REl - 0600772-23.2020.6.21.0032 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2022 às 14:00

VOTO

Preliminar

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

A sentença de origem extinguiu o processo sem julgamento do mérito em razão de a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE ter sido direcionada às candidaturas lançadas pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT ao pleito proporcional de Palmeira das Missões, identificadas pelo CNPJ de campanha, e não às pessoas físicas (que são qualificadas pelo CPF).

No que respeita à legitimidade passiva, a doutrina é pacífica quanto a constituírem o polo passivo tanto candidatos quanto terceiros nas ações de AIJE.

Assim, devem figurar no polo passivo da relação processual todos aqueles que praticaram diretamente o ato tido por ilícito, incluindo o candidato, seja na condição de autor do fato, seja na condição de beneficiário.

Na peça vestibular, o autor, ao qualificar os candidatos investigados, indicou os seus CNPJs (pessoa jurídica), e não os CPFs (pessoa física). Em face disso, o juízo monocrático extinguiu o processo sem julgamento do mérito (ID 44886287):

Merece acolhimento a preliminar aduzida pelo Ministério Público Eleitoral.

Verifica-se que a ação foi ajuizada contra a pessoa jurídica dos candidatos, visto que registrado no presente processo, pela parte autora, o CNPJ deles e da mesma forma, da qualificação dos réus da AIJE constam apenas pessoas jurídicas.

É pacífico na jurisprudência que na Ação de Investigação Judicial Eleitoral não é permitido à pessoa jurídica figurar no polo passivo da demanda, jurisprudência já colacionada pelo MPE em seu parecer (fls. 4 e 5 do documento ID 1639395).

Em que pese se tratarem da mesma pessoa (a física e a jurídica) ambas são diversas quanto ao seu tratamento jurídico, posto que a personalidade jurídica criada durante a fase de campanha eleitoral desaparece após as eleições, permanecendo apenas a pessoa física. Esta impermanência impede que a pessoa jurídica sofra efeitos permanentes. De outro lado, o eleito é apenas o candidato pessoa física, sendo, dessa forma, impossível cassar o diploma da pessoa jurídica ou torná-la inelegível.

A correta qualificação das partes na petição inicial é fundamento basilar do direito processual, posto que para o prosseguimento da lide, e principalmente para a efetivação dos efeitos da decisão tomada no processo, é necessário individualizar o sujeito contra o qual está sendo pleiteada a pretensão.

ANTE O EXPOSTO acolho a preliminar de ilegitimidade passiva e extingo a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA-PSDB de Palmeira das Missões contra o DIRETORIO MUNICIPAL DO PDT DE PALMEIRA DAS MISSOES, ELEICAO 2020 ANTONIO DA ROCHA VEZARO VEREADOR, ELEICAO 2020 TIAGO STEFANI ANTUNES VEREADOR, ELEICAO 2020 SIDINEI BUENO DE OLIVEIRA VEREADOR, ELEICAO 2020 SERGIO DA CONCEICAO MAFALDA VEREADOR, ELEICAO 2020 ROSA DE FATIMA DA ROSA PIAS VEREADOR, ELEICAO 2020 PEDRO ENIO RODRIGUES VEREADOR, ELEICAO 2020 ORLEI AZEREDO VEREADOR, ELEICAO 2020 MENECI LAMBERTES VEREADOR, ELEICAO 2020 MARLEI BATISTA DE OLIVEIRA VEREADOR e ELEICAO 2020 CARLOS ROBERTO MOREIRA RODRIGUES VEREADOR sem julgamento de mérito.

 

Entretanto, tenho que se trata de erro material o equívoco invocado relativamente à qualificação dos candidatos investigados, o qual poderia, inclusive, ter sido superado em sede de saneamento, haja vista que foi despachado pelo magistrado de origem para a correção e inclusão do partido político no polo passivo (ID 44886192). De modo que o reconhecimento desse equívoco não pode ensejar nulidade tão gravosa como a extinção por ilegitimidade, dada a fácil identificação das partes e a ausência de dúvidas na determinação dos envolvidos.

Pelas razões acima expostas, reconheço a legitimidade passiva de todos os representados indicados na inicial (candidatos) e na emenda à inicial (partido).

 

Causa madura

Considerando que a causa se encontra madura para julgamento, acolho o requerimento da Procuradoria Regional Eleitoral e passo à imediata apreciação da alegação de fraude no preenchimento da cota de gênero feminina, nos termos do art. 1.013, § 3º, inc. I, do CPC.

 

Mérito

Trata o objeto da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE do reconhecimento da prática de fraude à cota de gênero pelo partido recorrido, com a finalidade de preenchimento do percentual de 30% da cota feminina, com o propósito do deferimento do registro da chapa proporcional apresentada pelo PDT de Palmeira das Missões/RS.

Na exordial, o partido ora recorrente argumenta que MENECI LAMBERTES foi exonerada do cargo em comissão de supervisora do setor de fiscalização de trânsito do município em data posterior ao prazo comum a todos os servidores públicos, de modo que seria certo o indeferimento do registro de sua candidatura. Infere que Meneci manifestou desejo de concorrer apenas no prazo das convenções partidárias. Alega que a candidata não realizou atos de campanha, pois não arrecadou recursos nem efetuou despesas, de acordo com a prestação de contas eleitorais, assim como não realizou propaganda eleitoral virtual, restando com votação total de apenas 40 (quarenta) votos, número inferior ao de familiares seus e colegas de trabalho (ID 44886184).

Em sede de contestação, os ora recorridos aduziram que a candidata MENECI concorreu com o registro sub judice em virtude das controvérsias relacionadas às atribuições do cargo que ocupava, sendo inclusive objeto de recurso ao TRE-RS. Afirma que realizou atos de propaganda por meio de redes sociais, panfletos, horário gratuito de rádio, adesivos de carros, entre outros, e que obteve 48 (quarenta e oito) votos, ficando à frente de 20 outros concorrentes ao cargo pleiteado de vereador. Destaca, ainda, que o somatório dos votos de todos os candidatos do PDT foi de 3.193, sendo oficialmente computados 3.145, em virtude do processo que coloca sub judice os votos da candidata Meneci, não por questões vinculadas à candidatura ficta, mas devido às discussões acerca da desincompatibilização. Por fim, pondera que mesmo não sendo computados os 48 votos para cálculo da legenda, o partido elegeu três vereadores - Sidinei Oliveira, Orlei Azeredo e Antônio da Rocha Vezaro -, todos com expressivas votações, de modo que a possibilidade da cassação de toda a chapa configura uma afronta ao princípio democrático e um desrespeito à escolha de mais de 3 mil eleitores, máxime com base em acusações totalmente levianas, razão pela qual postulam a manutenção da sentença e a condenação do investigante por litigância de má-fé (ID 44886225).

O recurso não merece provimento.

A questão controvertida nos autos não encontra moldura fática hábil à caracterização de fraude à candidatura de MENECI LAMBERTES no pleito proporcional, com o objetivo de burlar a cota de gênero.

A reserva de gênero decorre, essencialmente, do princípio da igualdade, nos termos consolidados pelo STF (ADC 41, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 08.6.2017, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-180 DIVULG 16-08-2017 PUBLIC 17-08-2017):

A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas, possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração. A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem-estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. A igualdade efetiva requer igualdade perante a lei, redistribuição e reconhecimento

 

A cota de gênero é uma ferramenta de discriminação positiva para contornar o problema da sub-representação das mulheres nas casas legiferantes. Por meio da reserva de gênero, busca-se a correção da hegemonia masculina nas posições de tomada de decisão e o estabelecimento de uma distribuição mais adequada e equilibrada das representações de homens e mulheres nas esferas de poder.

A previsão legal está na Lei das Eleições, Lei n. 9.504/97:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

[...]

§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

 

Por meio de imposição legal, buscou-se ampliar a participação feminina no processo político-eleitoral, estabelecendo percentual mínimo de registro de candidaturas femininas em cada pleito. Assim, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.504/97 dispõe que cada partido preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. Porém, somente a partir da redação dada pela Lei n. 12.034/09 - “minirreforma eleitoral” - essa disposição passou a ser aplicada tendo em vista o número de candidaturas “efetivamente” requeridas pelo partido, a fim de garantir ao gênero minoritário a participação na vida política do país.

Nas eleições 2020, o TSE, na tentativa de inibir a burla à cota de gênero, inovou ao fazer constar na própria Resolução n. 23.609/19 que a inobservância a essa garantia seria causa suficiente para o indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), caso a irregularidade não fosse sanada no curso do processo (§ 6º do art. 17).

Ocorre que essas situações dizem respeito ao momento do registro das candidaturas, tendo como consequência o indeferimento do DRAP, caso não observado o percentual estipulado. Contudo, o que se verifica é que a fraude tem ocorrido em momento posterior ao regular registro e julgamento das candidaturas, quando já aperfeiçoada a formalidade da porcentagem mínima de gênero exigida para deferimento do DRAP.

No transcurso do processo eleitoral, emergem as “candidaturas laranjas”, evidenciadas por comportamentos contrários ao de quem se propõe a disputar um cargo eletivo, como “desistência” ou “abandono” da candidatura no curso do processo eleitoral, ou mesmo realização de atos de campanha em favor de outros candidatos.

Ressalte-se que é direito de qualquer candidato renunciar “formalmente” à sua candidatura (art. 13 da Lei n. 9.504/97), circunstância em que a cota deve ser restabelecida. Mas, e quando essa renúncia é “informal”, quando há apenas uma “desistência” ou “abandono” dos atos de campanha, ou, ainda, quando a renúncia mesmo formal se efetiva em momento que impossibilite ao partido a substituição e a manutenção da cota? Em ambos os casos, havendo infração à cota de gênero, o partido deve ser chamado à responsabilidade, pois é seu ônus manter o percentual legal. Primeiro, porque o partido é responsável por incentivar as políticas de participação feminina interna corporis; segundo, porque a agremiação é responsável pela oferta de nomes aptos a concorrer bem como pelo comportamento ativo e passivo dos candidatos no curso do processo.

Em 2019, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Relatoria do Min. Jorge Mussi, Publicação, DJE - Diário da Justiça Eletrônico, tomo 193, data 04.10.2019, página 105/107, o TSE apreciou caso paradigmático sobre o tema, oriundo do Município de Valença do Piauí/PI, eleição proporcional de 2016, no qual foram definidos alguns parâmetros à caracterização da fraude: a) pedir votos para outro candidato que dispute o mesmo cargo pelo qual a candidata concorra; b) ausência da realização de gastos eleitorais; c) votação ínfima (geralmente a candidata não possui sequer o próprio voto); d) nulidade que contamina todos os votos obtidos pela coligação ou partido.

Colaciono a ementa do acórdão:

RECURSOS ESPECIAIS. ELEIÇÕES 2016. VEREADORES. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ART. 22 DA LC 64/90. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97.

1. O TRE/PI, na linha da sentença, reconheceu fraude na quota de gênero de 30% quanto às candidaturas das coligações Compromisso com Valença I e II ao cargo de vereador nas Eleições 2016, fixando as seguintes sanções: a) cassação dos registros das cinco candidatas que incorreram no ilícito, além de sua inelegibilidade por oito anos; b) cassação dos demais candidatos registrados por ambas as chapas, na qualidade de beneficiários.

2. Ambas as partes recorreram. A coligação autora pugna pela inelegibilidade de todos os candidatos e por se estender a perda dos registros aos vencedores do pleito majoritário, ao passo que os candidatos pugnam pelo afastamento da fraude e, alternativamente, por se preservarem os registros de quem não anuiu com o ilícito.

PRELIMINAR. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. SÚMULA 24/TSE. REJEIÇÃO.

3. O TRE/PI assentou inexistir prova de que os presidentes das agremiações tinham conhecimento da fraude, tampouco que anuíram ou atuaram de modo direto ou implícito para sua consecução, sendo incabível citá-los para integrar a lide como litisconsortes passivos necessários. Concluir de forma diversa esbarra no óbice da Súmula 24/TSE.

TEMA DE FUNDO. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. ROBUSTEZ. GRAVIDADE. AFRONTA. GARANTIA FUNDAMENTAL. ISONOMIA. HOMENS E MULHERES. ART. 5º, I, DA CF/88.

4. A fraude na cota de gênero de candidaturas representa afronta à isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - a partir dos ditames constitucionais relativos à igualdade, ao pluralismo político, à cidadania e à dignidade da pessoa humana - e a prova de sua ocorrência deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, o que se demonstrou na espécie.

5. A extrema semelhança dos registros nas contas de campanha de cinco candidatas - tipos de despesa, valores, data de emissão das notas e até mesmo a sequência numérica destas - denota claros indícios de maquiagem contábil. A essa circunstância, de caráter indiciário, somam-se diversos elementos específicos.

6. A fraude em duas candidaturas da Coligação Compromisso com Valença I e em três da Coligação Compromisso com Valença II revela-se, ademais, da seguinte forma: a) Ivaltânia Nogueira e Maria Eugênia de Sousa disputaram o mesmo cargo, pela mesma coligação, com familiares próximos (esposo e filho), sem nenhuma notícia de animosidade política entre eles, sem que elas realizassem despesas com material de propaganda e com ambas atuando em prol da campanha daqueles, obtendo cada uma apenas um voto; b) Maria Neide da Silva sequer compareceu às urnas e não realizou gastos com publicidade; c) Magally da Silva votou e ainda assim não recebeu votos, e, além disso, apesar de alegar ter sido acometida por enfermidade, registrou gastos - inclusive com recursos próprios - em data posterior; d) Geórgia Lima, com apenas dois votos, é reincidente em disputar cargo eletivo apenas para preencher a cota e usufruir licença remunerada do serviço público.

7. Modificar as premissas fáticas assentadas pelo TRE/PI demandaria reexame de fatos e provas (Súmula 24/TSE).

CASSAÇÃO. TOTALIDADE DAS CANDIDATURAS DAS DUAS COLIGAÇÕES. LEGISLAÇÃO. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA.

8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes.

9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de "laranjas", com verdadeiro incentivo a se "correr o risco", por inexistir efeito prático desfavorável.

10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.

11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.

12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático.

13. Embora o objetivo prático do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 seja incentivar a presença feminina na política, a cota de 30% é de gênero. Manter o registro apenas das candidatas também afrontaria a norma, em sentido contrário ao que usualmente ocorre.

INELEGIBILIDADE. NATUREZA PERSONALÍSSIMA. PARCIAL PROVIMENTO.

14. Inelegibilidade constitui sanção personalíssima que incide apenas perante quem cometeu, participou ou anuiu com a prática ilícita, e não ao mero beneficiário. Precedentes.

15. Embora incabível aplicá-la indistintamente a todos os candidatos, constata-se a anuência de Leonardo Nogueira (filho de Ivaltânia Nogueira) e de Antônio Gomes da Rocha (esposo de Maria Eugênia de Sousa), os quais, repita-se, disputaram o mesmo pleito pela mesma coligação, sem notícia de animosidade familiar ou política, e com ambas atuando na candidatura daqueles em detrimento das suas.

CASSAÇÃO. DIPLOMAS. PREFEITA E VICE-PREFEITO. AUSÊNCIA. REPERCUSSÃO. SÚMULA 24/TSE.

16. Não se vislumbra de que forma a fraude nas candidaturas proporcionais teria comprometido a higidez do pleito majoritário, direta ou indiretamente, ou mesmo de que seria de responsabilidade dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito. Conclusão diversa esbarra na Súmula 24/TSE.

CONCLUSÃO. MANUTENÇÃO. PERDA. REGISTROS. VEREADORES. EXTENSÃO. INELEGIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA. CHAPA MAJORITÁRIA.

17. Recursos especiais dos candidatos ao cargo de vereador pelas coligações Compromisso com Valença I e II desprovidos, mantendo-se cassados os seus registros, e recurso da Coligação Nossa União É com o Povo parcialmente provido para impor inelegibilidade a Leonardo Nogueira e Antônio Gomes da Rocha, subsistindo a improcedência quanto aos vencedores do pleito majoritário, revogando-se a liminar e executando-se o aresto logo após a publicação (precedentes).

(Recurso Especial Eleitoral n. 19392, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 193, Data: 04/10/2019, Página 105/107)

 

Após o caso de Valença do Piauí, o TSE examinou diversas situações envolvendo fraude à cota de gênero, fixando balizas à configuração do ilícito.

Trago à colação dois julgados oriundos desta Corte nos quais o TSE definiu a moldura fática caracterizadora da fraude.

O primeiro deles é o RespEL n. 851, originário de Imbé, julgado em 04.8.2020, no qual, por maioria de votos (4 a 3), foi reconhecida a fraude diante do seguinte contexto fático:

a) as candidatas Simoni Schwartzhupt de Oliveira e Dóris Lúcia Costamilan Lopes obtiveram, cada, um único voto na eleição para o cargo de vereador em 2018;

b) ambas fizeram campanha ostensiva para outro candidato, Fabrício Rebech, não havendo uma única publicação, em seus perfis na rede social Facebook, que noticiasse serem elas candidatas no pleito de 2018;

c) Dóris Lúcia Costamilan Lopes nem sequer abriu conta para sua campanha e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de promover a abertura de conta, não realizou movimentação alguma;

d) não houve desistência das candidaturas, tampouco razão minimamente plausível que justificasse o abandono;

e) apesar de a candidata Simoni Schwartzhupt de Oliveira fazer menção à publicidade providenciada pelo partido, não foi juntado aos autos um único santinho ou material que contivesse propaganda em seu favor.

 

Ao analisar a matéria fática, restou assentado no voto-vista do Ministro Og Fernandes:

[…]

A similaridade do caso em análise com o precedente é evidente.

No leading case formado no caso de Valença do Piauí/PI, também havia candidatas que obtiveram um único voto e que, além de não terem feito campanha em seu favor, optaram por fazer atos de campanha para outros candidatos.

Em ambos os casos também, não houve desistência formal das candidaturas ou explicação plausível que justificasse o seu abandono oficial.

Na verdade, o caso dos autos traz hipótese menos complexa da ocorrida no REspe nº 193-92. Isso porque, no caso de Valença do Piauí/PI, após a propositura das ações eleitorais para apurar a fraude, foi feita prestação de contas retificadora para comprovar que as candidatas haviam realizado gastos eleitorais.

A fraude das candidatas no caso em análise, contudo, não chegou a esse nível de sofisticação.

Conforme transcrevi do acórdão regional, Dóris Lúcia Costamilan Lopes não abriu conta bancária e Simoni Schwartzhupt de Oliveira, apesar de ter aberto conta, não realizou movimentação alguma.

Assinalo, finalmente, que a tese que prevaleceu por apertada maioria no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, o qual entendeu pela inexistência de fraude, funda-se em argumento que enfraquece a política estabelecida pelo legislador quando deu nova redação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

Disse o relator na origem que a ação devia ser julgada improcedente devido a ter ficado comprovado nos autos que “as candidatas de fato eram engajadas na política”.

A nova redação do § 3º tem por finalidade o engajamento feminino na política não apenas pela participação no pleito como apoiadoras, mas efetivamente como candidatas.

Não se deseja a mera participação formal, mas a efetiva, por meio de candidaturas minimamente viáveis de pessoas interessadas em disputar uma vaga.

Constato, em suma, que ficou comprovada a fraude ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, devido à apresentação de duas candidaturas femininas, de Simoni Schwartzhupt de Oliveira e de Dóris Lúcia Costamilan Lopes, que não tinham intenção alguma de disputar o pleito ao cargo de vereador pelo Município de Imbé/RS nas eleições de 2016.

Por todas essas razões, divirjo do eminente relator e voto no sentido de prover o agravo interno para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando a nulidade de (PTB/PDT/PROS), porquanto auferidos a partir todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, cassando, consequentemente, todos os diplomas eventualmente obtidos pela coligação.

 

Registro que esta Corte, também por 4 a 3, deu provimento ao recurso para julgar improcedente a ação, ao argumento de que a pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial:

RECURSOS. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES 2016. PROCEDÊNCIA NO PRIMEIRO GRAU. CASSAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. NULIDADE DOS VOTOS DA COLIGAÇÃO. PLEITO PROPORCIONAL. PRELIMINARES DE NULIDADE E CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADAS. MÉRITO. QUOTAS DE GÊNERO. ART.10, § 3º, DA LEI N. 9.504/97. FRAUDE À LEI ELEITORAL NÃO CARACTERIZADA. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. Preliminares afastadas. 1.1. Processo conduzido com observância ao rito legal da Lei Complementar n. 64/90, não havendo nulidade a ser reconhecida. 1.2. A teor do art. 5º da LC n. 64/90, as testemunhas devem comparecer, independentemente de intimação, por iniciativa da parte que as arrolou. 1.3. Inexistência de previsão legal para o depoimento pessoal dos réus.

2. Mérito. A reserva de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei n.9.504/97 busca promover a igualdade material entre homens e mulheres, impondo aos partidos o incentivo à participação feminina na política. Para alcançar tal objetivo, mister sejam assegurados recursos financeiros e meios para que os percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo sejam preenchidos de forma efetiva, e não por meio de fraude ao sistema.

3. Na espécie, suposto lançamento de candidaturas fictícias do sexo feminino para atingir o percentual da reserva de gênero legal e viabilizar assim maior número de concorrentes masculinos. A pequena quantidade de votos, a não realização de propaganda eleitoral ou o oferecimento de renúncia no curso das campanhas não configuram, por si sós, condições suficientes para caracterizar burla ou fraude à norma, sob pena de restringir-se o exercício de direitos políticos com base em mera presunção, conforme orientação jurisprudencial.

4. Para a procedência da alegação de fraude em sede de AIME é fundamental a demonstração inequívoca que as candidaturas tenham sido motivadas com esse fim exclusivo, o que não é o caso dos autos. Presença de elementos suficientes a inferir no sentido de que as candidatas impugnadas eram, de fato, engajadas na política, satisfazendo o escopo da ação afirmativa.

5. Não conhecido o recurso interposto intempestivamente.

6. Provimento aos demais apelos. Ação julgada improcedente.

(RE 8-51.2017.6.21.0110, Imbé, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, julgado em 16.03.2018).

 

Contudo, a decisão acima foi reformada pelo TSE, que reconheceu a fraude, consoante ementa que reproduzo:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. AIME. FRAUDE. ART. 10, § 3º, DA LEI Nº 9.504/1997. QUADRO FÁTICO DELINEADO PELO ACÓRDÃO REGIONAL. POSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO JURÍDICO. RECONHECIDA A FRAUDE À COTA DE GÊNERO. NULIDADE DOS VOTOS. PROVIDOS O AGRAVO INTERNO E O RECURSO ESPECIAL.

1. Os fatos existentes no voto–vencido devem ser considerados sempre que não contradigam os descritos no voto–vencedor. Art. 941, § 3º, do CPC/2015. 2. À luz do REspe n° 193–92/PI, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, fica comprovada a existência de candidaturas fictícias sempre que identificado, de maneira induvidosa, o completo desinteresse na disputa eleitoral.

3. Agravo interno provido para, da mesma forma, dar integral provimento ao recurso especial, decretando–se a nulidade de todos os votos recebidos pela Coligação Unidos por Imbé, porquanto auferidos a partir de fraude ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 851, Acórdão, Relator(a) Min. Sérgio Banhos, Relator(a) designado(a) Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 217, Data: 28/10/2020) (Grifo nosso)

 

Nesse caso, destaque o que consignado no voto do Ministro Alexandre de Moraes:

Eu diria, com todo respeito ao que foi dito anteriormente, que, nesse caso só há uma diferença em relação ao caso anterior: elas tiveram um voto. Elas lembraram, pelo menos, de votar em si mesmas. Porque o resto é absolutamente idêntico: não houve um gasto eleitoral, não fizeram campanha. Talvez – e aqui o Ministro Og bem salientou – aqui tenha sido mais acintoso, mas os elementos são idênticos. Uma delas, nesse caso, era namorada de um candidato a vereador e fez campanha para o seu namorado. O que eu disse anteriormente: a prática faz com que se chame as suas irmãs, mães, filhas, namoradas. A outra pediu, via rede, votos para outro candidato.

Ora, mais do que isso para constatar fraude, nós estamos quase sumulando que há necessidade da confissão dupla, do partido e da candidata laranja. Porque não é possível tamanha coincidência, dois casos semelhantes, quase idênticos demonstrando exatamente que se não houver uma atitude firme da Justiça Eleitoral, infelizmente, essa cota de gênero jamais será respeitada. E também trago a experiência de quem já participou da política, com todo o respeito ao Ministro Sérgio Banhos, não há a mínima possibilidade de um partido implantar no outro uma mulher como candidata laranja, somente para prejudicar esse partido. Com todo o respeito ao que foi dito, quem conhece a realidade sabe que isso é absolutamente impossível. Primeiro, porque cada partido tem a sua cota de laranjas e, segundo, sempre há a necessidade da apresentação, abono de fichas.

O que nós temos hoje nos mais de cinco mil municípios brasileiros, é uma industrialização de candidaturas laranjas de mulheres. E isso simplesmente é a negativa do que se pretende – e o nosso presidente, o eminente Ministro Luís Roberto Barroso bem salientou no caso anterior –, da ampliação da participação da mulher. Se num caso 75% das candidaturas eram laranjas, nesse outro caso 33%, se não tem nenhum apoio, não conseguem nem provar que fizeram campanha, nós nunca teremos a possibilidade de equiparação, pelo menos mínima de chances das candidaturas de mulheres.

E, volto a dizer, com o absoluto respeito às posições em contrário, mas cada decisão da Justiça Eleitoral, principalmente dessa Corte, que sinaliza que há necessidade, como eu disse, de uma confissão dupla, isso acaba incentivado as candidaturas laranjas.

Aqui, não tenho também nenhuma dúvida, como bem salientou o eminente Ministro Og Fernandes, que houve fraude, clara fraude das candidatas. Vejam, uma delas, que era namorada de um candidato que foi vereador eleito, disse que não lembrava nem do número com o qual concorreu. Nem do número lembrava. A outra, dizendo “não, nós trabalhamos muito, pelo partido e pelo vereador”. E diz “outro vereador”. Mais do que isso, para constatar a fraude, realmente, é exigir-se confissão dupla, confissão dela, confissão das candidatas e dos partidos. (Grifo nosso)

 

O segundo julgado que merece relevo é originário do Município de Viadutos/RS, referente às eleições de 2016 para o cargo de vereador (0000495-85.2016.6.21.0003). Interposta Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) pelo Ministério Público Eleitoral contra a Coligação Unidos por Viadutos, a sentença a quo reconheceu haver provas de que a coligação teria indicado três candidatas à vereança, de maneira fictícia, apenas para cumprir o requisito legal mínimo de candidaturas por gênero.

Em sede de recurso, esta Corte Regional afirmou que a fraude foi comprovada, apenas restringindo à candidata DIRCE COSER ZANIN, atingindo o Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) da coligação e acarretando a revogação do deferimento dos registros de candidatura da chapa proporcional.

No TSE, por unanimidade, a decisão foi mantida, consoante ementa que reproduzo:

 

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. FRAUDE À QUOTA DE GÊNERO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL. LICITUDE. CASSAÇÃO DOS REGISTROS E DOS DIPLOMAS VINCULADOS AO DRAP VICIADO. RETOTALIZAÇÃO DOS VOTOS.

SÍNTESE DO CASO

1. Trata–se de recurso especial eleitoral manejado em face de acórdão do TRE/RS que manteve a sentença que julgou procedente a AIME em relação à fraude à quota de gênero, declarando a invalidade da constituição da Coligação Unidos por Viadutos, indeferindo–lhe o registro para as eleições proporcionais, cassando os mandatos obtidos por ela na eleição proporcional, declarando nulos todos os votos que lhe foram atribuídos na aludida eleição para a Câmara de Vereadores e redistribuindo as vagas por ela conquistadas aos partidos e às coligações adversárias que alcançarem o quociente eleitoral.

ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL

2. Na hipótese de fraude à quota de gênero, não procede o argumento dos recorrentes, no sentido de que a ação de impugnação de mandato eletivo deveria ser extinta, sem resolução de mérito, por ilegitimidade ad causam de todos os candidatos não eleitos. Isso porque, no julgamento dos Agravos Regimentais nos Recursos Especiais 684–80 e 685–65, rel. designado Ministro Luís Roberto Barroso, DJE de 31.8.2020, o Tribunal já decidira, por maioria, que os suplentes, embora possam participar do processo, não tem sua inclusão no polo passivo da demanda alçada a pressuposto necessário para a viabilidade da ação, já que são litisconsortes meramente facultativos.

3. Conquanto o STF tenha reconhecido a repercussão geral da questão concernente à licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, na seara ambiental, o Ministro Dias Toffoli, relator do leading case (RE 1040515) – no bojo do qual foi reconhecida a repercussão geral –, indeferiu pedido de suspensão dos processos que versem sobre a matéria.

4. Não houve negativa de prestação jurisdicional, mas julgamento contrário à pretensão da parte, com base na análise detida do conjunto probatório pela Corte de origem, circunstância que afasta as apontadas ofensas legais.

5. Não procede a alegação de cerceamento de defesa, tampouco de negativa de prestação jurisdicional pela Corte Regional, em relação ao pedido de produção de prova pericial, quando se percebe, pelos termos do acórdão regional, que os ora recorrentes, nem em primeira instância, nem em sede recursal, insurgiram–se contra o indeferimento da prova.

6. Este Tribunal, no julgamento do REspe 408–98, procedeu à adequação da sua jurisprudência à compreensão do STF, firmada no RE 583.937/RJ (Tema 237), "para as Eleições de 2016 e seguintes, a fim de reconhecer, como regra, a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial", assentando a sua aplicação independentemente da circunstância de a captação ter se realizado "em ambiente público ou privado" (REspe 408–98, rel. Min. Edson Fachin, DJE 6.8.2019).

7. No julgamento do REspe 193–92, de relatoria do Min. Jorge Mussi, cujo julgamento foi concluído em 17.9.2019, esta Corte Superior considerou que as circunstâncias indiciárias relativas à elaboração das prestações de contas, associadas aos elementos de prova particulares de cada candidata – relações de parentesco entre candidatos ao mesmo cargo, votação zerada ou ínfima, não comparecimento às urnas, ausência de atos de propaganda, entre outros –, seriam suficientes para demonstrar, de forma robusta, a existência da fraude no cumprimento dos percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

8. Na espécie, a conclusão acerca da ocorrência da fraude teve como lastro, ao lado dos elementos indiciários concernentes à votação zerada e à existência de outro candidato ao mesmo cargo na família da suposta candidata, a incoerência entre a justificativa apresentada por ela para a desistência de campanha e os fatos relatados em depoimento por sua filha, bem como a sua própria confissão, captada em gravação ambiental, no sentido de que não pretendia realizar campanha, salvo para o seu cunhado, já que seu nome foi lançado apenas "para legendar".

9. A partir das premissas fixadas no aresto regional, cuja revisão é inviável em sede extraordinária, a conclusão a respeito da ocorrência da fraude se baseou em elementos de prova suficientemente robustos.

10. A análise da questão alusiva à incidência do art. 224 do Código Eleitoral às eleições proporcionais, dado o momento da conclusão do presente julgamento, está prejudicada, por perda de objeto, em face do término da legislatura referente ao pleito de 2016.CONCLUSÃO Recurso especial a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 49585, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 142, Data 03/08/2021, Página 0) (Grifo nosso)

 

Pelo exposto, percebe-se que o combate às ditas “candidaturas laranjas” tem sido objeto de preocupação e debates nas Cortes Eleitorais. Dessarte, o grande desafio que se impõe é a avaliação do que configura ou não fraude à cota de gênero. Com relação a esse ponto, as palavras do Ministro do TSE Alexandre de Moraes, nesse caso de Viadutos/RS, são primorosas:

[…]

No mérito, a questão restringe-se a saber se o conjunto dos fatos – votação zerada, inexistência de atos de campanha, incongruência na justificativa de desistência do pleito e interceptação ambiental de conversa em que a candidata revelou que seu nome foi indicado apenas para preenchimento de legenda – é capaz de configurar fraude à cota de gênero e o consequente indeferimento do registro da Coligação Unidos por Viadutos para as eleições proporcionais.

Conforme defendi no julgamento dos Recursos Especiais 0602016-38 e 0602033-74, o fato de a candidata não ter realizado nenhum ato de campanha aliado à votação zerada já seria suficiente, no meu entender, para o reconhecimento da fraude, uma vez que a argumentação no sentido da desistência da candidatura deve sempre ser acompanhada por elementos mínimos que comprovem que a candidatura, de fato, existiu, o que não ocorreu na hipótese. (Grifo nosso)

 

Pois bem, com base nessas diretivas jurisprudenciais, passo a analisar o caso em tela.

No caso, a moldura fática do presente feito em relação à candidata Meneci Lambertes:

  1. Ausência de desincompatibilização do exercício do cargo em comissão no período exigido pela lei, no entanto houve a discussão a respeito das atribuições do cargo de supervisor do setor de fiscalização de trânsito, que foi levada ao TSE, com desfecho somente em 03.02.2021 (data do trânsito em julgado);

  2. A candidata obteve 48 votos, conforme consta no sítio eletrônico do TSE https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=rs;mu=87777/resultados/cargo/13 (ID 44886230);

  3. A candidata promoveu atos de campanha por meio de panfletos (“santinhos”). No verso de um dos “santinhos” contém a informação sobre a tiragem, de cinco mil cópias, e a indicação do CNPJ 38.679.117/0001-16, o qual corresponde à campanha de Meneci (ID 44886231), bem como consta nos autos áudio de propaganda eleitoral (ID 44886232);

  4. A candidata movimentou recursos no valor total de R$ 700,00 (setecentos reais), sendo R$ 500,00 (quinhentos reais) em recursos financeiros e R$ 200,00 (duzentos reais) em valor estimável, conforme se verifica em consulta ao DivulgaCandContas https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87777/210000765521 e na Prestação de Contas da candidata, n. 0600702-06.2020.6.21.0032.

Diante desse cenário, considero que não há prova da fraude suscitada, eis que todas as alegações do recorrente mostraram-se inverídicas, sendo que a única prova produzida consistiu no testemunho de Pedro Rogério Brizola Fernandes, cujo teor se limitou a noticiar a ausência de visualização de atos de campanha por parte da candidata Meneci, o que evidentemente não possui o condão de demonstrar a alegação de fraude em candidatura. Ademais, restou comprovado que a dita testemunha faltou com a verdade ao referir ser colega da candidata, quando, desde 2019, estava lotado em setor distinto. Friso que o fato de Pedro não ter visto a candidata no ambiente de trabalho se justifica não somente pela desincompatibilização (afastamento do trabalho), mas, e principalmente, diante do período pandêmico. Afora essas questões trazidas, demonstrou-se a parcialidade da testemunha em vista da relação entabulada com Fernando De Carli (candidato a vereador não eleito), maior interessado no deslinde da AIJE, pois assumiria uma cadeira na Câmara de Vereadores.

Corroborando este entendimento, colaciono o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45019753):

 

Contudo, a cassação do registro ou diploma dos candidatos/eleitos e a anulação de todos os votos atribuídos à coligação impugnada somente podem ser determinadas com base em prova robusta da fraude eleitoral, não sendo bastantes meras presunções ou indícios.

 

Como se verifica do exame dos fatos e provas produzidas nos presentes autos, quais sejam, divergência quanto à data de desincompatibilização, baixa votação e inexpressiva arrecadação de recursos, não formam um conjunto de provas robustas a demonstrar que a candidata se manteve inerte durante todo o processo eleitoral, comportando-se como se não disputasse a eleição.

Da litigância de má-fé

Por fim, em vista do demonstrado nos autos de que as arguições postas, tanto na exordial quanto no recurso, não correspondem à verdade dos fatos com relação a informações sobre a desincompatibilização da candidata, número de votos, gastos de campanha e atos de propaganda, dados cuja aferição poderia ser facilmente comprovada nos sítios da Justiça Eleitoral, tenho que o recorrente deduziu pretensão em desconformidade com a realidade dos fatos, nos termos do que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45019753):

Os investigados, desde a contestação e notadamente em alegações finais, requereram a condenação do partido autor por litigância de má-fé, com fundamento no manejo de ação sem a apresentação de provas e, especialmente, por conta das circunstâncias do testemunho judicial de Pedro Rogério Brizola Fernandes.

Efetivamente, considerando que as alegações da inicial e do recurso correspondem a fatos aferíveis a partir de simples consulta ao sítio eletrônico da Justiça Eleitoral, de acesso público (valores gastos em campanha, quantidade de votos), e há fortíssimos indícios de que a única testemunha arrolada pelo investigante faltou com a verdade sobre sua lotação na Prefeitura e sobre a presença de terceiro durante sua oitiva, cabível a condenação por litigância de má-fé, com fundamento no art. 80, inc. I e II, do

CPC (dedução de pretensão contra fato incontroverso e alteração da verdade dos fatos).

 

Desta feita, acolho o pedido de litigância de má-fé, reiterada em contrarrazões, com fundamento no art. 80, incs. I e II, do CPC, e condeno o Partido PSDB de Palmeira das Missões/RS ao pagamento de multa de 01(um) salário-mínimo, forte no art. 81, § 2º, do CPC.

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, assim como pela condenação do recorrente ao pagamento de 01 salário-mínimo por litigância de má-fé.

Ficam os autos à disposição da Procuradoria Eleitoral para que encaminhe cópia do testemunho prestado por Pedro Rogério Brizola Fernandes à Procuradoria da República no Município de Erechim / Palmeira das Missões, para os fins do art. 342 do CP.