AJDesCargEle - 0600022-49.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

Inicialmente, passo ao exame das preliminares suscitadas pelo Diretório Estadual do PTB.

1. Preliminares.

1.1. Ausência de citação.

Nos termos do posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que a preliminar há de ser acolhida, fundamentalmente porque não há nos autos a demonstração de efetivo cumprimento do Mandado de Citação Cível N. 001/22 deste Tribunal, o qual tinha por destinatário o Diretório Estadual do Partido Trabalhista Brasileiro, corroborando-se, assim, a afirmativa do demandado no sentido de que não fora citado.

Ou seja, não há como entender que tenha sido iniciado prazo para a apresentação de defesa nos presentes autos, de forma que a peça é de ser considerada tempestiva, a qual, aliás, já gerou efeitos como, por exemplo, o deferimento de produção de prova testemunhal mediante cartas de ordem à jurisdição de primeiro grau.

Acolho a preliminar e entendo tempestiva a apresentação da contestação.

1.2. Perda de objeto.

O requerido PTB do Rio Grande do Sul aduz preliminar de perda do objeto fundamentalmente porque o autor afirma, na peça inicial, pretender lançar candidatura ao cargo de deputado estadual por outra agremiação.

Sem razão.

As intenções pessoais de saída da agremiação não importam de maneira objetiva na constatação de ocorrência das hipóteses de justa causa, ou aproveitamento da carta de anuência. Dito de outro modo, acaso verificados os requisitos previstos pela legislação de regência, resta presente o direito do autor de ver reconhecida, pela Justiça Eleitoral, a justa causa para desfiliação, pouco importando a utilização que o jurisdicionado venha a fazer dos efeitos de declaração após obtê-la.

Ademais, confunde o requerido os efeitos da presente ação, de obtenção do reconhecimento de justa causa com espécie de demanda reflexa, a ação por infidelidade partidária, na qual há efetivamente a perda do cargo do mandatário acaso não identificada justa causa de desfiliação.

Ou seja, MARCOS ANDRÉ pode ter se desfiliado do PTB, filiado-se a outra agremiação e constar na nominata de candidatos a deputado estadual nas eleições de 2022 (não há notícias nos presentes autos sobre tais circunstâncias), sem que perca o mandato, a não ser que o próprio PTB – preferencialmente a esfera municipal, conforme jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral, proponha demanda de perda de mandato.

Nesse norte, não há perda do objeto. Permanece hígido o interesse juridicamente qualificado do autor em obter a prestação jurisdicional e, ademais, mesmo que a decisão de mérito eventualmente não lhe favoreça, MARCOS ANDRÉ permanecerá a exercer o cargo que ocupa.

Afasto a preliminar. Não há perda de objeto.

2. Mérito.

A ação se fundamenta em dois quadros legislativos:

- o art. 17, § 6º, da Constituição Federal, parágrafo este acrescentado pela Emenda Constitucional n. 111/21, a qual determina, em síntese, que a anuência da agremiação permite que o ocupante de mandato eletivo possa se desfiliar da agremiação, sem que tal movimento acarrete a perda do cargo;

- o art. 22-A da Lei n. 9.096/95, a denominada “Lei dos Partidos Políticos”, que prevê hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, quais sejam, a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário (inc. I) e a grave discriminação política pessoal (inc. II).

Por clareza, inicio a análise a partir da questão relativa às cartas de anuência para, na sequência, tratar das hipóteses do art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

2.1. Carta de Anuência.

A Emenda Constitucional n. 111/21 trouxe o § 6º ao art. 17 da Constituição Federal, com o seguinte teor:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...) § 6º Os Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei, não computada, em qualquer caso, a migração de partido para fins de distribuição de recursos do fundo partidário ou de outros fundos públicos e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.

Ou seja, desde então há nova hipótese de saída do partido pelo ocupante de cargo eletivo, sem que a desfiliação acarrete a perda do mandato.

Contudo, sublinho que a redação constitucional é lacônica, de modo que enquanto não houver balizas, sejam elas fixadas pela legislação ordinária ou mediante resolução do Tribunal Superior Eleitoral, os magistrados e cortes regionais deparar-se-ão, necessariamente, caso a caso, com eventuais controvérsias acerca da legitimidade e da validade jurídica das “anuências”. Certamente, a dicção constitucional não pode dar azo a atropelos e desobediências aos estatutos partidários, pois a mesma Constituição Federal assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e gerir o respectivo funcionamento, art. 17, § 1º, da CF.

Nesse norte cito, por exemplo, casos em que houve o acatamento dos termos da carta de anuência, como na AJDesCargEle n. 0600078-82.2022.6.21.0000, julgada em 29.3.2022, de minha relatoria, em que se entendeu pela completude do documento, e na AJDesCargEle n. 0600205-54.2021.6.21.0000, de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, em que acompanhei o relator no sentido de que não foram preenchidos os requisitos para a validade da manifestação partidária.

Entendo importante salientar que via de regra as questões denominadas interna corporis pertenceriam à jurisdição comum, conforme pacífica jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Contudo, no momento em que disposições estatutárias são trazidas como causa de pedir das partes, impõe-se à Justiça Eleitoral a análise do conteúdo dos estatutos partidários, sobretudo para exame de regularidade de rito, o qual indico como elemento suficiente no caso das cartas de anuência apresentadas pelo requerente.

Da leitura das razões de defesa do PTB do Rio Grande do Sul, concluo que os ditames estatutários não foram obedecidos nas cartas de anuência apresentadas, inválidas fundamentalmente por vício de competência, pois há legislação, art. 5° da Lei n. 9.096/95, e regulamento, art. 5° da Resolução TSE n. 23.571/18, que dão concretude ao ditame constitucional de autonomia partidária.

Atenho-me inicialmente à redação do Estatuto do PTB, art. 58:

Art. 58 As comissões executivas organizar-se-ão de modo a exercer efetiva administração colegiada, podendo baixar resoluções para o cumprimento de suas atribuições.  Parágrafo único. É da exclusiva competência colegiada das comissões executivas toda a matéria não incluída na competência privativa de seus respectivos membros.

A competência é por exclusão, portanto.

Seguindo, indico que as competências do ocupante do cargo de presidente do PTB constam para a presidência nacional no art. 67, inc. I, do Estatuto e para os presidentes das comissões executivas estaduais e municipais, no art. 68, inc. I, e assevero com tranquilidade que em nenhum dos casos está inclusa a competência ao presidente para conceder carta de anuência.

Julgo, portanto, que a signatária das cartas de anuência de desfiliação, Graciela Nienov, não detinha competência estatutária para concedê-las.

E igualmente chamam atenção algumas incongruências. Destaco as datas controversas que trazem sérios indícios de manipulação na sua aposição. A primeira carta de anuência, de conteúdo lacônico, tem data de 01.12.2021 e fora juntada aos autos em 27.01.2022, juntamente à petição inicial.

A segunda carta de anuência é o documento que mais causa estranheza: de conteúdo mais completo, tem data de assinatura de 18.01.2022, portanto anterior à proposição da própria demanda, o que soa no mínimo ilógico do ponto de vista processual de busca de obtenção do direito pleiteado.

Tal documento, a segunda e mais completa carta de anuência, veio aos autos em 10.3.2022 dando a forte impressão de que sua obtenção ocorreu somente nos primeiros dias do mês de março, o que se estampa grave, pois Graciela Nievov foi destituída do cargo de Presidente do PTB ainda no início do mês de fevereiro de 2022 em conjunto com a dissolução do respectivo diretório, com sucessor escolhido em 11.02.2022, Marcus Vinícius Neskau (este suspenso por 180 dias de suas funções, mas somente em 30.3.2022, via decisão proferida pelo Ministro Alexandre Moraes em jurisdição no Supremo Tribunal Federal).

São também conhecidas as acusações de parte a parte, presentes em pedidos judiciais de reintegração de posse da sede do partido em Brasília, além de alegados usos de senhas administrativas para destituição de dirigentes perante o Tribunal Superior Eleitoral, em atos que podem configurar práticas criminosas.

Nesse panorama, a segunda carta de anuência, alegadamente assinada aos 18.01.2022 e apresentada neste processo somente em 10.3.2022, um mês após a destituição de Graciela, quando Marcus Vinícius Neskau era o Presidente do PTB, perde força probatória por estar cercada de dúvidas quanto à veracidade da data a qual lhe foi aposta, e não tem pujança para atrair a aplicação de exceção à regra de que o mandato pertence ao partido político.

Ora, o requerente por mais de uma vez veio perante o juízo requerer urgência na concessão de tutela provisória. Estivesse em poder da segunda carta de anuência, de conteúdo mais completo, desde 18.01.2022 ou ao longo do mês de fevereiro, teria certamente apresentado ao processo. Não é possível, diante do estado de coisas que permeia o PTB há anos, que o julgador não esteja atento a tais detalhes. Como teria ele obtido a segunda carta de anuência após a destituição de Graciela?

Em resumo, entendo inválidas as cartas de anuência, por não terem obedecido ao rito de confecção previsto pelo Estatuto do PTB, com destaque adicional para a nebulosa circunstância da data do segundo documento apresentado.

Procedo, agora, ao exame das invocadas hipóteses de justa causa, elencadas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

2.2. Mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal.

A título de breve introdução, saliento termos que a legislação ordinária prevê como justa causa para desfiliação, com a manutenção do mandato. Tenho apreço pelos qualificativos, pois a mudança do programa partidário há de ser substancial, e o desvio, reiterado; ao passo que a discriminação política deve ser grave e pessoal.

Sigo, antecipando que não é o que se vislumbra no caso dos autos, em que as alegações de desvio se dirigem não à instituição PTB, mas nitidamente a uma pessoa, Roberto Jefferson, e trazem fatos que não consubstanciam perseguição pessoal.

2.2.1. A Direção Nacional do PTB é contra os métodos de distanciamento social, promovendo aglomerações, e negando a existência da pandemia.

Quanto a este fundamento, o requerente não demonstrou mudança de posição institucional do PTB quanto às medidas de distanciamento social no momento do ajuizamento da ação, dezembro de 2021, daquelas que seriam defendidas pela agremiação ao longo de 2020, quando a crise sanitária se iniciou e o demandante buscava lograr eleição pelo partido do qual, agora, pretende sair. A insurgência quanto ao fato de o então Presidente do PTB, Roberto Jefferson, ter promovido aglomerações ou delas participado, não configura justa causa, portanto.

Ressalto que, segundo o art. 374, inc. I, do Código de Processo Civil, não dependem de prova os fatos notórios, disponíveis mediante ampla divulgação, e o art. 375 do CPC estabelece que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente ocorre.

Nesse norte, há fatos divulgados pela imprensa em geral que refutam a tese de surpresa invocada pelo autor.

Por exemplo, em outubro de 2020, o PTB ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6587 contra a obrigatoriedade da vacina, em fato divulgado em 22.10.2020 pelo partido na internet, e, antes disso, em 22.4.2020, o Jornal El País divulgou manchete “Bolsonaro recorre a condenados no mensalão e réus na Lava Jato para romper isolamento político e pressionar Maia”, noticiando jantar para celebrar acordos políticos no qual Roberto Jefferson se fez presente, o que aliás corrobora as razões de defesa do PTB no sentido de que o partido sempre se declarou apoiador da gestão do atual Presidente da República.

Não é razoável, portanto, que o período de indignação do autor seja seletivo, tendo se mantido filiado ao longo do ano eleitoral de 2020, para em momento de sua conveniência buscar a saída do partido sem perda do cargo de vereador.

2.2.2. Guinada à extrema direita, perseguições a diretórios e a correligionários.

O mesmo ocorre com a alegada “guinada do PTB à extrema direita”, pois a direção estadual “vem sofrendo intervenções, de modo a abalar sua independência e até mesmo como uma forma de ‘bolsonarizar’ o PTB”, e com o argumento de que o órgão no Rio Grande do Sul estaria sofrendo "indiretas" de Roberto Jefferson.

Ora, desde a campanha de segundo turno das eleições de 2018, o PTB posicionou-se como apoiador da campanha de Jair Messias Bolsonaro, político de opiniões claras quanto ao respectivo espectro ideológico. Sigo na indicação de fatos notórios, pois em notícia de 20.4.2020, o Jornal Metrópolis divulgou a manchete “Bolsonaristas justificam aliança com mensaleiro Roberto Jefferson”, e, em 21.4.2020, o Jornal Correio Braziliense publicou matéria intitulada “'Para derrubar Bolsonaro, só se for a bala', afirma Roberto Jefferson”. Semanas depois, O Jornal Nexo, em manchete publicada em 13.5.2020, informa sobre “A trajetória de Roberto Jefferson, o novo aliado de Bolsonaro”.

Gizo que as reportagens são exemplificativas e o rol poderia ser muito maior, de modo que a narrativa do autor não conduz à procedência do pedido, e a alegação de que Roberto Jefferson lançara “indiretas” ao órgão do partido no Rio Grande do Sul não atende ao requisito legal de “grave perseguição política pessoal”.

Outro fundamento do pedido é de que Roberto Jefferson interferiu na gestão de diretórios municipais, causando a desfiliação de dirigentes partidários, descontentamento que também não se mostra grave o bastante para a procedência da ação. Indico que a situação narrada é anterior à eleição de MARCOS ANDRÉ como vereador pelo PTB em 2020, pois em 17.9.2020, antes mesmo do período dos registros de candidatura, o PTB anunciou a edição de resolução anulando convenções que descumpriram diretrizes da Executiva Nacional sobre coligações, fato divulgado pela Revista IstoÉ de 28.9.2020 com a manchete “Roberto Jefferson destitui diretório do PTB em São Paulo”.

Ou seja, o requerente não aponta ato pessoal de discriminação, e permaneceu na campanha concorrendo pelo partido mesmo após os fatos invocados na inicial, ocorridos antes da sua eleição como vereador.

2.2.3. Prisão de Roberto Jefferson.

O demandante sustenta procedência à demanda baseado nas ações de Roberto Jefferson que acarretaram a prisão do então Presidente do PTB. Afirma que houve defesa de políticas incompatíveis com princípios adotados pela agremiação, como a valorização da democracia, o respeito aos direitos e garantias fundamentais e a defesa do voto universal, o pluralismo político e outros decorrentes do Estado Democrático de Direito.

De fato, Roberto Jefferson teve a prisão preventiva decretada pelo Supremo Tribunal Federal em 12.8.2021 devido a ações antidemocráticas, tentativas de intimidação de autoridades públicas e ataques ao processo eleitoral.

Contudo, ressalto que este Tribunal já assentou o entendimento de que o envolvimento de filiados de determinada agremiação em ações penais não caracteriza desvio reiterado do programa partidário:

Ação de decretação de perda de cargo eletivo por desfiliação partidária. Vereador. Resolução TSE n. 22.610/07. Pretensão da agremiação peticionante de reaver o cargo de vereador que se desligou da sua legenda para filiar-se a partido diverso. Tese defensiva alegando o desvio ou a mudança substancial do programa partidário. O fato de filiados de determinada agremiação estarem envolvidos no cometimento de crimes e casos de corrupção, ainda que operados por figuras proeminentes da legenda, não configura desvio reiterado do programa partidário. Para tanto, necessário que o estatuto sofra alterações substanciais em seu programa e sua ideologia. Justa causa não vislumbrada. Corolário é a decretação da perda do mandato eletivo. Procedência do pedido. (TRE-RS, PET n. 17311, Acórdão de 15.3.2016, Relatora Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, DEJERS 17.3.2016) (Grifei.)

Ademais, as atitudes de Roberto Jefferson não foram inéditas, pois na condição de delator do mensalão já havia sido preso em 2014 e condenado a 7 anos e 14 dias de prisão, tendo sido também denunciado, em 27.8.2018, por organização criminosa e corrupção, de forma que, por coerência, se o demandante não entendeu que tais situações foram fortes o suficiente no passado para impedir sua filiação ou causar sua desfiliação partidária, não pode agora invocar estupefação, até mesmo porque os atos foram pessoais, e o TSE já estabeleceu que para a caracterização da hipótese de mudança substancial do programa partidário “é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante” (RO 2-63, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 31.3.2014).

Destaco a centralidade dos atos pessoais de Roberto Jefferson: o jornal Folha de São Paulo, de 21.4.2020, publicou manchete “Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar mensalão. Movimento coincide com oferta de cargos e pré-candidatura da filha no Rio (…)”; e matéria do jornal O Tempo, de 9.5.2020, noticia “Com foto de fuzil em mãos, Roberto Jefferson sugere combate aos ‘comunistas’. Ex-deputado federal e atual presidente do PTB, condenado no mensalão, sugeriu ao presidente Bolsonaro a substituir todos os 11 ministros do STF para não sofrer impeachment”, e também o jornal Estadão, em 9.5.2020, publicou notícia “Jefferson sugere a Bolsonaro ‘demitir o Supremo’ e posta foto com arma”.

E mesmo assim, repito, MARCOS ANDRÉ permaneceu no partido em 2020, foi escolhido em convenção, postulou registro de candidatura, realizou campanha dentro dos quadros do PTB e foi eleito vereador estando filiado ao PTB.

Anoto que este Tribunal decidiu, na PET n. 0603532-12, que: “O alegado desconforto com relação aos casos de corrupção e escândalos revelados pela ‘Operação Lava Jato’, associados a filiados e figuras proeminentes da legenda da qual migrou, não caracteriza o desvio reiterado do programa partidário” (TRE-RS, PET n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Des. El. Gustavo Alberto Gastal Diefenthaler, Publicado no PJE em 19.8.2019), em acórdão confirmado pelo TSE, que assentou: “Os escândalos de corrupção em que se envolveu a legenda no plano nacional, considerados de forma objetiva, não podem representar contexto que assegure, por si só, a imediata desfiliação de um mandatário” (TSE, AI n. 0603532-12.2018.6.21.0000, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, DJE 05/08/2020).

Acrescento que o TSE entende que o pedido de desfiliação por desvio reiterado do programa partidário e demais hipóteses previstas no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 somente é procedente quando ocorre dentro de prazo razoável, o que não se verifica nos autos:

[ ... ] 2. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Res.-TSE 22.61 012006, deve haver prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. [ ... ] (AgR-AC 1984-641SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJE de 3.11.2010) 

[ ... ] 1. Para o reconhecimento das hipóteses previstas na Resolução 22.610/2006-TSE deve haver um prazo razoável entre o fato e o pedido de reconhecimento da justa causa. 2. Fusão partidária ocorrida há mais de dez meses do pedido de declaração de justa causa impossibilita seu deferimento por não configurar prazo razoável. [ ... ] (RO 2.352/BA, Rei. Mm. Ricardo Lewandowski, DJE de 18.11.2009) 

No caso dos autos o requerente permaneceu no partido, logrou eleição e exerceu mandato apesar da postura de Jefferson, não sendo razoável compreender que somente ao final de 2021 houve uma guinada de pensamento. O transcurso de longo período entre os fatos narrados comprova que os pensamentos externados não trouxeram transtornos para a convivência intrapartidária, e, como já decidido pelo TSE, “a hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição”, conforme adiante se verifica:

Ação de perda de cargo eletivo. Deputado estadual. Desfiliação partidária. (…) 5. A hipótese de discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição. 6. Fatos posteriores à desfiliação não podem ser invocados como motivo justificador do desligamento, pois óbvio que o motivo não pode ser posterior à consequência. 7. Eventual dificuldade ou resistência da agremiação em lançar o ocupante do cargo como candidato em eleições futuras não é fato suficiente para a aferição de grave discriminação pessoal. 8. A hipótese de mudança substancial do programa partidário, prevista na alínea d do art. 1º da Res.-TSE 22.610/2007, diz respeito, como a própria definição estabelece, à alteração do programa partidário, que, por definição constitucional, tem caráter nacional (CF, art. 17, I). Para a caracterização da hipótese, é necessário que se demonstre o desvio reiterado de diretriz nacional ou de postura que a legenda historicamente tenha adotado sobre tema de natureza político-social relevante. O mero rumor ou discussão sobre a possibilidade futura de alinhamento político com partido de oposição não constitui mudança substancial de diretriz partidária. 9. Eventuais discordâncias locais sobre o posicionamento da agremiação diante da administração de um único município não caracterizam desvirtuamento do programa ou da diretriz partidária, os quais, dada a natureza e circunscrição do cargo em questão, deveriam ter, no mínimo, caráter estadual. Recursos ordinários desprovidos. Ação cautelar improcedente, com revogação da liminar concedida, e respectivo agravo regimental julgado prejudicado. (Ação Cautelar n. 18578, Acórdão de 13.3.2014, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE 31.3.2014) (Grifei.)

Por essas razões, o pedido não procede quanto à alegação de ameaça à liberdade para o exercício do mandato eletivo, seja por questões pontuais, como a da utilização de cannabis para fins medicinais, ou periféricas, como as modificações dos símbolos partidários. O ambiente intrapartidário também é o local das pequenas diferenças, que surgem apenas como aspectos secundários diante de núcleos essenciais de identidade e afinidade, como por exemplo a conduta de lançar candidatura por determinada agremiação.

Em resumo, há segurança suficiente para afirmar que o atual PTB é o mesmo pelo qual o demandante lançou candidatura, de forma que não comprovadas as premissas que autorizam a desfiliação sem perda do mandato, o juízo de improcedência do pedido é medida impositiva.

Diante o exposto, acolho a preliminar de ausência de citação do PTB do Rio Grande do Sul, afasto a preliminar de perda de objeto e, no mérito, VOTO pela improcedência do pedido de MARCOS ANDRÉ DE ALMEIDA.