AJDesCargEle - 0600126-41.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas.

Inicialmente, registro que os requeridos PTB do Rio Grande do Sul e PTB-Guaíba foram regularmente admitidos a atuar no polo passivo do presente feito, conforme por mim declarado na decisão ID 44957229.

Em relação ao pedido realizado pelos requeridos na peça contestatória, postulando pelo depoimento pessoal do requerente e oitiva de três testemunhas, cabe ressaltar que tal medida instrutória mostra-se despicienda pois os fatos narrados na inicial são públicos, notórios e conhecidos nacionalmente, razão pela qual entendo que a prova dos autos é suficiente para o deslinde da questão a este Juízo submetida.

Quanto ao mérito, o presente requerimento se fundamenta no § 6º do art. 17 da Constituição Federal, o qual prevê que não perderá o mandato o parlamentar que se desligar do partido com a anuência deste, bem como no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, que prevê no inc. I, como hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

Contudo, adianto que a ação não merece procedência.

Explico.

A fim de justificar sua desfiliação sem perda do mandato, com base no § 6º do art. 17 da Constituição Federal, o autor juntou carta de anuência de desfiliação assinada pela Presidente Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Graciela Nienov, datada em 1º.12.2021 (ID 44938034).

Contudo, embora o requerente alegue que o documento comprova a anuência do partido com a sua desfiliação, nada menciona sobre a manutenção do cargo eletivo, carecendo de verossimilhança o seu conteúdo diante do postulado.

Ademais, nos termos do atual estatuto do PTB (ID 44956208), é da exclusiva competência colegiada das comissões executivas toda matéria não incluída na competência privativa de seus respectivos membros (art. 58, parágrafo único). E, quanto às atribuições dos presidentes, seja em nível nacional ou municipal (arts. 67, inc. I, e 68, inc. I), não se inclui a expedição de cartas de anuência para desfiliação, bem como não há disposição que permita a essa autoridade dispor do mandato.

Portanto, com razão o demandado ao afirmar que a carta de anuência juntada aos autos não é válida para o fim pretendido pelo autor.

Assim, entendo que não há elementos que justifiquem a desfiliação sem perda do cargo eletivo com base na prova em questão.

E melhor sorte não socorre o autor quanto à justa causa amparada na suposta ocorrência de mudança substancial e desvio reiterado de programa partidário, hipótese trazida no art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

A amparar a sua tese, o requerente aponta a ocorrência de instabilidade interna no PTB, incertezas acerca da presidência da grei, a prisão do presidente de honra da agremiação, a insegurança e o desamparo no desempenho dos mandatos eletivos, bem como a posição conservadora e reacionária assumida no final do ano de 2020 pelo PTB para se amoldar às pautas do Presidente Jair Bolsonaro.

No entanto, como bem pontuado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44965288), “não foram apresentados elementos mínimos que pudessem possibilitar a aferição da alegada mudança substancial do programa partidário, pois o requerente apenas teceu comentários vagos acerca das mudanças ocorridas na legenda, sem, contudo, indicar pontualmente quais seriam as disposições estatutárias e programáticas que teriam sofrido alterações”.

Ademais, segundo o douto Procurador Regional Eleitoral, “a mudança substancial necessita ser demonstrada mediante o cotejo do dispositivo programático anterior com o resultante da alteração, sendo que no caso, como dito, sequer houve o apontamento de quais seriam os pontos modificados pela agremiação que poderiam ser tidos como substanciais, ao ponto de justificar a desfiliação partidária sem a perda do mandato. Aliás, sequer foram anexados à inicial os programas e estatutos supostamente divergentes”.

Registro que o autor permaneceu no partido, foi escolhido em convenção, postulou registro de candidatura, realizou campanha dentro dos quadros do PTB e foi eleito vereador estando filiado ao PTB, sob a égide do estatuto e programa partidário de 2018, partido pelo qual agora afirma não se sentir mais representado.

E nesse sentido, cabe referir que o partido requerido informa que as mudanças ocorridas em 2020 já constavam do estatuto de 2018, e a Procuradoria Regional Eleitoral confirmou a alegação:

De mais a mais, depreende-se, da análise dos documentos apresentados pela parte requerida (IDs 44956205, 44956206, 44956207 e 44956208), que, quando da filiação partidária do requerente, e quando da sua candidatura ao cargo de Vereador em 2020, já estava em vigor grande parte das alterações mencionadas na inicial, não sendo possível sustentar que houve uma mudança no ideário do partido apta a surpreendê-lo no curso do mandato.

Também importa acrescentar que o TSE entende que o pedido de desfiliação por desvio reiterado do programa partidário e demais hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos:

[ ... ] 3. Não se justifica a desfiliação de titular de cargo eletivo quando decorrido lapso temporal considerável entre esse fato e a alteração estatutária que teria motivado sua saída, em virtude da produção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo. [...]

 

(AgR-RO 51783-12/PI, Rel.\IVJ/n. Marcelo Ribeiro, DJE de 11.2.201 1) (sem destaque no original)

 

[ ... ] 2. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Res.-TSE 22.61 012006, deve haver prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. [ ... ] (AgR-AC 1984-641SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJE de 3.11.2010)

 

[ ... ] 1. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Resolução 22.610/2006-TSE deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa.

2. Fusão partidária ocorrida há mais de dez meses do pedido de declaração de justa causa impossibilita seu deferimento por não configurar prazo razoável. [ ... ] (RO 2.352/BA, Rei. Mm. Ricardo Lewandowski, DJE de 18.11.2009)

 

Na hipótese sob exame, o requerente permaneceu no partido, logrando eleição, permaneceu no exercício do mandato apesar da postura do então presidente nacional, não sendo razoável compreender que somente em março de 2022, após a eleição, houve uma surpresa, uma guinada de pensamento que, por ser inédita, justifique a desfiliação.

Por fim, em relação ao prefalado alinhamento da sigla às pautas do Presidente Jair Bolsonaro e às sanções aplicadas ao presidente de honra do PTB, conforme também já consignado pelo órgão ministerial, este Regional, em voto de relatoria do Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, firmou posição no sentido de que não configuram justa causa para a desfiliação partidária, na forma do art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Transcrevo ementa do julgado:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DO MANDATO ELETIVO. VEREADOR ELEITO. AFASTADAS AS MATÉRIAS PRELIMINARES. REVELIA. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INÉPCIA DA INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONFISSÃO. MÉRITO. POSIÇÃO ADOTADA PELO PARTIDO QUANTO À PANDEMIA. DISTANCIAMENTO SOCIAL. AGLOMERAÇÃO. ALINHAMENTO DO PARTIDO COM A PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. INTERFERÊNCIA NA GESTÃO DE DIRETÓRIOS MUNICIPAIS. PRISÃO DO PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO. OPOSIÇÃO À UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL PARA O TRATAMENTO DE DOENÇAS. ALEGADA AMEAÇA À LIBERDADE PARA O EXERCÍCIO DO MANDATO ELETIVO. NÃO DEMONSTRADA SITUAÇÃO OBJETIVA DE DISCRIMINAÇÃO. NÃO CONFIGURADA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL NAS DIRETRIZES DO PARTIDO. NÃO DEMONSTRADAS AS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 22-A DA LEI N. 9.096/95. PEDIDO IMPROCEDENTE.

(...)

4. A alegação de que o partido está alinhado ao atual Presidente da República não tem força suficiente para conduzir à procedência do pedido, pois já antes da eleição do requerente como vereador esta circunstância era de seu conhecimento, inclusive com extensa divulgação midiática. A mera alegação de que o presidente nacional do partido lançava ‘indiretas’ sobre posicionamentos políticos e de gestão de órgão estadual não justifica a desfiliação por justa causa, dada a falta de esclarecimento sobre a relevância das supostas insinuações, as quais sequer foram especificadas no cenário encartado nos autos. A alegação de interferência do presidente na gestão de diretórios municipais, causando a desfiliação de dirigentes partidários, é incabível para a procedência da ação, pois, mesmo com tais intervenções, o autor decidiu permanecer no partido, fazendo campanha até alcançar a sua eleição e, após o início do exercício do mandato, em nenhum momento demonstrou concretamente ter tido prejuízos para atuar como vereador.

5. Alegada a prisão do então presidente nacional do partido por afronta ao Estado Democrático de Direito, publicação de pedido de intervenção militar, ataque a integrantes de instituições públicas, descrédito do processo eleitoral brasileiro e dos Poderes da República, e oposição à utilização de cannabis medicinal para o tratamento de doenças. Este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais e processos envolvendo casos de corrupção, ainda que praticados por dirigentes partidários, não caracteriza desvio reiterado do programa partidário. Ademais, as atitudes impugnadas foram divulgadas muito antes da campanha eleitoral na qual o requerente foi eleito vereador sem que, no entanto, tivessem sido fortes o suficiente para provocar sua desfiliação partidária. A mera oposição ao uso de cannabis medicinal para o tratamento de doenças não dá causa suficiente para a desfiliação do partido sem perda do mandato. Ademais, o TSE entende que o pedido de desfiliação por desvio reiterado do programa partidário e demais hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos.

(…)

8. Não demonstradas as hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação. Pedido improcedente.

(TRE – RS - Ação de Justificação de Desfiliação Partidária nº 0600207-24.2021.6.21.0000 – Relator Des. Gerson Fischmann – Data: 15.02.2022)

 

Assim, a narrativa de que o PTB está alinhado ao atual Presidente da República não tem força suficiente para conduzir à procedência do pedido, pois já em 2018 e no decorrer do ano de 2020, antes da eleição do requerente como vereador, tal circunstância era de seu conhecimento, inclusive de conhecimento público e notório com extensa divulgação midiática.

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, a ocorrência das hipóteses previstas no art. 17, § 6º, da Constituição Federal e no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, para a declaração de justa causa a amparar a desfiliação.

Assim, uma vez não comprovadas as premissas que autorizam a desfiliação sem perda do mandato, o juízo de improcedência do pedido é medida impositiva.

 

Diante o exposto, VOTO pela improcedência da ação.

É como voto, senhor Presidente.