anteriores a 2021, não tendo sido localizado o vídeo em questão. Especificamente quanto a esse ponto, constou da Informação Técnica:

f) Smartphone marca Motorola, modelo XT1920-19, IMEI A: 357214105570812, IMEI B: 357214105570820, contendo em seu interior SIMcard CLARO ICCID 89550532970058050310. SISCRIM nº 394/2021 – NUTEC/DPF/PTS/RS. Aparelho entregue por LEANDRO RIBEIRO PEDROSO.

Não foi localizado o vídeo onde consta a filmagem de votação junto à urna eletrônica em 2020. Foram localizados arquivos apenas dos dias 08, 09 e 10/06/2021, não havendo vídeos ou outros arquivos extraídos anteriores a estas datas, aparentando que teriam sido apagados do celular ou a extração não foi completa.

(Grifou-se)

A propósito, cumpre referir manifestações da parte autora apontando que o decurso do tempo redundaria em prejuízo à prova pericial, o que de fato ocorreu. Nesse aspecto, mostra-se pertinente seu argumento vertido em sede de memoriais:

Todavia, estranhamente, o vigilante, Leandro Pedroso (o mesmo funcionário que postou o vídeo no grupo), quem aderiu à campanha do réu, foi o único recontratado pela empresa de vigilância pelo Poder Legislativo, ainda na vigência do mandato de Presidente do Demandado.

(...)

Em seu depoimento, a testemunha afirmou nunca ter participado do grupo de whatsapp, composto apenas pelos vigilantes da Câmara Municipal de Pelotas, pelo proprietário da empresa de vigilância e pelo impugnado.

Além disso, o depoente afirmou, em diversas ocasiões, que nunca postou vídeo no grupo conferindo seu voto ao demandado.

Salienta-se, ainda, que, mesmo após ser confrontado com as imagens do vídeo, a testemunha continuou reafirmando que o referido vídeo não foi feito por ele, assim como não teria sido publicado no grupo, conforme as imagens abaixo:

(...)

Em razão disso, frisa-se o conteúdo do vídeo acostado aos autos, bem como a imagem da urna que aparece no vídeo, na qual consta um número de patrimônio da urna eletrônica, conforme a imagem abaixo:

(...)

Nesse sentido, destaca-se o número do patrimônio:

(...)

Logo em seguida, em consulta pública ao sistema de controle do TSE, verificou-se, com base no número de patrimônio apontado, que a referida urna eletrônica encontrava-se na seção eleitoral de n.º 0091, pertencente a 34ª zona eleitoral, do Município de Pelotas, conforme a imagem abaixo:

(...)

Nessa perspectiva, acentua-se o cadastro eleitoral da testemunha Leandro Ribeiro Pedroso, conforme a imagem extraída do portal eletrônico do TSE (ID 44939439):

(...)

Com efeito, as imagens juntadas pelo impugnante confirmam que Leandro Ribeiro Pedroso está cadastrado para votar na mesma seção e zona eleitoral em que localizada a urna em que teria sido lançado o voto a que se refere o vídeo questionado. Os memoriais chamam a atenção, ainda, para o fato de que o recorrente recebeu somente quatro votos nessa seção.

Nessas circunstâncias, e não olvidando da proibição a todos imposta de uso de celular/smartphone/câmera na cabine de votação, não há razão para se afastar a prova trazida pelo impugnante, pois condizente com os demais elementos carreados aos autos.

Outrossim, as informações contidas na inicial são confirmadas pelos testemunhos colhidos na audiência de instrução. Vejamos.

A testemunha Cidiléia Costa da Rosa, ao ser ouvida como informante, relatou que é sindicalista e esposa do Presidente do Sindicato dos Vigilantes, tendo permitido o ingresso deste na Câmara de Vereadores com o fim de verificar as condições de trabalho dos vigilantes, o que lhe ocasionou problemas. Em razão disso, foi chamada para uma reunião com o Presidente da Câmara, Vereador JOSÉ SIZENANDO, ocasião em que, “para se proteger”, fez a gravação do encontro utilizando seu telefone celular. No decorrer da conversa, JOSÉ SIZENANDO ofereceu a troca de apoio político pela manutenção do emprego na empresa de vigilância que prestava serviços à Câmara. Do diálogo gravado é possível apreender que o Presidente da Câmara tinha condições de fazer a oferta, pois, em suas próprias palavras, poderia influenciar a admissão e a dispensa dos vigilantes pela terceirizada. Cidiléia, que não aceitou a proposta, foi dispensada em julho de 2020.

[…]

Nesse sentido, a testemunha Oziel Lages Salvador declarou que, quando trocava a empresa que fazia a segurança da Câmara de Vereadores, os vigilantes eram mantidos nos postos de trabalho. Referiu que nunca tiveram problemas com os Presidentes anteriores. Afirmou que JOSÉ SIZENANDO lhe pediu voto, o que foi por ele negado, levando à sua dispensa alguns dias depois. Apesar de não ter participado do grupo de Whatsapp tomou conhecimento da sua existência, e chegou a ver o vídeo em que “um tal de Leandro” mostrou o voto na urna eletrônica no “número do vereador” (referindo-se a JOSE SIZENANDO). (grifo nosso)

 

Significa dizer, aqueles que não concordaram em apoiar a candidatura do recorrente tiveram seus contratos rescindidos.

Diante do cenário acima exposto, tenho que o recorrente cometeu ato de corrupção eleitoral em sentido lato ao oferecer/prometer permanência no emprego em troca de votos, caso fosse eleito.

Em relação à gravidade das circunstâncias, consigno abaixo a análise dos critérios qualitativos e quantitativos para a aferição da segunda conduta atribuída ao réu, quais sejam:

a) a conduta do agente: o vereador efetuou promessa de permanência no emprego a todos os trabalhadores na nova empresa de vigilância que assumiria o lugar da anterior em troca de voto e apoio político (trabalhar na campanha).

Na sentença, as declarações de 03 vigilantes foram desconsideradas, restando válida apenas a gravação envolvendo a vigilante Cidiléia Costa da Rosa (chefe dos vigilantes à época). Ressalta-se que este áudio foi periciado pela Polícia Federal (ID 44939412) como demonstrado acima.

Durante o diálogo, gravado e transcrito nos autos, o vereador afirma poder interferir na admissão e demissão de funcionários da empresa terceirizada de prestação de serviço de vigilância, deixando claro que poderia substituir a referida funcionária por outro de sua confiança, conforme se verifica no trecho que segue: “Tira todos que eu quero indicar os meus, então diria, a Léia é uma indicação de alguém, bom a Léia, hoje eu posso pedir assim ó, troca a Léia e bota um meu. Eu prefiro manter a Léia. Vou pedir Léia, me ajuda na minha campanha, pra fazer, isso eu pedi.”. (ID 44939191 e 44939413). Segue o diálogo em que o vereador diz que gostaria, como político, que os empregados trabalhassem para ele em campanha eleitoral, visto ser candidato à reeleição, pois “como político protegeria os funcionários vigilantes e estes ajudariam na política”.

Portanto, restou evidente do teor da conversa que o réu admite dispor do privilégio de intervir na admissão e demissão de funcionários da empresa terceirizada de prestação de serviço de vigilância e usou disso para constranger os servidores para que o apoiassem.

Nesse sentido andou bem a sentença a quo (ID 44939444) ao asseverar que:

Se tinha ou não influência, ou poder para intervir em licitação, ao que parece dispensada, ou contratação de terceirizados, vigilantes, pouco importa, na medida em que a simples menção de que aqueles que não o apoiassem poderiam ser demitidos já caracteriza ato de corrupção e abuso de poder, ao incutir nos subordinados receio de perderem o emprego.

 

b) a forma ou natureza do ato: utilização da máquina pública para benefício próprio, por meio de sua interferência na contratação de funcionários perante a empresa de vigilância terceirizada da Câmara Municipal.

c) a finalidade do ato: auferir votos e vantagem eleitoral mediante atos de campanha utilizando de contratados terceirizados da Casa Legislativa.

d) os efeitos do ato (cronológicos, quantitativo e de impacto no eleitorado):

Quanto ao critério cronológico, no dia 03 de junho de 2020, mesma data que ocorreu a reunião entre o vereador e a vigilante Cidiléia, por meio de contratação emergencial, a Câmara Municipal de Pelotas firmou contrato com a empresa Jeferson Luis Cabral Duarte Vigilância (CNPJ sob n. 09.263.853/0001-90) para a prestação dos serviços de guarda.

Muito embora apenas Cidiléia tenha participado da aludida reunião, impende destacar que a oferta/ameaça foi extensiva aos demais vigilantes da Prefeitura de Pelotas. É o que se extrai da degravação realizada pela Polícia Federal em trecho que segue: “Presidente: Eu poderia ter dito assim: Troca todos que eu quero indicar os meus” (ID 44939412 e 44939413), de modo que não se pode tratar como um caso isolado, envolvendo apenas uma vigilante.

Ademais, Cidiléia era chefe dos vigilantes à época e, assim, inequívoca sua influência sobre os demais colegas, tanto que quem foi chamada para a reunião foi ela. Corroborando o contexto dos fatos soma-se a circunstância de o vereador participar do grupo de whatsapp dos vigilantes, sem qualquer explicação para tanto.

Além disso, a ameaça de perda do emprego tem o potencial de atingir não somente os vigilantes individualmente, de sorte que ao menos o núcleo familiar desses funcionários seria prejudicado caso a ameaça fosse cumprida. Certamente, a ameaça de perda do emprego ou a promessa de permanência não se consubstancia em ato isolado no contexto da eleição, mas de vantagem sobre uma coletividade de eleitores, o qual envolveu toda uma classe de trabalhadores e, por via de consequência, seus familiares.

Além disso, repita-se, a mínima diferença de sufrágio entre o vereador e seu suplente foi de 75 votos, o que reforça o aspecto quantitativo do ato.

Acrescenta-se, ainda, a posição preferencial da AIME como instrumento previsto na Constituição Federal para combater e proteger a normalidade e legitimidade do pleito:

“[...]

Ação de impugnação de mandato eletivo. Ação de investigação judicial eleitoral. Prefeito e vice. Abuso de poder econômico e político. Captação ilícita de sufrágio. [...] Multiplicidade de ações eleitorais. AIJE e AIME. Identidade fática. Proeminência da ação de impugnação de mandato eletivo. Preferred position da AIME no processo eleitoral. Única ação eleitoral com assento constitucional. Reunião das ações na AIME. [...]

1. A ação de impugnação de mandato eletivo (AIME) ocupa uma preferred position em relação às demais ações eleitorais, ante a jusfundamentalidade formal e material insculpida pelo constituinte de 1988. a) A ação de impugnação de mandato eletivo, sob o prisma formal, foi positivada no Título dedicado aos Direitos e Garantias Fundamentais, especificamente no art. 14, §§ 10 e 11, da CRFB/88, à semelhança dos demais remédios constitucionais (e.g., habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção e ação popular). b) A importância da AIME, examinada por um viés material, decorre do fato de ser a única ação eleitoral gravada com lastro constitucional para retirar um agente político investido no mandato pelo batismo das urnas, de ordem a mitigar, se julgada procedente, o cânone da soberania popular, porquanto tal investidura somente ocorreu por vilipêndio aos valores mais caros aos reitores do prélio eleitoral.

2. A ratio essendi da ação de impugnação de mandato eletivo é impedir que os mandatos eletivos sejam desempenhados por candidatos eleitos que adotaram comportamentos censuráveis durante o prélio eleitoral, com vilipêndio aos valores mais caros ao processo político, tais como a igualdade de chances entre os players da competição eleitoral, a liberdade de voto dos cidadãos e a estrita observância das disposições constitucionais e legais respeitantes ao processo eleitoral.

3. A legitimidade, a normalidade e a higidez das eleições se afiguram pressupostos materiais para a investidura idônea do cidadão mais votado no escrutínio das urnas, bem como para a consequente fruição de seu mandato eletivo.

4. O regime jurídico-constitucional da ação de impugnação de mandato eletivo encerra critério substantivo de racionalização dos feitos eleitorais, i.e., trata-se de um vetor hermenêutico que abranda a ausência de sistematicidade do processo eleitoral, seja porque possuem eficácia interpretativa, ao servir de filtro hermenêutico a guiar a atuação do magistrado, seja porque possuem eficácia negativa, ao obstar qualquer atuação do legislador infraconstitucional no sentido de subtrair sua máxima efetividade. […]

5. A ação de impugnação de mandato eletivo transcende a mera tutela de pretensões subjetivas (e.g., do titular que pretende não ter seu mandato eletivo desconstituído), conectando-se, precipuamente, com a salvaguarda de interesses transindividuais (e.g., a legitimidade, a normalidade das eleições, a higidez e a boa-fé da competição eleitoral), a revelar, com extrema nitidez, o caráter híbrido que marca o processo eleitoral.

6. A multiplicidade de ações eleitorais lastreadas em premissas fáticas idênticas, não raro com diferentes relatores (o que não é a hipótese dos autos, ressalva-se) e, muitas delas, com provimentos, senão os mesmos, muito assemelhados sob o ângulo das consequências jurídicas (e.g., cassação do registro ou do diploma, perda do diploma etc.) em nada contribui para a consecução de um processo célere, funcional e eficiente, e, portanto, capaz de atingir um dos escopos precípuos do processo que é a pacificação dos conflitos.

7. Referido arranjo normativo, ao revés, desafia a organicidade, a racionalidade e a eficiência da dinâmica processual eleitoral, máxime porque (i) possibilita a proliferação de ações com objetos idênticos, (ii) enseja a duplicidade de esforços envidados pelo Tribunal no enfrentamento de cada uma delas e (iii) propicia a possibilidade real de pronunciamentos divergentes acerca dos mesmos fatos, circunstâncias que geram um cenário de insegurança jurídica para o players envolvidos nas contendas eleitorais, e, no limite, testam diuturnamente a credibilidade da Justiça Eleitoral.

8. A racionalização imediata da atual gramática processual-eleitoral é medida que se impõe, no afã de conferir, de um lado, segurança jurídica a todos os envolvidos no processo (partes, advogados, Ministros e sociedade civil), e amainar, por outro lado, eventuais riscos que ponham em xeque a integridade institucional do Tribunal Superior Eleitoral, motivo por que o exame de todo o acervo fático-probatório em um único processo se afigura o modelo normativo funcionalmente adequado, a fim de se evitar atos processuais repetitivos e de se criar a indesejável insegurança jurídica.

9. Essa mesma racionalidade presidiu a argumentação desenvolvida, de forma precisa, pelo Ministro Dias Toffoli, no RCED nº 8-84, e encampada por esta Corte, no sentido da não recepção do inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral em face do art. 14, § 10, da Lei Maior: ‘há que se considerar as dificuldades decorrentes da admissibilidade de mais de uma ação eleitoral fundamentada em idênticos fatos e com o mesmo objetivo, qual seja, a desconstituição do diploma. Essa circunstância, além de proporcionar um número crescente de ações nesta Justiça Especializada, comprometendo a eficiência da prestação jurisdicional, traz o risco imanente de decisões conflitantes [...]’.

10. A proeminência da ação de impugnação de mandato eletivo não significa anulação das provas produzidas nos demais feitos eleitorais, mas, em vez disso, que todo o acervo fático-probatório produzido nos demais feitos pode ser examinado, sempre que houver identidade quanto às premissas fáticas.

11. Aludido posicionamento foi endossado por esta Corte Superior no precedente de Birigui [...] ocasião em que se consignou que as demais ações ajuizadas deverão estar apensadas à ação de impugnação de mandato eletivo, nas hipótese de identidade no que tange às premissas de fato, não implicando a extinção dos demais feitos eleitorais.

12. Como corolário, dadas as consequências jurídicas distintas previstas em cada um dos instrumentos processuais, impõe-se o enfrentamento da tese jurídica posta em cada um deles [...]"

(Ac. de 2.5.2017 no REspe nº 298, rel. Min. Luiz Fux; no mesmo sentido o Ac. de 2.5.2017 no REspe nº 42070, rel. Min. Luiz Fux.) (Grifo nosso)

 

Ante o exposto, concluo que merece ser confirmada a sentença quanto a esse ponto.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a sentença relativamente ao segundo fato, determinando a cassação do diploma, restando nulos, para todos os fins, os votos atribuídos ao recorrente, devendo ser realizado o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, por força do disposto no art. 198, inc. II, al. "b", da Resolução TSE n. 23.611/19, dispositivo que foi objeto inclusive de confirmação pelo TSE no RO n. 603900-65.2018.6.05.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE de 26.11.2020.

Comunique-se ao Juízo Eleitoral de origem para que adote as providências para cumprimento e registro das sanções nos sistemas pertinentes após a publicação do presente acórdão.