REl - 0600799-09.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/09/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes Colegas:

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

Mérito

FRANCIELE DAIANA CHAVES, candidata ao cargo de vereadora no Município de Mato Castelhano, interpôs recurso contra a sentença proferida pelo Juízo da 128ª Zona Eleitoral, que julgou desaprovada a sua contabilidade relativa ao pleito de 2020, determinando o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de um depósito em espécie, no valor de R$ 750,00, realizado no dia 29.10.2020, identificado com o número de CNPJ da sua campanha, e não com o seu número de CPF.

Irresignada, a recorrente pugna pela aprovação das contas e pela exclusão da ordem de recolhimento do montante indevido ao erário, sustentando, em síntese, tratar-se de falha formal, decorrente de equívoco durante o depósito bancário, e de quantia irrisória, capaz de atrair a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no intuito de ver aprovada a contabilidade de campanha.

Sobre o tema, a Resolução TSE n. 23.607/19, regulamentadora da matéria, assim dispõe em seu art. 21, inc. I e §§ 1º a 5º:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

Da leitura dos dispositivos, ressai nítido que as doações financeiras diretas aos candidatos hão de ser efetuadas por intermédio de transação bancária que identifique o doador.

Se o montante da doação for inferior a R$ 1.064,10, basta que o CPF do doador seja identificado na operação; se igual ou superior, somente poderá ser concretizada por intermédio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário ou cheque cruzado e nominal.

Compulsando os autos, verifica-se que não houve a juntada de documento apto a demonstrar a origem das cifras depositadas, limitando-se, a recorrente, a repisar os argumentos expendidos ainda na primeira instância, quanto ao equívoco e sua boa-fé, os quais não se prestam a desincumbir a candidata do seu ônus de comprovar a fonte do aporte realizado em sua conta, de forma que se encontra caracterizado o uso de recursos de origem não identificada, art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que, em que pese a alegada ausência de má-fé, não se trata de aferi-la neste momento, mas sim de analisar o descumprimento de norma objetiva, a qual, como acima referido, dispõe que os depósitos devem ser identificados com o CPF do doador, comando que não restou observado pela recorrente.

A prestadora, visando a atender o dispositivo legal, por exemplo, poderia ter colacionado ao feito cópia de extrato bancário de sua conta particular, a indicar o saque e, na mesma data, depósito na conta destinada às verbas de campanha.

Esta Corte já consolidou entendimento no sentido de que a declaração unilateral do candidato, desprovida de prova documental a dar sustentação ao alegado, é insuficiente para a comprovação da origem dos valores, independentemente da quantia doada. Segue ementa de aresto nessa linha:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. APROVADAS COM RESSALVAS. CONHECIDOS DOCUMENTOS NOVOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO IRREGULAR. APORTE FINANCEIRO EM ESPÉCIE EM NOME DO CNPJ DA CANDIDATURA. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas prestação de contas, em virtude do recebimento de depósito bancário, em que consta o CNPJ do candidato como doador, e pagamento de despesa de campanha com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem comprovação de utilização de cheque cruzado e nominal, determinando o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

2. Juntada de novos documentos na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica, como na presente hipótese.

3. Doação irregular. Evidenciado nos extratos bancários aporte financeiro, por meio de depósito bancário em espécie, em que consta como depositante o CNPJ de campanha e não o CPF do candidato, em afronta ao regramento estabelecido no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Este Tribunal já afastou a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea. Ademais, o recorrente não se desincumbiu de comprovar o fato que invoca em sua defesa, na forma do art. 373, inc. II, do CPC, sequer quanto à demonstração de que o depósito foi realizado no seu CNPJ por equívoco. Incabível a análise da boa ou má-fé do prestador. A regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado. Prova dos autos inapta para esclarecer a origem do depósito, impondo o recolhimento da quantia ao erário.

4. Utilização irregular de recursos do FEFC. Não comprovada a regularidade do pagamento de gasto eleitoral. A microfilmagem acostada aos autos demonstra que a cártula, embora nominal, não foi cruzada, em afronta ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prescreve que os cheques empregados para pagamento de dispêndios de campanha sejam nominais e cruzados. Ausente a devida comprovação da utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o respectivo montante, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. Provimento negado.

(TRE-RS, REl n. 0600158-60.2020.6.21.0018, acórdão por maioria, Relator originário: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes; Redator para o acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.9.2021.). Grifei.

 

Nesse passo, diante da ausência de acervo probatório a dar lastro à tese recursal, há de ser mantido o entendimento jurisprudencial local.

Malgrado caracterizada a irregularidade, a sentença merece ser reformada, para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, uma vez que o valor da falha é diminuto, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeitos à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), na esteira do parecer ministerial e da jurisprudência desta Casa.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da campanha eleitoral de 2020 de FRANCIELE DAIANA CHAVES, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 750,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, Senhor Presidente.