REl - 0600520-83.2020.6.21.0108 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2022 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Mérito

As contas do recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 450,00, em razão da ausência de comprovação de pagamentos de despesas eleitorais realizadas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

O valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional foi alterado para R$ 350,00 em razão do acolhimento de embargos de declaração (ID 44953056).

Na instrução processual, o parecer conclusivo identificou despesas pagas com verba oriunda do FEFC, no montante de 450,00, por meio de cheques sacados diretamente no caixa bancário, nos dias 28.10.2020 e 12.11.2020, sem registro da contraparte favorecida na operação.

Em sua manifestação, o candidato afirma que, efetivamente, houve o pagamento dos valores e argumenta que os comprovantes de recebimento estão assinados pelos prestadores de serviço, pois as cifras aparecem nos extratos bancários.

Na hipótese, porém, é incontroverso que as cártulas foram emitidas sem o necessário cruzamento e que os valores foram sacados diretamente na “boca do caixa”, ou seja, sem o trânsito para a conta bancária do fornecedor declarado.

Com efeito, da análise dos extratos eletrônicos disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89010/210000673430/extratos), não é possível identificar a contraparte favorecida pela compensação do cheque n. 0023, no valor de R$ 300,00, debitado em 28.10.20, e do cheque n. 0030, de R$ 150,00, compensado em 12.11.2020.

Compulsando os autos, verifica-se que para justificar as despesas o recorrente juntou a seguinte documentação:

- Pagamento de serviços contábeis: foto com o recibo de serviços n. 2778 e cheque n. 0023, emitido em 27 de outubro de 2020, no valor de R$ 300,00, nominal e não cruzado para Setembrino Quevedo de Ávila (ID 44953041, f. 3), contrato de prestação de serviços e certidão de regularidade profissional (ID 44953029);

- Pagamento de serviços de panfletagem: contrato de prestação de serviços de Lucas Henzel Prechuni, CPF 037.520.010-53, e recibo de pagamento n. 001, no valor de R$ 150,00 (ID 44953014).

Em relação ao pagamento de despesas de campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

A exigência de cruzamento do título busca impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, sobretudo demonstrar que os prestadores de serviço informados nos registros contábeis foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito.

Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as eleições 2018, o art. 40, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal”, enquanto para as eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

Ainda, a apresentação de contrato, declaração ou recibo firmado pelos supostos beneficiários do adimplemento declarando que o valor lhes foi repassado não supre a necessidade de que o lastro do pagamento seja registrado na própria operação bancária de crédito, conforme a diretriz jurisprudencial deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. MULTA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. GASTOS COM CHEQUES EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. OMISSÃO DE DESPESAS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. ARGUMENTAÇÃO DA RECORRENTE INSUFICIENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ, BAIXO VALOR DA FALHA, DECLARAÇÃO UNILATERAL E EQUÍVOCO DE LANÇAMENTOS INCAPAZES DE SANAR OS ERROS. VALOR DAS IRREGULARIDADES IRRISÓRIO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. MANUTENÇÃO DA MULTA A SER RECOLHIDA AO FUNDO PARTIDÁRIO E DO RECOLHIMENTO DE RONI AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

(…).

3. Pagamento, via cheque, de forma distinta da prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Cártula emitida de modo não cruzado e nominal, contrariando o normativo legal. Documentação unilateral acostada aos autos insuficiente para demonstrar o real destino dos recursos de campanha, conforme jurisprudência. Manutenção da irregularidade quanto à forma de pagamento utilizada.

(…).

7. Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n 060043430, ACÓRDÃO de 29/07/2021, Relator: DES. ELEITORAL MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

Logo, restou caracterizada irregularidade quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos do FEFC, no montante identificado na sentença como sendo de R$ 350,00, o qual deve ser restituído ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Cumpre também anotar que o douto Procurador Regional Eleitoral, Dr. José Osmar Pumes, consignou em seu parecer a existência de erro material na decisão do juízo de primeiro grau, segundo se verifica no excerto a seguir:

Nesse ponto, cabe registrar que o erro material foi equivocadamente reconhecido pelo Juízo no julgamento dos embargos de declaração, porque o Parecer Conclusivo, de fato, lançara erroneamente o valor do primeiro cheque, mas a soma estava correta. Isso pode ser verificado do extrato bancário constante do Divulgacand, em que o lançamento que aparece em 28.10.2020 correspondente ao saque de um cheque, por caixa, no valor de R$ 300,00, sem identificação do sacador; do Exame de Prestação de Contas (ID 44953036); e da manifestação do prestador no ID 44953041, que traz a reprodução do cheque 000023, emitido nominal (não cruzado) a Setembrino Quevedo de Ávila, no valor de R$ 300,00.

Considerando que a decisão que “corrigiu” o erro material incidiu, ela sim, em erro material, mostra-se possível a correção por parte dessa Corte, sem que se possa falar, no caso, em reformatio in pejus, ainda mais considerando que se trata de estabelecer o valor correto de recursos públicos a ser devolvido ao Tesouro Nacional.

A doutrina assim define o erro material:

[...]

2.2. Erro material

O pronunciamento judicial pode conter inexatidões materiais ou erros de cálculo. Tais inexatidões ou erros são denominados de erro material. Quando isso ocorre, o juiz pode, de ofício ou a requerimento da parte, alterar sua decisão para corrigir essas inexatidões (art. 494, CPC).

A alteração da decisão para corrigir erros de cálculo ou inexatidões materiais não implica a possibilidade de o juiz proferir nova decisão ou proceder a um rejulgamento da causa. O que se permite é que o juiz possa corrigir evidentes e inequívocos enganos involuntários ou inconscientes, retratados em discrepâncias entre o que se quis afirmar e o que restou consignado no texto da decisão.

Enfim, há erro material, quando o que está escrito na decisão não corresponde à intenção do juiz, desde que isso seja perceptível por qualquer homem médio.

Assim ocorre, por exemplo, quando o juiz, na decisão, refere-se ao réu como uma pessoa jurídica, só que, em verdade, se trata de uma pessoa natural. Outro exemplo: o juiz afirma que a ação é de reintegração de posse, quando, na realidade, a ação é de alimentos. Também se configura a hipótese de permitir a correção pelo próprio juiz, quando há erros de cálculo ou erros aritméticos, como, por exemplo, quando o juiz condena o réu a pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) a titulo de danos materiais e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) à guisa de danos morais, estabelecendo uma condenação total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Nesse caso, há evidente erro de cálculo, pois a soma deve importar um total de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), e não R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Em hipóteses assim, permite-se ao juiz corrigir, de oficio ou a requerimento, o erro material ou o erro de cálculo. Tais erros – como, aliás, já se consolidou na jurisprudência – não são atingidos pela coisa julgada, podendo ser revistos a qualquer momento.

De igual modo, o juiz pode corrigir um erro material identificado em sua decisão por meio de embargos de declaração (art. 1.022, Ill, CPC). Não opostos embargos de declaração, o erro material pode, como visto, ser corrigido a qualquer momento. A coisa julgada não alcança o erro material. Nesse sentido, o enunciado 360 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "A não oposição de embargos de declaração em caso de erro material na decisão não impede sua correção a qualquer tempo".

Tradicionalmente, o Superior Tribunal de Justiça entende que se considera erro material a adoção de premissa equivocada na decisão judicial. Nesse caso, cabem embargos de declaração para corrigir a decisão e, até mesmo, modificá-la, eliminando a premissa equivocada. Quando, enfim, a decisão parte de premissa equivocada, decorrente de erro de fato, são cabíveis embargos de declaração para correção de tal equivoco. Com efeito, cabem embargos de declaração, "quando o julgado embargado decida a demanda orientado por premissa fática equivocada".

(DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo Carneiro da.Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. v. 3)

Levando em consideração a lição acima, tenho que a decisão proferida pelo juízo a quo corrigiu regularmente erro material.

Por ocasião da sentença (ID 44953046), constou na fundamentação a transcrição do parecer que mencionava, “permanecem porém, sem a juntada dos comprovantes de pagamentos [...] os seguintes valores: 28/10/2020 – R$ 200,00” e “12/11/2020 – R$ 150,00” e “não foi possível identificar cheque nominal cruzado ou transferência bancária dos valores constantes acima (R$ 450,00)”, e, no dispositivo, a determinação de “recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 450,00”.

Com a expressa concordância da Promotora de Justiça Eleitoral (ID 44953055), os embargos de declaração foram acolhidos para “determinar o recolhimento de R$ 350,00 ao Tesouro Nacional, e suprindo a omissão, afastar a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso”.

Embora o erro não estivesse na soma dos valores indicados no parecer técnico, e sim na menção à quantia de R$ 200,00 quando o correto seria R$ 300,00, tenho que não cabe retificar novamente o montante a ser recolhido, seja porque houve debate específico sobre sua fixação e o Ministério Público em primeira instância anuiu com a tese levantada nos embargos de declaração, seja porque a majoração acabaria por prejudicar o único recorrente.

 

Conclusão

No caso concreto, portanto, a irregularidade no valor de R$ 350,00 representa, aproximadamente, 9,68% dos recursos arrecadados pelo candidato (R$ 3.615,91).

Considerando a ínfima dimensão percentual das falhas, bem como o valor nominal diminuto, é viável a aplicação do princípio da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, pois trata-se de valor módico e inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR), tido como modesto pela legislação de regência e utilizado por este Tribunal para admitir tal juízo.

Essa conclusão pela aprovação com ressalvas das contas, cabe ressaltar, não afasta a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, que decorre exclusiva e diretamente das previsões contidas nos arts. 32, caput e inc. VI, e 79, da Resolução TSE n. 23.607/19 alusivas à caracterização do uso de recursos de origem não identificada, independentemente da sorte do julgamento final das contas.

Dessa forma, considerando-se o reduzido valor nominal da irregularidade, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, nos termos do inc. II do art. 74 da Resolução TSE n. 23.607/19, em face da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas de JOÃO BATISTA DA SILVA, candidato ao cargo de vereador no Município de Sapucaia do Sul nas eleições 2020, mantida a determinação de recolhimento do valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional.