AJDesCargEle - 0600099-58.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

 VOTO

Eminentes Colegas.

1. Preliminar. Nulidade das citações dos diretórios demandados.

Na esteira do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, considero não haver razões para a análise aprofundada dos argumentos trazidos pelos demandados, no sentido de ocorrência de nulidade dos atos de citação do Diretório Estadual do PTB e de seu congênere local, o PTB de Erechim, essencialmente porque a contestação conjunta foi apresentada de forma tempestiva pelos requeridos, dentro do prazo de cinco dias, indicado pelo art. 4º da Resolução TSE n. 22.610/07.

Ou seja, a prática regular do ato supre qualquer eventual nulidade ocorrida, nos termos do art. 239, § 1º, do Código de Processo Civil, comando concretizador do princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais. Entendo que a concepção de processo trazida pelo CPC/15, suportada que é pelos vetores da economia, celeridade e instrumentalidade processual, há de ser aplicada também aos processos eleitorais devido à clara compatibilidade sistêmica que possuem, conforme o art. 2º, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.478/16, sobretudo no caso sob análise, em que não houve prejuízo à defesa das partes.

Nesse norte, afasto as preliminares de nulidade de citação.

2. Mérito.

A ação fundamenta-se em dois quadros legislativos. Senão, vejamos:

- O art. 17, § 6º, da Constituição Federal, parágrafo este acrescentado pela Emenda Constitucional n. 111/21, a qual determina, em síntese, que a anuência da agremiação permite que o ocupante de mandato eletivo possa se desfiliar da agremiação, sem que tal movimento acarrete a perda do cargo;

- O art. 22-A da Lei n. 9.096/95, a denominada “Lei dos Partidos Políticos”, que prevê hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, quais sejam a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário (inc. I) e a grave discriminação política pessoal (inc. II).

Por clareza, inicio a análise a partir da questão relativa às cartas de anuência para, na sequência, tratar das hipóteses do art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

2.1. Cartas de Anuência.

A Emenda Constitucional n. 111/21 trouxe o § 6º ao art. 17 da Constituição Federal, com o seguinte teor:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...) § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.

Ou seja, desde então há nova hipótese de saída do partido pelo ocupante de cargo eletivo, sem que a desfiliação acarrete a perda do mandato.

Contudo, sublinho que a redação constitucional é bastante ampla, de modo que, enquanto não houver balizas, sejam elas fixadas pela legislação ordinária ou mediante resolução do Tribunal Superior Eleitoral, os magistrados e cortes regionais estão necessariamente, caso a caso, a resolver eventuais controvérsias sobre a legitimidade e a validade jurídica das “anuências”, conforme a prova dos autos.

Nesse norte, cito, por exemplo, casos em que houve o acatamento dos termos da carta de anuência, como na AJDesCargEle n. 0600078-82.2022.6.21.0000, julgada em 29.3.2022, de minha relatoria, em que se entendeu pela completude do documento, e na AJDesCargEle n. 0600205-54.2021.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, em que acompanhei o relator no sentido de que não foram preenchidos os requisitos mínimos para a validade da manifestação partidária.

Entendo importante salientar que via de regra as questões intrapartidárias, aquelas denominadas interna corporis, pertencem à jurisdição comum, conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral.

Contudo, no momento em que disposições estatutárias são trazidas como argumentos, impõe-se à Justiça Eleitoral a análise do conteúdo dos estatutos partidários, sobretudo para exame de regularidade de rito, e indico como elemento suficiente no caso das cartas de anuência apresentadas pelo requerente.

Isso porque, da prova dos autos, concluo que os ditames estatutários não foram obedecidos nas cartas de anuência apresentadas, inválidas fundamentalmente por vício de competência, pois há legislação, art. 5° da Lei n. 9.096/95, e regulamento, art. 5° da Resolução TSE n. 23.571/18, que dão concretude ao ditame constitucional de autonomia partidária. Atenho-me à redação do Estatuto do PTB, art. 58:

Art. 58 As comissões executivas organizar-se-ão de modo a exercer efetiva administração colegiada, podendo baixar resoluções para o cumprimento de suas atribuições.

Parágrafo único. É da exclusiva competência colegiada das comissões executivas toda a matéria não incluída na competência privativa de seus respectivos membros.

A competência é por exclusão, portanto.

Indico que as competências do ocupante do cargo de presidente do PTB constam para a presidência nacional no art. 67, inc. I, do Estatuto, e para os presidentes das comissões executivas estaduais e municipais, no art. 68, inc. I, e assevero com tranquilidade que em nenhum dos casos está inclusa a competência de conceder carta de anuência a parlamentares.

Trato primeiramente da carta emanada por Graciela Nienov, então Presidente Nacional do PTB, e assevero que a signatária não detinha competência estatutária para concedê-la, em prática que desobedeceu aos mandamentos estatutários.

Chama atenção uma incongruência no referido documento, pois ele é datado de 25.01.2022 e a ação fora proposta somente em 06.3.2022, o que soa um tanto ilógico sob o ponto de vista de busca de direitos perante o Poder Judiciário, sobretudo quando requerida tutela de urgência, como o caso sob exame. Noto que, ao menos em tese, o autor esteve de posse da carta de anuência nacional por cerca de quarenta dias até ajuizar a presente demanda, uma demora considerável.

Mas não é só.

Graciela Nievov é ex-presidente do PTB, foi destituída do cargo ainda no início do mês de fevereiro de 2022 em conjunto com a dissolução do respectivo diretório, e o seu sucessor na presidência nacional, Marcus Vinícius Neskau, escolhido em 11.02.2022, foi suspenso por 180 (cento e oitenta) dias de suas funções em 30.3.2022, via decisão proferida pelo Ministro Alexandre Moraes em jurisdição no Supremo Tribunal Federal.

Ou seja, quando ajuizada a demanda, o presidente nacional da agremiação era Marcus Vinícius, e não Graciela.

Ademais, são também conhecidas as acusações de parte a parte, presentes em pedidos judiciais de reintegração de posse da sede do partido em Brasília, além de alegados usos de senhas administrativas para destituição de dirigentes perante o Tribunal Superior Eleitoral, em atos que em tese podem configurar, inclusive, práticas criminosas.

Nesse norte, igualmente obscura a elaboração da segunda carta de anuência, desta vez municipal, pretensamente emanada por todo o diretório, mas assinada apenas pelo então presidente local José da Cruz em 21.3.2022, pois este mesmo diretório municipal constituiu advogado e contestou a demanda em 28.4.2022, em conjunto com o ente regional.

Indico que com a contestação é juntada certidão da Justiça Eleitoral dando conta de que José da Cruz se desfiliou do PTB de Erechim quatro dias após assinar a carta de anuência, 25.3.2022, o que cerca a situação de razoáveis indícios de má-fé.

Dito de outro modo, a carta de anuência municipal tem um quadro em que o presidente afirmou representar o diretório na concessão de anuência sem qualquer prova sobre a circunstância, como uma ata de reunião, por exemplo, em documento assinado em 21.3.2022, quatro dias antes da desfiliação de José da Cruz, em panorama que traz bastante credibilidade à versão trazida pelo PTB, no sentido de que José laborou sem representar o partido, até mesmo porque se desligou da agremiação de modo desobediente ao Estatuto, art. 69, caput e § 2º, e art. 70, § 2º, ao não informar o fato ao Diretório Estadual para que fosse designado substituto.

Ademais, a própria data de 21.3.2022 é altamente questionável, pois José da Cruz foi citado da presente ação em 22.3.2022, desfiliou-se do PTB em 25.3.2022 e a carta de anuência municipal foi apresentada nestes autos somente em 27.3.2022, quando José da Cruz já não ocupava a presidência do PTB de Erechim.

Em resumo, entendo inválidas as cartas de anuência, por não terem obedecido ao rito de confecção previsto pelo Estatuto do PTB, com destaque adicional para as nebulosas circunstâncias das datas apostas em ambos os documentos.

Procedo, agora, ao exame das invocadas hipóteses de justa causa, elencadas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

2.2. Desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal.

De início, trato dos fatos relativos ao Presidente de Honra do PTB, Roberto Jefferson Monteiro Francisco, narrados na inicial.

Desde já, antecipo que firmo, na posição de relator, o mesmo entendimento por mim já externado em julgamentos anteriores que também trataram do tópico, nomeadamente os processos n. 0600207-24.2022.6.21.0000 e n. 0600205-54, ambos de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, ocasiões em que este Plenário assentou que a conduta do Presidente de Honra do PTB não se presta como caracterizadora de justa causa para desfiliação partidária, aliás sedimentando postura histórica desta Corte regional:

Ação de decretação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária. Vereador. Resolução TSE n. 22.610/07. Pretensão da agremiação peticionante de reaver o cargo de vereador que se desligou da sua legenda para filiar-se a partido diverso. Tese defensiva alegando o desvio ou a mudança substancial do programa partidário.

O fato de filiados de determinada agremiação estarem envolvidos no cometimento de crimes e casos de corrupção, ainda que operados por figuras proeminentes da legenda, não configura desvio reiterado do programa partidário. Para tanto, necessário que o estatuto sofra alterações substanciais em seu programa e sua ideologia. Justa causa não vislumbrada. Corolário é a decretação da perda do mandato eletivo. Procedência do pedido.

(TRE-RS, PET n. 17311, Acórdão de 15.3.2016, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DEJERS 17.3.2016.) (Grifei.)

Ainda que mais recentemente este Tribunal entendeu, em situação análoga que “[...] o alegado desconforto com relação aos casos de corrupção e escândalos revelados pela ‘Operação Lava Jato’, associados a filiados e figuras proeminentes da legenda da qual migrou, não caracteriza o desvio reiterado do programa partidário” (TRE-RS, PET n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Des. El. Gustavo Alberto Gastal Diefenthäler, Publicado no PJE em 19.8.2019). Gizo que referido acórdão foi confirmado pelo TSE, que por sua vez assentou: “Os escândalos de corrupção em que se envolveu a legenda no plano nacional, considerados de forma objetiva, não podem representar contexto que assegure, por si só, a imediata desfiliação de um mandatário” (TSE, AI n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE 05.8.2020).

E o arrazoado perde qualquer força desde a destituição de Roberto Jefferson da presidência nacional do partido, ocorrida em 30.11.2021, quando foi substituído por Graciela Nienov, exatamente a Presidente que assinara a primeira carta de anuência apresentada pelo requerente nestes autos, circunstância que demonstra o quão nebulosas são atualmente as relações no âmago do PTB, pois Graciela e Roberto Jefferson seguem como notórios aliados.

Assim, a divergência do autor não é defensável do ponto de vista institucional, sendo totalmente pessoalizada, o que a torna de inviável aceitação porque o TSE já decidiu que “a alteração de posicionamento do partido em relação à matéria polêmica dentro da própria agremiação não constitui, isoladamente, justa causa para desfiliação partidária” (TSE, PET n. 3019, Ac. de 25.8.2010, Relator Min. Aldir Passarinho), e igualmente já estabeleceu que para a caracterização da hipótese de mudança substancial do programa partidário “é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante” (RO 2-63, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 31.3.2014), restando lógico que dissonância em relação a um correligionário, por mais relevante que seja, não justifica o efeito pleiteado pelo demandante.

Noto, assim, que o requerente pessoaliza insatisfação na figura de Roberto Jefferson, em inconformismo não manifestado contra outros integrantes do PTB de qualquer esfera.

Sigo.

Acrescento, sob aspecto diverso, que o TSE entende que os pedidos de desfiliação pelas hipóteses do art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente hão de ser tidos como procedentes naqueles casos em que a irresignação é apresentada em prazo razoável à Justiça Eleitoral:

[ ... ] 3. Não se justifica a desfiliação de titular de cargo eletivo quando decorrido lapso temporal considerável entre esse fato e a alteração estatutária que teria motivado sua saída, em virtude da produção de efeitos jurídicos pelo decurso do tempo. [...] (AgR-RO 51783-12/PI, Rel.\IVJ/n. Marcelo Ribeiro, DJE de 11.2.201 1) (sem destaque no original)

[ ... ] 2. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Res.-TSE 22.61 012006, deve haver prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. [ ... ] (AgR-AC 1984-641SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJE de 3.11.2010) (sem destaque no original)

[ ... ] 1. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Resolução 22.610/2006-TSE deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. 2. Fusão partidária ocorrida há mais de dez meses do pedido de declaração de justa causa impossibilita seu deferimento por não configurar prazo razoável. [ ... ] (RO 2.352/BA, Rei. Mm. Ricardo Lewandowski, DJE de 18.11.2009) (sem destaque no original)

 

No caso dos autos houve nítida demora, pois o requerente permaneceu no partido, logrou eleição e passou a exercer mandato apesar da postura do então presidente nacional, não sendo razoável compreender que somente no ano de 2022 tenha havido estupefação, indignação. A prisão de Roberto Jefferson, ocorrida em 2021, ou seu indiciamento criminal não são fatos inéditos ou isolados, pois na posição de delator do sistema “Mensalão” Jefferson já havia sido preso em 2014 por decisão do Supremo Tribunal Federal com pena de 7 anos e 14 dias de prisão, tendo sido também denunciado, em 27.8.2018, por organização criminosa e corrupção no Ministério do Trabalho.

Ora, o prazo para o registro de candidatura das eleições 2020 ocorreu nos meses de agosto e setembro daquele ano, e o transcurso de grande período entre os fatos narrados e o ajuizamento da ação comprova que a conduta do ex-presidente da agremiação não trouxe transtorno ao demandante na convivência intrapartidária ao longo desse interregno.

E mesmo os temores persecutórios narrados não suportam um juízo de deferimento, porquanto já decidido pelo TSE que “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”.

Ação de perda de cargo eletivo. Deputado estadual. Desfiliação partidária. (…) 5. A hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição. 6. Fatos posteriores à desfiliação não podem ser invocados como motivo justificador do desligamento, pois óbvio que o motivo não pode ser posterior à consequência. 7. Eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal. 8. A hipótese de mudança substancial do programa partidário, prevista na alínea d do art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007, diz respeito, como a própria definição estabelece, à alteração do programa partidário, que, por definição constitucional, tem caráter nacional (CF, art. 17, I). Para a caracterização da hipótese, é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante. O mero rumor ou discussão sobre a possibilidade futura de alinhamento político com partido de oposição não constitui mudança substancial de diretriz partidária. 9. Eventuais discordâncias locais sobre o posicionamento da agremiação diante da administração de um único município não caracterizam desvirtuamento do programa ou da diretriz partidária, os quais, dada a natureza e circunscrição do cargo em questão, deveriam ter, no mínimo, caráter estadual. Recursos ordinários desprovidos. Ação cautelar improcedente, com revogação da liminar concedida, e respectivo agravo regimental julgado prejudicado. (Ação Cautelar n. 18578, Acórdão de 13.3.2014, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE 31.3.2014)( Grifei.)

Portanto, o pedido igualmente não procede quanto à alegação de ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo. Destaco que o autor não apresenta sequer uma ocorrência objetiva de obstáculo ao livre exercício de seu mandato, trazendo unicamente conjecturas.

Com essas considerações, diante do caso concreto, não verifico, do exame dos autos, as hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 para a declaração de justa causa.

Diante o exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pela improcedência do pedido.